Pensando em que ideia
espalhar no Dia Mundial da Água
lembrei uma entrevista concedida pelo cineasta indiano Shekhar Kapur da qual
alguns trechos foram publicados na edição de 29 de dezembro de 2013 do jornal O Estado de S. Paulo, em uma reportagem
de Elaine Guerini. Entrevista na qual Kapur fala sobre as dificuldades para filmar
uma história de fundo político focalizando a água e confessa sua ira pelo modo
como ela é tratada no planeta. Segue a íntegra da reportagem.
A arte contra a privatização da água no planeta
Diretor de 'Elizabeth' e 'Honra & Coragem', Kapur vai filmar história de fundo político, ambientada em 2040
Um discurso do político Chaudhary Devi Lal
(1914 – 2001), seguidor de Mahatma Gandhi, inspirou o cineasta indiano Shekhar
Kapur a escrever o roteiro de Paani,
no final da década de 1990. "Tive a ideia para o filme assim que ouvi Lal
dizer que os ricos gastam numa única descarga no banheiro a quantidade de água
que uma família pobre recebe para consumir num dia inteiro na Índia ou na
África", contou Kapur, de 68 anos, mais conhecido por Elizabeth (1998), épico sobre a monarca inglesa indicado a sete
Oscars.
Com dificuldade para viabilizar o projeto,
orçado em US$ 40 milhões, Kapur deixou Paani
engavetado por 15 anos. Nesse período o diretor rodou Honra & Coragem – As Quatro Plumas (2002) e Elizabeth: A Era de Ouro (2007), com
Cate Blanchett reprisando o papel da rainha, além de um segmento no filme
coletivo Nova York, Eu Te Amo (2008).
"Fui forçado a me distrair com outros trabalhos, mas o tempo não amenizou a
minha ira. Nunca aceitarei o fato de alguns se acharem donos da água, um
recurso tão básico quanto o ar, passando a engarrafá-la e vendê-la", disse
Kapur ao Caderno 2, durante a 10ª
edição do recém-encerrado Festival de Cinema Internacional de Dubai, o DIFF. O
cineasta foi membro do júri no evento, onde ele anunciou que começa a filmar Paani (água, na língua hindi) em maio,
em Mumbai, com produção da Yash Raj Films. A seguir, os principais trechos da
entrevista.
"Nunca aceitarei o fato de alguns se acharem os donos da água, um recurso
tão básico, passando a engarrafá-la e vendê-la"
Por que não buscou financiamento para 'Paani' em Hollywood,
sobretudo após o reconhecimento conquistado com 'Elizabeth'?
Hollywood ofereceria muitas vantagens, já que
eles entendem como ninguém o design de uma produção desse porte. Mas os
americanos não deixam você fazer o filme que quer. Há muita interferência. Eu
me senti amordaçado durante a filmagem de Honra
& Coragem (filme sobre soldado britânico que abandona posto durante guerra).
Preferi então esperar até conseguir o dinheiro no meu país. Esse será o maior
filme com proposta independente feito na Índia, fora de Bollywood.
Qual aspecto de 'Paani' sofreria mais interferência nos EUA?
É um filme provocativo, uma espécie de chamado
para a revolução. Boa parte da população mundial sofre diariamente com a falta
de água. Isso só não é notícia porque a informação que recebemos é controlada
pelos países ricos, onde a água ainda chega. Mas a água é um recurso que já
está acabando.
Como o problema já é real em vários países, por que escolheu o
gênero de ficção científica para contar a história?
O inconveniente do sci-fi é a chance que ele
dá ao espectador de fugir da situação. Mas isso não acontecerá com Paani pelo filme trazer muitos elementos
da vida atual, ainda que ele seja ambientado em 2040. Mostrarei uma cidade
dividida em duas. A parte alta controla a água, filtrando uma pequena
quantidade para os guetos, que vivem na parte baixa. Enquanto a cidade alta
representa a globalização, a água é uma metáfora para o controle social e
político.
É verdade que o sr. se recusa a tomar água engarrafada?
É. Isso é um absurdo, principalmente nos
países ricos, onde as pessoas compram garrafas, apesar de terem acesso à água
tratada. Comprar água virou moda. As pessoas não percebem que estão colaborando
para a privatização da água, para a superexploração de aquíferos.
(reservatórios de água subterrâneos) e para a poluição gerada pelas embalagens
plásticas.
Houve rumores que Kristen Stewart viveria uma garota
da cidade alta. Para garantir maior visibilidade ao filme, o elenco contará com
atores hollywoodianos?
