Aqueles que, embora estejam vivendo em plena era da afobação, ainda
conseguem preservar o hábito de ler com atenção, podem estar imaginando haver no
título desta postagem um erro de digitação. Afinal, alguém sabe o significado
de precrastinador?! Sim, alguém sabe. Quem? Os alunos da Universidade Estadual
da Pensilvânia, nos Estados Unidos, e aqueles que leram uma reportagem homônima
desta postagem, publicada na edição de 24.08.2014 do jornal Folha de S.Paulo e apresentada abaixo.
Reportagem cuja leitura possibilita não apenas conhecer o significado de
precrastinador, mas também usá-lo para identificar se estamos vivendo como
precrastinadores e avaliar se vale a pena continuar vivendo dessa forma.
Vida de Precrastinador
Precrastinadores, que resolvem qualquer pendência na hora, são bem vistos no mercado, mas especialistas alertam que hábito pode causar perda de qualidade, falhas de priorização e estresse na equipe
E-mails respondidos, documentos entregues, proposta enviada, relatórios
preenchidos. Esse poderia ser um exemplo da rotina de profissionais
precrastinadores. Quem criou o termo, em oposição aos procrastinadores, foram
pesquisadores da Universidade Estadual da Pensilvânia, nos Estados Unidos. Eles
publicaram um estudo sobre o tema na edição de julho da revista científica
"Psychological Science". O comportamento pode parecer um sinal de
comprometimento e eficiência, mas especialistas defendem que ser um
precrastinador também tem suas desvantagens. A ideia é que sempre tentar se
livrar a qualquer custo e o quanto antes dos trabalhos que se apresentam, mesmo
que isso exija sacrifícios exagerados, pode ser um mau negócio.
Segundo os especialistas, a necessidade de resolver de uma vez as
pendências pode levar à falta de priorização - algumas coisas devem ser
deixadas para depois simplesmente porque são menos importantes -, à perda de
qualidade e ao aumento do estresse da equipe. O excesso de velocidade pode
ainda sacrificar a reflexão, por não dar tempo para o amadurecimento das ideias
e para a reflexão crítica sobre qual o melhor processo a ser adotado para
resolver determinado problema.
Entre os pontos positivos do comportamento, destaca-se a possibilidade de
ter tempo para revisar e até refazer um trabalho - quem entrega tudo em cima do
deadline não tem segunda chance. Além disso, como lembra Lucas Torres Silva,
26, dono da agência de marketing digital Midiaver.com, que se considera um
precrastinador, entregar trabalhos com antecedência causa uma ótima impressão
em chefes e especialmente em clientes. Ele conta que abriu sua agência com
apenas 21 anos. Isso fez com que tivesse uma especial necessidade de passar
confiança para os clientes, e adiantar trabalhos foi a solução encontrada. Há
ainda uma sensação de alívio que o leva a precrastinar, conta Lucas. "Eu
penso que, se eu resolver logo, não vou ter mais tarefa."
CORPORAÇÕES
Perfil parecido tem
Leonardo Araújo, 29, que é analista de operações de TI da Mandic, empresa de
tecnologia especializada em computação em nuvem, e trabalha diretamente com os
clientes. Ele é conhecido na empresa por se antecipar aos prazos e por sempre
responder os e-mails imediatamente. Se o trabalho é para segunda-feira, o
analista prefere ficar até mais tarde e terminar tudo na sexta-feira a
finalizar na semana seguinte quando inicia o expediente. "Senão, eu vou
passar o fim de semana querendo resolver."
Embora a precrastinação também possa ocorrer
fora do ambiente de trabalho - uma pessoa que paga todas as contas bem antes de
elas vencerem, por exemplo -, é nas empresas que há mais incentivo para esse
comportamento, afirma o professor da Fundação Getúlio Vargas e da Unicamp,
Roberto Heloani. Segundo ele, que trabalha na interface da psicologia com a
gestão de pessoas, a realidade corporativa contemporânea valoriza profissionais
com esse perfil. "Como permanece uma
lógica de cobrança constante, há pressão para diminuir os prazos de entrega. O
profissional só consegue relaxar e muitas vezes curtir um fim de semana se a
tarefa já tiver sido despachada", avalia.
Para a gerente de comunicação e marketing da consultoria de recrutamento
de altos executivos Hays, Mariana Schwarz, também é natural que os
profissionais adotem esse tipo de comportamento. "Em qualquer jornal que
você lê, fala-se em produtividade. É a palavra do momento no mundo
corporativo", diz. A própria Schwarz afirma se identificar com o perfil
precrastinador.
Hábito pode sobrecarregar o profissional
Os pesquisadores da
Universidade Estadual da Pensilvânia cunharam o termo precrastinação depois de
se surpreenderem com o resultado de um experimento. Eles pediram a vários
estudantes que entregassem um balde carregado a um pesquisador que aguardava a
alguns metros de distância. Eles podiam tanto pegar um balde que estava do seu
lado quanto um que estava mais adiante, perto do destino final. Os
pesquisadores imaginavam que as cobaias escolheriam os baldes mais próximos ao
pesquisador – porque, obviamente, teriam de carregá-los por menos tempo. Para
sua surpresa, porém, a maior parte dos alunos pegou o primeiro balde,
realizando a tarefa da maneira que exigia mais esforço.
A equipe de David
Rosenbaum, do departamento de psicologia, chegou a achar que os alunos não
tinham entendido direito as instruções. Eles repetiram então o experimento oito
vezes, ressaltando que os estudantes poderiam entregar qualquer um dos baldes.
Em um dos experimentos, chegaram a carregar os baldes com moedas, deixando-os
bastante pesados, na expectativa de que os alunos se tocariam de que estavam
gastando energia à toa. A maior parte dos alunos continuou, porém, escolhendo o
balde mais distante.
A hipótese que os
pesquisadores escolheram para explicar o resultado é que as pessoas ao pensarem
algo como "bom, vamos resolver
isso de uma vez", são capazes de trabalhar mais que o necessário para
realizar uma determinada tarefa. Rosenbaum aponta para a natureza humana para
justificar tal comportamento. As pessoas tendem a ficar aliviadas quando
esvaziam a sua "memória de trabalho", uma lista de pendências a
resolver que ocupa os nossos cérebros. No limite, uma implicação das
descobertas dos psicólogos é que as pessoas podem sacrificar seu próprio
bem-estar para ter a sensação de estar livre de pendências.
Silva e Araújo não consideram que sua tendência a precrastinar seja
prejudicial nem se sentem de alguma forma sobrecarregados. O professor Heloani,
da FGV, pondera, porém, que a ansiedade dos precrastinadores pode deixá-los
mais suscetíveis a doenças.
A gerente da Hays,
Mariana Schwarz concorda. Apesar de destacar que o precrastinador costuma ser
bem avaliado pelo gestor, ela afirma que esse hábito, em casos extremos, pode
ser prejudicial para a saúde e para o resultado final do trabalho. Tanto o
profissional quanto sua equipe podem acabar estressados.
O próprio professor
Rosenbaum se disse preocupado com as implicações da precrastinação na vida das
pessoas. Segundo ele, em situações como a do balde, ela leva à irracionalidade.
"Mas eu estou aqui respondendo
suas perguntas imediatamente", brincou, ao ser questionado sobre o tema
pela Folha por e-mail.
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