segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Reflexões provocadas por "Vida de Precrastinador"

Em uma postagem intitulada Reflexões provocadas por "A tecnologia está nos transformando em animais", publicada em 15.02.2013, defendi a prática da procrastinação responsável. Sendo assim, ao ler, na edição de 24.08.2014 do jornal Folha de S.Paulo, uma reportagem intitulada Vida de Precrastinador a vontade de redigir uma postagem atacando a prática da precrastinação foi algo inevitável. Afinal, para quem no desktop que usava na estação de trabalho da empresa em que trabalhava tinha um "imã de geladeira" contendo a frase "Não deixe para amanhã o que pode fazer depois de amanhã", a prática para a qual os pesquisadores da Universidade Estadual da Pensilvânia criaram o termo precrastinação é algo deplorável.
"O comportamento pode parecer um sinal de comprometimento e eficiência, mas especialistas defendem que ser um precrastinador também tem suas desvantagens. A ideia é que sempre tentar se livrar a qualquer custo e o quanto antes dos trabalhos que se apresentam, pode ser um mau negócio. A necessidade de resolver de uma vez as pendências pode levar à falta de priorização, à perda de qualidade e ao aumento do estresse da equipe. O excesso de velocidade pode ainda sacrificar a reflexão, por não dar tempo para o amadurecimento das ideias e para a reflexão crítica sobre qual o melhor processo a ser adotado para resolver determinado problema."
"Os pesquisadores da Universidade Estadual da Pensilvânia pediram a vários estudantes que entregassem um balde carregado a um pesquisador que aguardava a alguns metros de distância. Eles podiam tanto pegar um balde que estava do seu lado quanto um que estava mais adiante, perto do destino final. Eles imaginavam que as cobaias escolheriam os baldes mais próximos ao pesquisador – porque, obviamente, teriam de carregá-los por menos tempo. Para sua surpresa, porém, a maior parte dos alunos pegou o primeiro balde, realizando a tarefa da maneira que exigia mais esforço. Achando que os alunos não tinham entendido direito as instruções, eles repetiram então o experimento oito vezes, ressaltando que os estudantes poderiam entregar qualquer um dos baldes. Em uma das vezes, chegaram a carregar os baldes com moedas, deixando-os bastante pesados, na expectativa de que os alunos se tocariam de que estavam gastando energia à toa. A maior parte dos alunos continuou, porém, escolhendo o balde mais distante."
Os dois parágrafos acima foram extraídos da reportagem. Entre um e outro, a reportagem apresenta depoimentos de dois profissionais que defendem a precrastinação. Com base no que neles é dito, e no que foi por mim constatado durante a minha longa trajetória profissional, não vejo motivo algum para defender essa coisa denominada precrastinação.
"Não dar tempo para o amadurecimento das ideias e para a reflexão crítica sobre qual o melhor processo a ser adotado para resolver determinado problema." Eis uma das desvantagens da precrastinação apontadas pelos pesquisadores da Universidade citada na reportagem. Uma desvantagem que aqueles que atuam, ou que tenham atuado, nessa coisa denominada teatro corporativo jamais poderão alegar nunca ter visto. É impressionante a quantidade de erros cometidos pela prática da precrastinação.
Impressionante e preocupante, pois, não apenas segundo Roberto Heloani (professor da Fundação Getúlio Vargas e da Unicamp), mas também segundo qualquer profissional atento ao que ocorre ao seu redor, "a realidade corporativa contemporânea valoriza profissionais com perfil precrastinador". E aqui, após algum tempo sem citar aquela famosa afirmação de Einstein, eu não consigo resistir à tentação de voltar a citá-la: "Existem apenas duas coisas infinitas - o Universo e a estupidez humana. E não tenho tanta certeza quanto ao Universo."
Estupidez que impede até de ver que coisas que na reportagem são citadas como vantagens da precrastinação, olhados de outro ponto de vista, não passam de verdadeiros equívocos. Querem um exemplo? "Entre os pontos positivos do comportamento, destaca-se a possibilidade de ter tempo para revisar e até refazer um trabalho - quem entrega tudo em cima do deadline não tem segunda chance.", diz Lucas Torres Silva, 26, dono da agência de marketing digital Midiaver.com, que se considera um precrastinador.
Será que trabalhar de forma consciente para realizar uma determinada tarefa, em vez de fazê-lo de forma afobada para livrar-se dela o mais rapidamente possível, aumenta a probabilidade de não haver necessidade de refazer um trabalho? No meu entender, sim, e no de vocês? Será que a necessidade de refazer um trabalho é, na maioria das vezes, consequência da afobação com que se realiza uma determinada tarefa? Afobação decorrente da precrastinação. O que vocês acham? A maior praga que assola o mundo corporativo é essa coisa denominada retrabalho; uma das causas do retrabalho é a afobação; uma das causas da afobação é a precrastinação.
"Eu penso que, se eu resolver logo, não vou ter mais tarefa.", acrescenta Lucas Silva. Será que "pensar que, se eu resolver logo", "sem amadurecimento das ideias e reflexão crítica sobre qual o melhor processo a ser adotado para resolver determinado problema", "merece" ser incluído entre as causas mais prováveis da necessidade de refazer um trabalho e, consequentemente, de ter mais tarefas? Que tal pensar sobre isso?
E para encerrar estas reflexões segue um episódio que presenciei já no final da minha carreira profissional. Durante uma reunião com os profissionais alocados no setor onde eu trabalhava, ouvi de um deles a seguinte "pérola": 'O problema ainda não estava entendido, mas como, pelo cronograma, já deveríamos estar desenvolvendo a solução, partimos para a solução.
Será que os pesquisadores da Universidade Estadual da Pensilvânia classificariam a atitude daquele profissional como precrastinação? Será que aquela atitude pode ser considerada o primeiro passo para essa praga denominada retrabalho? Será que o que foi dito nesta postagem ajuda a lidar melhor com essa coisa a qual os pesquisadores da Universidade Estadual da Pensilvânia denominaram precrastinação? Ou, como indaga aquela linda canção da Legião Urbana, será que é tudo isso em vão? Canção da qual cito uma frase que tem tudo a ver com a prática da precrastinação: "Nos perderemos entre monstros da nossa própria criação."

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