Em uma postagem intitulada Reflexões provocadas por "A tecnologia está nos transformando em animais", publicada em 15.02.2013, defendi a prática da
procrastinação responsável. Sendo
assim, ao ler, na edição de 24.08.2014 do jornal Folha de S.Paulo, uma reportagem intitulada Vida de Precrastinador a vontade de redigir uma postagem atacando a
prática da precrastinação foi algo inevitável. Afinal, para quem no
desktop que usava na estação de trabalho da empresa em que trabalhava tinha um
"imã de geladeira" contendo a frase "Não deixe para amanhã o que
pode fazer depois de amanhã", a
prática para a qual os pesquisadores da
Universidade Estadual da Pensilvânia criaram o termo precrastinação é
algo deplorável.
"O comportamento pode parecer um sinal de comprometimento e eficiência, mas especialistas defendem que ser um precrastinador também tem suas desvantagens. A ideia é que sempre tentar se livrar a qualquer custo e o quanto antes dos trabalhos que se apresentam, pode ser um mau negócio. A necessidade de resolver de uma vez as pendências pode levar à falta de priorização, à perda de qualidade e ao aumento do estresse da equipe. O excesso de velocidade pode ainda sacrificar a reflexão, por não dar tempo para o amadurecimento das ideias e para a reflexão crítica sobre qual o melhor processo a ser adotado para resolver determinado problema."
"Os pesquisadores da Universidade Estadual da Pensilvânia pediram a vários estudantes que entregassem um balde carregado a um pesquisador que aguardava a alguns metros de distância. Eles podiam tanto pegar um balde que estava do seu lado quanto um que estava mais adiante, perto do destino final. Eles imaginavam que as cobaias escolheriam os baldes mais próximos ao pesquisador – porque, obviamente, teriam de carregá-los por menos tempo. Para sua surpresa, porém, a maior parte dos alunos pegou o primeiro balde, realizando a tarefa da maneira que exigia mais esforço. Achando que os alunos não tinham entendido direito as instruções, eles repetiram então o experimento oito vezes, ressaltando que os estudantes poderiam entregar qualquer um dos baldes. Em uma das vezes, chegaram a carregar os baldes com moedas, deixando-os bastante pesados, na expectativa de que os alunos se tocariam de que estavam gastando energia à toa. A maior parte dos alunos continuou, porém, escolhendo o balde mais distante."
Os dois parágrafos
acima foram extraídos da reportagem. Entre um e outro, a reportagem apresenta
depoimentos de dois profissionais que defendem a precrastinação. Com base no
que neles é dito, e no que foi por mim constatado durante a minha longa trajetória
profissional, não vejo motivo algum para defender essa coisa denominada precrastinação.
"Não dar tempo para o amadurecimento das
ideias e para a reflexão crítica sobre qual o melhor processo a ser adotado
para resolver determinado problema." Eis uma das desvantagens da
precrastinação apontadas pelos pesquisadores da Universidade citada na
reportagem. Uma desvantagem que aqueles que atuam, ou que tenham atuado, nessa
coisa denominada teatro corporativo jamais poderão alegar nunca ter visto. É
impressionante a quantidade de erros cometidos pela prática da precrastinação.
Impressionante e
preocupante, pois, não apenas segundo Roberto Heloani (professor da Fundação
Getúlio Vargas e da Unicamp), mas também segundo qualquer profissional atento
ao que ocorre ao seu redor, "a realidade corporativa contemporânea
valoriza profissionais com perfil precrastinador". E aqui, após algum
tempo sem citar aquela famosa afirmação de Einstein, eu não consigo resistir à
tentação de voltar a citá-la: "Existem apenas duas coisas infinitas - o
Universo e a estupidez humana. E não tenho tanta certeza quanto ao
Universo."
Estupidez que impede até
de ver que coisas que na reportagem são citadas como vantagens da
precrastinação, olhados de outro ponto de vista, não passam de verdadeiros equívocos.
Querem um exemplo? "Entre os
pontos positivos do comportamento, destaca-se a possibilidade de ter tempo para
revisar e até refazer um trabalho - quem entrega tudo em cima do deadline não
tem segunda chance.", diz
Lucas Torres Silva, 26, dono da agência de marketing digital Midiaver.com, que
se considera um precrastinador.
Será que trabalhar de
forma consciente para realizar uma determinada tarefa, em vez de fazê-lo de
forma afobada para livrar-se dela o mais rapidamente possível, aumenta a
probabilidade de não haver necessidade de refazer um trabalho? No meu entender,
sim, e no de vocês? Será que a necessidade de refazer um trabalho é, na maioria
das vezes, consequência da afobação com que se realiza uma determinada tarefa?
Afobação decorrente da precrastinação. O que vocês acham? A maior praga que
assola o mundo corporativo é essa coisa denominada retrabalho; uma das causas
do retrabalho é a afobação; uma das causas da afobação é a precrastinação.
"Eu penso que, se eu resolver logo, não vou ter mais tarefa.", acrescenta
Lucas Silva. Será que "pensar que, se eu resolver logo", "sem
amadurecimento das ideias e reflexão crítica sobre qual o melhor processo a ser
adotado para resolver determinado problema", "merece" ser incluído
entre as causas mais prováveis da necessidade de refazer um trabalho e, consequentemente,
de ter mais tarefas? Que tal pensar sobre isso?
E para encerrar estas
reflexões segue um episódio que presenciei já no final da minha carreira
profissional. Durante uma
reunião com os profissionais alocados no setor onde eu trabalhava, ouvi de um
deles a seguinte "pérola": 'O problema ainda não
estava entendido, mas como, pelo cronograma, já deveríamos estar desenvolvendo
a solução, partimos para a solução.
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