Continuação de sexta-feira
IstoÉ – Os laboratórios bombardeiam os médicos
a ponto de influenciar o comportamento deles?
Chalub – Se for um médico com boa formação em
psiquiatria, mesmo que não seja psiquiatra, ele saberá rejeitar isso, mas
outros não conseguem. Eles se baseiam nos folhetos do laboratório. Não é por
má-fé. Os laboratórios proporcionam muitas coisas. Pagam passagens, almoços,
dão brindes. O médico, sem perceber, começa a fazer o jogo. Porque me pagaram
uma passagem aérea ou me deram um laptop, acabo receitando o que eles estão
querendo.
IstoÉ – O médico se vende?
Chalub – Sim. Por isso é que há uma resolução da
Agência Nacional de Vigilância Sanitária proibindo os laboratórios de dar
brindes aos médicos. Nenhum laboratório suborna médico, não que eu saiba, nem
vai chegar aqui e dizer: "Se você receitar meu remédio, vou lhe dar uma
mensalidade." Mas eles fazem esse tipo de coisa, que é subliminar. O
médico acaba tão envolvido quanto se estivesse recebendo um suborno realmente.
IstoÉ – Esse lobby é capaz de fazer um médico
receitar certo remédio?
Chalub – Aí é a demanda e a lei do menor esforço. Se
o paciente chegar se queixando de insônia, por exemplo, o que o médico deveria
fazer era ensiná-lo como dormir. Ou seja, aconselhar a tomar um banho morno, um
copo de leite morno, por exemplo. Mas é mais fácil, tanto para o paciente
quanto para o médico, receitar um remédio para dormir.
IstoÉ – Os demais especialistas também
receitam remédios psiquiátricos, não?
Chalub – Quem mais receita antidepressivos não são
os psiquiatras, são os demais especialistas. Os psiquiatras têm uma formação
para perceber que primeiro é preciso ajudar a pessoa a entender o que está se
passando com ela e depois, se for uma depressão mesmo, medicar. Agora, os
outros, não querem ouvir. O paciente diz: "Estou triste." O médico responde:
"Pois não", e receita o remédio. Brinco dizendo o seguinte: se você
for a um clínico, relate só o problema clínico. Dor aqui, dor ali. Não fale que
está chateado, senão vai sair com um antidepressivo. É algo que precisamos
denunciar.
IstoÉ - Os psiquiatras deveriam ser os únicos
autorizados a receitar esse tipo de medicamento?
Chalub - Não acho que seja motivo para isso. Os
outros especialistas têm capacidade de receitar, desde que não entrem nessa
falácia, nesse engodo.
IstoÉ - Mas os demais especialistas estão
capacitados para receitar essas drogas?
Chalub - Em geral, não.
IstoÉ - É comum o paciente chegar ao
consultório com um "diagnóstico" pronto?
Chalub – É muito comum. Uma vez chegou um paciente
aqui que se apresentou assim: "João da Silva, bipolar." Isso é uma
apresentação que se faça? Quase respondi: "Miguel Chalub, unipolar."
É uma distorção muito séria.
IstoÉ – O acesso à informação, nesse sentido,
tem um lado ruim?
Chalub – A internet é uma faca de dois gumes. É bom
que a pessoa se informe. A época em que o médico era o senhor absoluto acabou.
Mas a informação via Google ainda é precária. Muitas vezes, a depressão, por exemplo, é
ansiedade. Mas as pessoas não querem conviver com a ansiedade, que é uma coisa
desagradável, mas que também faz parte da nossa humanidade. Tenho uma paciente
que disse: "Ando com um ansiolítico na bolsa. Saí de casa, me aborreci,
coloco ele pra dentro." Então é isso? Se alguém me fala algo desagradável,
eu tomo um ansiolítico? Isso é uma verdadeira amortização das coisas.
IstoÉ – O que causa a depressão?
Chalub – Esse é um dos grandes mistérios da
medicina. A gente não sabe por que as pessoas ficam deprimidas. O mecanismo é
conhecido, está ligado a uma substância chamada serotonina, mas o que o
desencadeia, não sabemos. Há teorias, ligadas à infância, a perdas muito
precoces, verdadeiras ou até imaginárias - como a criança que fica aterrorizada
achando que vai perder os pais. As raízes da depressão estão na infância. Os
acontecimentos atuais não levam à depressão verdadeira, só muito raramente.
Justamente o contrário do que se imagina. Mas mexer na infância é muito
doloroso. Não tem remédio para isso. Precisa de terapia, de análise, mas as
pessoas não querem fazer, não querem mexer nas feridas. Então é melhor colocar
um esparadrapo, para não ficar doendo, e pronto. É a solução mais fácil.
IstoÉ - O antidepressivo é sempre necessário
contra a depressão?
Chalub – Quando é depressão mesmo, tem que ter
remédio.
IstoÉ – Há quem diga que hoje a moda é ter
um psiquiatra, não um analista. O que o sr. acha disso?
Chalub – As pessoas estão desamparadas. Desamparo é
uma condição humana, mas temos que enfrentá-lo, assim como o fracasso, a
solidão, o isolamento. Não buscar psiquiatras e remédios. Em algum momento,
isso pode ficar tão sério, tão agudo, que a pessoa pode precisar de uma ajuda,
mas para que a ensinem a enfrentar a situação. Ensina-me a viver, como no
filme. Não é me dar pílulas, para eu ficar amortecido.
IstoÉ – O que é felicidade para o sr.?
Chalub – A OMS tem uma definição de saúde muito
curiosa: a saúde é um completo estado de bem-estar físico, mental e social.
Essa é a definição de felicidade, não de saúde. Felicidade, para mim, é estar
bem consigo mesmo e com o outro. Estar bem consigo mesmo é aceitar limitações,
sofrimento, incompetências, fracassos. Ou seja, felicidade também é ficar
triste de vez em quando.
*************
"Felicidade, para mim, é estar bem
consigo mesmo e com o outro. Estar bem consigo mesmo é aceitar limitações,
sofrimento, incompetências, fracassos. Ou seja, felicidade também é ficar triste de vez em quando.", diz
Miguel Chulab (os grifos são meus). Pode-se até discordar, mas, no meu
entender, tanto a opinião sobre o que seja felicidade quanto às demais emitidas por Chalub provocam muitas reflexões.
Nenhum comentário:
Postar um comentário