quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

Pessoas estão mais ricas, mas vida hoje é mais pobre

Neste blog onde, na maioria das vezes, as postagens são "sugeridas" pela anterior ou têm a ver com o período em que são publicadas, buscando o que espalhar após o tradicional período de intensa troca de votos de próspero ano novo, encontrei, na edição de 9.12.2014 do jornal Folha de S.Paulo, uma reportagem-entrevista que, no meu entender, atende tais requisitos. A reportagem é de Eleonora de Lucena, o entrevistado é o filósofo canadense Barry Stroud e o título é o mesmo que o desta postagem.
Pessoas estão mais ricas, mas vida hoje é mais pobre
Para filósofo canadense, foco atual é o sucesso profissional, deixando de lado a reflexão e os interesses culturais
A vida virou uma carreira. As pessoas estão focadas o tempo todo no sucesso profissional. É preciso ganhar o máximo de dinheiro, ter família, casa grande – tudo junto. Consumismo, individualismo, carreirismo. A vida contemporânea, apesar dos avanços materiais, é mais pobre.
O diagnóstico é do filósofo canadense Barry Stroud, 79, professor da Universidade da Califórnia em Berkeley (EUA).
Autor de obras sobre David Hume (1711-1776) e Ludwig Wittgenstein (1889-1951), sua especialidade é o ceticismo como filosofia – basicamente o oposto do que ocorre com o pensamento dominante hoje nos Estados Unidos e mundo afora.
Leitor de romances policiais e adepto de caminhadas, Stroud, que esteve em Campos do Jordão para o 16º Congresso da Associação Nacional de Pós-Graduação de Filosofia, observa com pessimismo a rotina moderna de hiperconexão, que leva à dispersão e à falta de tempo para a reflexão. Aponta para a superficialidade dos jovens superricos, que só sabem comprar carros e barcos. E ataca o crescente poder das finanças.
Seu livro "Engagement and Metaphysical Dissatisfaction" está em fase de tradução no Brasil (ainda sem prazo para a edição) e há planos de versão para o seu clássico "The Significance of Philosophical Scepticism". 
Folha – Qual a sua visão do momento atual?
Barry Stroud – Sociedades divididas do ponto de vista econômico estão se dirigindo para extremos. Os ricos estão ficando mais ricos, e os pobres, mais pobres. É o que ocorre nos EUA e Europa. Nos últimos 20 anos o que mudou é o tremendo poder das finanças, que funcionam um pouco como jogatina. O grande produtor de riquezas nesses países não é o real produtor de bens. Há poucas razões para achar que isso não vai continuar, pois falta regulamentação nos mercados.
Folha – Como esse quadro se reflete na maneira como as pessoas pensam no mundo?
Stroud – Encoraja as pessoas que não têm muito a tentar viver o tipo de vida que elas acham que aqueles que ganham muito dinheiro têm. É focar em ganhar vantagem. Consumismo e individualismo. A pressão para o avanço profissional e o sucesso é profunda, principalmente na cultura americana. Sou professor em uma das melhores universidades. Ensino filosofia, área que não significa ficar rico. Mesmo meus melhores alunos são forçados a pensar neles como iniciantes de uma carreira profissional, em detrimento do verdadeiro assunto de seu estudo.
Folha – Qual a influência da situação econômica mundial no ceticismo, seu objeto de estudo?
Stroud – Na Grécia, havia os que pensavam que existia uma única maneira de viver – dentro de uma forma muito racional e organizada. Os céticos, porém, diziam que alcançavam uma vida diferente daquela forma racional e ordeira. Que isso lhes dava uma certa paz e satisfação que não era atingível em outra concepção de vida – que sempre estabelece que é preciso viver assim ou assado.
Em certo sentido, o profissionalismo na atual vida norte-americana é o oposto do ceticismo. Hoje o que vigora é o princípio de que o que se deve fazer na vida é ganhar o máximo de dinheiro. Ficar rico, ter uma família, uma casa grande, tudo junto.
Folha – Como se encaixa nesse pensamento dominante a ideia do empreendedorismo?
Stroud – É o objetivo definitivo do norte-americano: ser um empreendedor. Isso envolve risco e ousadia e é inatingível para a maioria das pessoas. Bill Gates teve ideias brilhantes quando era estudante em Harvard. Não se importou em concluir a faculdade; saiu para colocar suas ideias em prática. Aí surge o pensamento de que não é preciso ter educação. Mas quantas pessoas são com ele?
"Bill Gates teve ideias brilhantes quando era estudante. Não se importou em concluir a faculdade; saiu para colocar as ideias em prática. Aí surge o pensamento de que não é preciso ter educação. Mas quantas pessoas são como ele?"
Folha – Existe também a ideia de que o indivíduo é o único responsável pelos seus fracassos, sem considerar a situação social, econômica e política, certo?
Stroud – Exato. Essa é a mentalidade norte-americana. É o que falam para as pessoas pobres, com baixa escolaridade, muitas vezes negros e hispânicos. Que é responsabilidade delas.
Folha – O fato de as pessoas hoje estarem sempre conectadas muda a forma de pensar?
Stroud – Drasticamente. A atenção das pessoas é menor hoje, elas leem menos. Quase nenhum dos meus colegas lê livros em papel. Suponho que muitos dos meus alunos nunca tenham segurado um livro. As pessoas leem na tela. Outro dia um colega me disse que ninguém lê livros se pode pesquisar no Google. É perturbador.
Folha – Em geral, há menos tempo para a reflexão?
Stroud – Sim. As pessoas gastam tempo nenhum em reflexão. Raramente se vê pessoas sozinhas andando sem estar com fones de ouvido, telefones. Vejo isso da janela do meu escritório no campus. Conto quantos estão sozinhos sem falar ao telefone. O número é muito pequeno.
Folha – O sr está otimista ou pessimista?
Stroud – Sou pessimista. As pessoas vivem melhor do que há 50 anos. Os negros, apesar de ainda estarem pior do que os brancos, vivem melhor. Mas, na vida contemporânea nos EUA, a maioria das pessoas tem vidas menos ricas do que as que viviam confortavelmente há 50 anos. Suas vidas são menos ricas – não economicamente.
As pessoas pensam em preencher suas vidas com coisas, não têm interesses variados. Ler livros, ver pinturas, escutar música, caminhar pela natureza – tudo isso trazia uma vida mais rica do que ficar em frente à TV, falar ao celular, entrar em redes sociais. A amizade mudou. Hoje é clicar no computador. Não é mais falar, olhar e fazer coisas junto.
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"A rotina moderna de hiperconexão leva à dispersão e à falta de tempo para a reflexão", observa Barry Stroud com pessimismo. Falta de tempo para a reflexão! Será que essa pode ser considerada uma das causas do empobrecimento da vida? O que vocês acham?

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