Neste blog onde, na
maioria das vezes, as postagens são "sugeridas" pela anterior ou têm
a ver com o período em que são publicadas, buscando o que espalhar após o tradicional
período de intensa troca de votos de próspero ano novo, encontrei, na edição de
9.12.2014 do jornal Folha de S.Paulo, uma
reportagem-entrevista que, no meu entender, atende tais requisitos. A
reportagem é de Eleonora de Lucena, o entrevistado é o filósofo canadense Barry
Stroud e o título é o mesmo que o desta postagem.
Pessoas estão mais ricas, mas vida hoje é mais pobre
Para filósofo canadense, foco atual é o sucesso profissional, deixando de lado a reflexão e os interesses culturais
A vida virou uma carreira. As pessoas estão
focadas o tempo todo no sucesso profissional. É preciso ganhar o máximo de
dinheiro, ter família, casa grande – tudo junto. Consumismo, individualismo,
carreirismo. A vida contemporânea, apesar dos avanços materiais, é mais pobre.
O diagnóstico é do filósofo canadense Barry
Stroud, 79, professor da Universidade da Califórnia em Berkeley (EUA).
Autor de obras sobre David Hume (1711-1776) e
Ludwig Wittgenstein (1889-1951), sua especialidade é o ceticismo como filosofia
– basicamente o oposto do que ocorre com o pensamento dominante hoje nos
Estados Unidos e mundo afora.
Leitor de romances policiais e adepto de
caminhadas, Stroud, que esteve em Campos do Jordão para o 16º Congresso da
Associação Nacional de Pós-Graduação de Filosofia, observa com pessimismo a
rotina moderna de hiperconexão, que leva à dispersão e à falta de tempo para a
reflexão. Aponta para a superficialidade dos jovens superricos, que só sabem
comprar carros e barcos. E ataca o crescente poder das finanças.
Seu livro "Engagement and Metaphysical
Dissatisfaction" está em fase de tradução no Brasil (ainda sem prazo para
a edição) e há planos de versão para o seu clássico "The Significance of
Philosophical Scepticism".
Folha – Qual a sua visão do momento atual?
Barry Stroud – Sociedades divididas do ponto de
vista econômico estão se dirigindo para extremos. Os ricos estão ficando mais
ricos, e os pobres, mais pobres. É o que ocorre nos EUA e Europa. Nos últimos 20
anos o que mudou é o tremendo poder das finanças, que funcionam um pouco como
jogatina. O grande produtor de riquezas nesses países não é o real produtor de
bens. Há poucas razões para achar que isso não vai continuar, pois falta
regulamentação nos mercados.
Folha – Como esse quadro se reflete na
maneira como as pessoas pensam no mundo?
Stroud – Encoraja as pessoas que não têm muito a
tentar viver o tipo de vida que elas acham que aqueles que ganham muito
dinheiro têm. É focar em ganhar vantagem. Consumismo e individualismo. A
pressão para o avanço profissional e o sucesso é profunda, principalmente na
cultura americana. Sou professor em uma das melhores universidades. Ensino
filosofia, área que não significa ficar rico. Mesmo meus melhores alunos são
forçados a pensar neles como iniciantes de uma carreira profissional, em
detrimento do verdadeiro assunto de seu estudo.
Folha – Qual a influência da situação
econômica mundial no ceticismo, seu objeto de estudo?
Stroud – Na Grécia, havia os que pensavam que
existia uma única maneira de viver – dentro de uma forma muito racional e
organizada. Os céticos, porém, diziam que alcançavam uma vida diferente daquela
forma racional e ordeira. Que isso lhes dava uma certa paz e satisfação que não
era atingível em outra concepção de vida – que sempre estabelece que é preciso
viver assim ou assado.
Em certo sentido, o profissionalismo na atual
vida norte-americana é o oposto do ceticismo. Hoje o que vigora é o princípio
de que o que se deve fazer na vida é ganhar o máximo de dinheiro. Ficar rico,
ter uma família, uma casa grande, tudo junto.
Folha – Como se encaixa nesse pensamento
dominante a ideia do empreendedorismo?
Stroud – É o objetivo definitivo do norte-americano:
ser um empreendedor. Isso envolve risco e ousadia e é inatingível para a
maioria das pessoas. Bill Gates teve ideias brilhantes quando era estudante em
Harvard. Não se importou em concluir a faculdade; saiu para colocar suas ideias
em prática. Aí surge o pensamento de que não é preciso ter educação. Mas
quantas pessoas são com ele?
"Bill Gates teve ideias brilhantes quando era estudante. Não se importou em concluir a faculdade; saiu para colocar as ideias em prática. Aí surge o pensamento de que não é preciso ter educação. Mas quantas pessoas são como ele?"
Folha – Existe também a ideia de que o
indivíduo é o único responsável pelos seus fracassos, sem considerar a situação
social, econômica e política, certo?
Stroud – Exato. Essa é a mentalidade
norte-americana. É o que falam para as pessoas pobres, com baixa escolaridade, muitas
vezes negros e hispânicos. Que é responsabilidade delas.
Folha – O fato de as pessoas hoje estarem
sempre conectadas muda a forma de pensar?
Stroud – Drasticamente. A atenção das pessoas é
menor hoje, elas leem menos. Quase nenhum dos meus colegas lê livros em papel.
Suponho que muitos dos meus alunos nunca tenham segurado um livro. As pessoas leem
na tela. Outro dia um colega me disse que ninguém lê livros se pode pesquisar
no Google. É perturbador.
Folha – Em geral, há menos tempo para a
reflexão?
Stroud – Sim. As pessoas gastam tempo nenhum em
reflexão. Raramente se vê pessoas sozinhas andando sem estar com fones de
ouvido, telefones. Vejo isso da janela do meu escritório no campus. Conto
quantos estão sozinhos sem falar ao telefone. O número é muito pequeno.
Folha – O sr está otimista ou pessimista?
Stroud – Sou pessimista. As pessoas vivem melhor do
que há 50 anos. Os negros, apesar de ainda estarem pior do que os brancos,
vivem melhor. Mas, na vida contemporânea nos EUA, a maioria das pessoas tem
vidas menos ricas do que as que viviam confortavelmente há 50 anos. Suas vidas
são menos ricas – não economicamente.
As pessoas pensam em preencher suas vidas com
coisas, não têm interesses variados. Ler livros, ver pinturas, escutar música,
caminhar pela natureza – tudo isso trazia uma vida mais rica do que ficar em
frente à TV, falar ao celular, entrar em redes sociais. A amizade mudou. Hoje é
clicar no computador. Não é mais falar, olhar e fazer coisas junto.
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"A rotina moderna de hiperconexão leva à
dispersão e à falta de tempo para a reflexão", observa Barry Stroud com
pessimismo. Falta de tempo para a reflexão! Será que essa pode ser considerada uma das
causas do empobrecimento da vida? O que vocês acham?
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