Dia 4 de Julho de
2011. Provocado por uma reportagem intitulada Competitividade na escola é criticada, publicada no jornal O Estado de S. Paulo em sua edição do
dia 26 do mês anterior, publiquei neste blog uma postagem homônima onde é
apresentada tal reportagem. Quatro dias depois, em uma postagem intitulada A competitividade nossa de todos os dias,
focalizei a competitividade no âmbito geral, e não apenas na escola.
Janeiro de 2015. Em suas edições mensais, as
revistas Você S/A e Exame, coincidentemente, publicaram
reportagens focalizando a competição no mundo corporativo. E também
coincidentemente, pois não sou leitor habitual das duas revistas, eu tomei
conhecimento de tais reportagens. Eu, que durante 3,7 décadas atuei em tal
mundo, que sempre fui contra a competição e a favor da cooperação.
Fevereiro de 2015. Em conformidade com o que é
dito nos dois parágrafos acima considero, simplesmente, uma obrigação espalhar
tais reportagens por meio deste blog. E para fazê-lo começo pela publicada na Você S/A. Não por considerá-la mais
importante, e sim por ser a que li primeiro. A reportagem é intitulada Competição a toda prova e é assinada por
Bárbara Nór.
Competição a toda prova
Ambientes altamente competitivos não geram bons resultados e só aumentam a ansiedade dos profissionais. Essa é a tese da americana Margaret Heffernan, que está lançando um livro sobre o assunto
Interessado em saber como a seleção dos melhores agiria na natureza, o pesquisador William Muir, da Universidade de Purdue, nos Estados Unidos, fez uma experiência com galinhas. Selecionou dois grupos: um natural, em que as aves conviviam normalmente, e outro formado só pelas que mais produziam ovos. Ele queria testar se o isolamento das superprodutivas aumentaria a quantidade de ovos gerada. Após seis gerações, as galinhas do bando natural estavam saudáveis. Mas as do grupo das superaves estavam depenadas, estressadas e sem botar nenhum ovo - com apenas três sobreviventes. As outras seis tinham sido assassinadas.
A
história é usada pela americana Margaret Heffernan em seu livro A Bigger
Prize: Why Competition Isn't Everything and How We Do Bettter ("Um
prêmio maior: por que a competição não é tudo e como podemos fazer
melhor", numa tradução livre, ainda sem edição no Brasil) para
demonstrar que a competitividade não é tão boa quanto o mundo dos
negócios faz parecer. Segundo a autora, que foi CEO de empresas de
tecnologia como iCast e CMGI, ambientes de trabalho competitivos causam
estresse e problemas de relacionamento que não compensam os resultados.
Ela cita o caso de Bill Gore, que fundou a indústria química americana
W.L.Gore com um modelo hierárquico mais amigável e bateu recordes de
patentes. "Pessoas colaborativas tornam as empresas inteligentes", diz
Margaret. Conheça as principais mensagens e alguns trechos do livro.
Mensagem: Produtividade na marra
A competitividade serviria para criar uma atmosfera mais produtiva. Jack Welch, ex-presidente da GE e consultor de carreira deu fama a seus rankings que dividiam os funcionários entre os 20% potenciais, os 70% medianos e os 10% incompetentes. Segundo Margaret, essa prática, embora dê lucro, cria cenários em que ou você é o melhor ou é o perdedor, gerando ansiedade, estresse e, consequentemente, resultados piores.
Trecho do livro
"Qualquer tarefa complexa requer muito de seu cérebro. Mas o estresse prejudica especificamente o funcionamento do córtex pré-frontal, onde os pensamentos ocorrem e o hipocampo, responsável por coordenar as atividades mentais necessárias para resolver problemas. Quando nos sentimos ameaçados, podemos ter toda a capacidade mental de que precisamos, mas não conseguimos articular bem as coisas."