Teremos três atores internacionais entre os
indianos, que serão a maioria. Decidi filmar em inglês por ser o único jeito de
alcançarmos a plateia mundial, como provou Danny Boyle ao rodar na Índia o seu Quem Quer Ser Um Milionário?. Ainda não
escolhi os atores principais, mas não me preocupo. Para Elizabeth, testei centenas de atrizes pessoalmente. Mas só
encontrei a minha rainha quando vi duas cenas de Cate Blanchett, uma
desconhecida na época, num filme que quase ninguém viu (risos).
*************
"Assim que ouviu um político seguidor de
Mahatma Gandhi dizer que os ricos gastam numa única descarga no banheiro a
quantidade de água que uma família pobre recebe para consumir num dia inteiro
na Índia ou na África" o cineasta indiano teve a ideia de filmar uma
história de fundo político focalizando a água. Teve e engavetou-a por quinze
anos devido à dificuldade financeira para viabilizar o projeto, orçado em US$
40 milhões.
"Indagado sobre "por que não buscou financiamento em
Hollywood, sobretudo após o reconhecimento conquistado com 'Elizabeth'", Kapur respondeu assim:
"Os americanos não deixam você fazer o filme que quer. Há muita
interferência. Eu me senti amordaçado durante a filmagem de Honra & Coragem
(filme sobre soldado britânico que abandona posto guerra)". Sendo assim, "ele preferiu então esperar até
conseguir o dinheiro em seu país."
Lição nº 1: Jamais solicite ajuda financeira a
quem só a concede sob a condição de poder interferir ideologicamente no uso que
dela será feito.
Indagado sobre "qual aspecto do filme sofreria mais interferência nos EUA", Kapur respondeu assim: "É um filme provocativo, uma espécie de
chamado para a revolução. Boa parte da população mundial sofre diariamente com
a falta de água. Isso só não é notícia porque a informação que recebemos é
controlada pelos países ricos, onde a água ainda chega. Mas a água é um recurso
que já está acabando."
Lição nº 2: As informações que
realmente interessam a maior parte da população mundial não são divulgadas porque
a informação que ela recebe é controlada pelos países ricos. Controle que faz
com que as informações divulgadas sejam compostas, em sua quase totalidade, de notícias
que visam exatamente prejudicar os interesses da maior parte da população. Sendo assim, em relação às informações que recebemos nosso
comportamento deve ser o seguinte: à luz de senso
crítico, interpretar as informações que nos são oferecidas e delas aproveitar
as que têm alguma probabilidade de serem verdadeiras e desprezar aquelas cuja finalidade seja exatamente impedir-nos de enxergar a verdade por elas encoberta.
"Nunca aceitarei o fato de alguns se
acharem donos da água, um recurso tão básico, passando a engarrafá-la e
vendê-la", diz o cineasta indiano. Um cineasta que indagado sobre "se é verdade que ele se recusa a tomar água
engarrafada" responde assim: "É. Isso é um absurdo,
principalmente nos países ricos, onde as pessoas compram garrafas, apesar de
terem acesso à água tratada. Comprar água virou moda. As pessoas não percebem
que estão colaborando para a privatização da água, para a superexploração de
aquíferos. (reservatórios de água subterrâneos) e para a poluição gerada pelas
embalagens plásticas."
Lição nº 3: Ao não perceberem que estão colaborando
para males que colocam em risco a própria (ou seria imprópria) civilização
(sic) em que sobrevivem, as pessoas, mais uma vez, provam a incontestabilidade da
célebre afirmação de Albert Einstein: "Existem apenas duas coisas infinitas – o
Universo e a estupidez humana. E não tenho tanta certeza quanto ao
Universo".
Lição nº 4: Publicar postagens cujo tamanho
excede duas páginas (usando como medida os documentos Word) diminui
consideravelmente a probabilidade de ter o texto lido, pois nesta frenética sociedade
a quantidade de pessoas dotadas de fôlego para leituras mais longas é cada vez menor.
Portanto, fiquemos
por aqui e prossigamos com o tema água na próxima postagem. Postagem que
focalizará a água como "um negócio", não como um bem coletivo, pois neste planeta onde tudo é tratado como mercadoria, falar
sobre um
recurso tão básico quanto à água é hoje, em jornais e revistas, assunto
da área de negócios. Sendo assim, se quisermos realmente entender a encrenca em
que estamos metidos, nessa história de escassez de água, faz-se necessário
interessar-se em ler algo sobre uma coisa denominada hidronegócio.
Nenhum comentário:
Postar um comentário