quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Reflexões provocadas por "O homem não aceita mais ficar triste"

"Felicidade, para mim, é estar bem consigo mesmo e com o outro. Estar bem consigo mesmo é aceitar limitações, sofrimento, incompetências, fracassos. Ou seja, felicidade também é ficar triste de vez em quando."
Foi com as três frases acima que o médico Miguel Chalub encerrou a entrevista espalhada pelas duas postagens anteriores e é com elas que inicio estas reflexões provocadas pela entrevista. Frases cuja segunda delas recebeu da Maria Cristina (uma ex-colega de trabalho e eterna amiga) um acréscimo bastante interessante: "Estar bem consigo mesmo é aceitar limitações, sofrimento, incompetências, fracassos, meus e dos outros".
Ou seja, segundo Miguel Chalub, felicidade é ir de encontro ao que é afirmado no título da entrevista (O homem não aceita mais ficar triste); é aceitar que ficar triste de vez em quando é algo que deve ser encarado como normal, e não como uma patologia para a qual seja necessária medicalização. O título da entrevista fala em "não aceitar" e a penúltima frase de Chalub fala em "aceitar". Sendo assim, é seguindo a linha de raciocínio de "aceitar" e de "não aceitar" que eu prossigo com estas reflexões. E com a intenção de facilitar o entendimento, dentre os vários significados existentes para "aceitar", selecionei três para serem usados nesta postagem: conformar-se com, admitir e chamar a si.
E ao ler que o homem não aceita mais ficar triste eu recorro ao primeiro deles: conformar-se com. Interpretando o não aceitar como não conformar-se com, o título da entrevista pode sugerir uma crítica ao comportamento do homem, pois não conformar-se costuma ser visto como algo negativo, o que, no meu entender é mais um equívoco. Quais são os outros? As escolhas e os comportamentos que originaram os momentos de tristeza com os quais o homem não se conforma, pois a grande maioria de tais momentos resulta da forma equivocada com que o homem lida com a vida.
Não, não conformar-se com não é algo negativo e, muito pelo contrário, pode ser algo extremamente positivo, dependendo do que for feito a partir do inconformismo. E sendo assim, eu recorro ao segundo significado selecionado para "aceitar": admitir.
"Felicidade, para mim, é estar bem consigo mesmo e com o outro. Estar bem consigo mesmo é aceitar limitações, sofrimento, incompetências, fracassos.", diz Miguel Chalub em sua última resposta dada na entrevista. Interpretando o aceitar como admitir, a resposta de Chalub pode ser vista como um elogio a um comportamento positivo do homem, pois nesta civilização onde admitir erros é algo que não faz parte das práticas da maioria de seus integrantes, são poucos os que conseguem ter tal atitude. Mas será que tal admissão configura, realmente, um comportamento positivo?
Não, admitir equívocos não é por si só algo positivo e, muito pelo contrário, pode até ser algo negativo, dependendo do que for feito, e, principalmente, do que não for feito, a partir da admissão. E sendo assim, eu recorro ao terceiro significado selecionado para "aceitar": chamar a si. E neste ponto, eu creio ter chegado ao principal fator dentre os que contribuem para a eternização dos momentos de tristeza vivenciados pelo homem. No meu entender, é o não chamar a si a responsabilidade para abrandar os males que o afligem (preferindo deixá-la nas mãos de outros) que eterniza tais problemas. De outros que vivem justamente da existência de tais problemas.
A entrevista que provocou esta postagem é muito intrigante, pois coisas que nela podem ser vistas como negativas, dependendo do que seja feito, ou deixado de fazer, após elas terem ocorrido, podem ter sua avaliação invertida e consideradas positivas, e vice-versa. Coisas que me fazem lembrar a postagem Desastre pode ser uma benção.
Coisas com as quais o homem demonstra ainda não ter aprendido a lidar com essa coisa chamada vida. E que por não ter ainda aprendido o leva a agir de forma análoga a daquele indivíduo que perde suas chaves em uma rua e as procura em uma rua próxima, porque, ele explica, "Lá é mais claro". É a partir dessa analogia que eu interpreto o que Miguel Chalub denomina "medicalização da tristeza" e que Mirian Goldenberg (antropóloga, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro e autora de quase duas dezenas de livros), de forma mais abrangente, denomina "medicalização dos sentimentos". Sim, procurar na "medicalização dos sentimentos" a solução para a tristeza é a mesma coisa que procurar em uma rua as chaves que foram perdidas em outra. Procura que, obviamente, produzirá o mesmo resultado.
Não, o problema do homem não está em não conformar-se com os momentos de tristeza, e sim no que ele faz a partir desse inconformismo. Está em não admitir que tais momentos são oriundos de suas escolhas e comportamentos equivocados.
Não, a solução dos problemas do homem não está na simples aceitação de suas limitações e incompetências. Está em chamar a si a responsabilidade de reduzir gradativamente tais limitações e incompetências. Está em chamar a si a responsabilidade de resolver seus problemas, em vez de delegá-la aos laboratórios farmacêuticos. Laboratórios cujo lucro depende exatamente da não solução de tais problemas.
"Felicidade, para mim, é estar bem consigo mesmo e com o outro. Estar bem consigo mesmo é aceitar limitações, sofrimento, incompetências, fracassos, meus e dos outros. Ou seja, felicidade também é ficar triste de vez em quando".
Felicidade é aceitar limitações, sofrimento, incompetências, fracassos, meus e dos outros. Aceitar no sentido de não conformar-se com sua eternização. Aceitar no sentido de admitir suas limitações e incompetências. Aceitar no sentido de chamar a si a responsabilidade de empenhar-se na redução gradativa de tais limitações e incompetências, pois a quantidade e a intensidade de nossos momentos de tristeza é diretamente proporcional à quantidade e a intensidade delas. Ou seja, felicidade também é ficar triste de vez em quando. E também é esforçar-se para aumentar cada vez mais o intervalo entre os "de vez em quando".
Felicidade talvez seja (neste mundo a cada dia mais conturbado) conseguir o que se pede em uma prece, atribuída a Reinhold Niebuhr, intitulada Prece da Serenidade que diz algo mais ou menos assim: "Dê-me Senhor... Serenidade para aceitar o que não pode ser mudado / Coragem para mudar o que deve ser mudado / Sabedoria para distinguir uma coisa da outra". E haja coragem e sabedoria!

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