Mensagem: Segredos e trapaças
O clima competitivo nos torna colegas piores. Nos laboratórios de pesquisa médica, informações que deveriam ser compartilhadas para o desenvolvimento da ciência são retidas como forma de vantagem competitiva. Os profissionais ficam mais preocupados em ser os melhores do que em colaborar para um bem maior e não trocam informações sobre as descobertas nem sobre as dúvidas. Quem tem dificuldade numa tarefa, em vez de pedir ajuda, esconde o problema. No limite. isso leva a comportamentos criminosos e tentativas de sabotagem.
Trecho do livro
"A competição social extrema absorve tanta energia e atenção do indivíduo que mata sua habilidade de colaborar (...). Para que a criatividade genuína e a colaboração possam florescer nas organizações, as pessoas precisam estar descansadas, alertas e capazes de confiar umas nas outras."
Mensagem: Medo de discordar
Organizações altamente competitivas têm uma hierarquia na qual o peso das palavras dos profissionais é desigual. Fica mais difícil discordar e fazer críticas, o que aumenta a possibilidade de erros aparecerem. Afinal, quem vai querer, numa reunião em que todos estão concordando com a ideia do chefe, fazer um questionamento e correr o risco de desagradar? O efeito disso é o chamado "silêncio organizacional", que aumenta a dificuldade de inovar e apontar problemas a ser resolvidos.
Trecho do livro
"A maioria dos executivos tem informações, questões ou medos que nunca verbalizam: seja por medo de retaliações, seja por um sentimento de desesperança que, não importa o que eles digam, não fará nenhuma diferença."
Mensagem: Visão limitada
Grandes empresas costumam medir o sucesso de sua gestão de acordo com seu valor no mercado de ações, esforçando-se em manter os números altos em comparação com a concorrência. A competitividade faz com que haja um foco exagerado nos resultados e não nos processos. Ficamos tão obcecados em vencer e chegar ao topo que não somos capazes de enxergar novidades e alternativas que, no futuro, se tornarão óbvias.
Trecho do livro
"A atenção extrema em um único objetivo cria visão de túnel, que exclui qualquer coisa que desvie do objetivo. Em situações de vida ou morte, essa é uma ferramenta valiosa. Mas o foco extremo, que funciona bem no curto prazo, é empobrecedor e esgota nossos recursos quando se torna um hábito para a vida."
Mensagem: Inovação em baixa
Em uma competição, dividimos menos ideias, não fazemos críticas nem colaboramos com os colegas. Então, o pensamento inovador não tem vez. Para que ideia novas surjam, é preciso haver espaço para diálogos e conflitos. A necessidade de lucrar cada vez mais para fazer frente à concorrência também não combina com o espírito inovador, o que é arriscado por natureza. É difícil ser criativo quando se tem medo de perder.
Trecho do livro
"Instituições e organizações criativas prosperam não porque escolhem e criam superstars, mas porque celebram, nutrem e dão suporte à grande variedade de talentos, personalidades e habilidades que a verdadeira criatividade requer. Colaboração é um hábito mental, solidificado pela rotina e baseado em generosidade, rigor e paciência. E falhar faz parte: erros, becos sem saída e dúvidas são inevitáveis no processo."
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Uma ex-CEO de empresas de tecnologia usa a
história oriunda de uma experiência comportamental com galinhas, realizada por
um pesquisador universitário, "para demonstrar que a competitividade não é tão boa quanto o mundo dos negócios faz parecer". Em outras palavras: uma representante do mundo
tecnológico usa uma experiência comportamental com algumas representantes do
mundo animal, realizada por um representante do mundo universitário, "para
demonstrar que a competitividade não é
tão boa quanto o mundo dos negócios faz parecer".
E o problema é que entre
essa variedade de mundos, o prevalecente é exatamente esse que nos engana
quanto aos benefícios oriundos de uma coisa que nada tem de boa, por mais que
tentem nos convencer do contrário.
"Não existe competição sadia. A competição é um fenômeno
cultural e humano e não constituinte do biológico", são palavras de Humberto
Maturana, doutor em alguns ramos da biologia. Palavras em perfeita conformidade
com a seguinte afirmação de Terry Orlick: "A competitividade
humana simplesmente não é necessária para a sobrevivência do homem; no máximo,
é uma ameaça a ela."
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