segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Vale a pena viver?

Após uma série de postagens provocadas por solicitações e sugestões de alguns ex-colegas de trabalho e eternos amigos, segue uma sugerida por duas recentes ocorrências. A primeira delas foi a leitura de uma postagem homônima publicada, em 21.07.2014, no blog idiossincrasiabyselmo.blogspot.com.br. A segunda foi a trágica resposta dada pelo ator Robin Williams à questão proposta no título, no dia 11 do mês passado. Questão que associo a uma afirmação de Albert Camus (1913 – 1960), escritor, romancista, ensaísta, dramaturgo e filósofo francês nascido na Argélia, que diz que "há um só problema verdadeiramente sério e é... estabelecer se vale ou não a pena viver...". Afirmação que suscita outra questão: é possível estabelecer se vale ou não fazer determinada coisa sem saber o que seja essa coisa? É possível estabelecer se vale ou não a pena viver sem saber o que seja a vida?
Outra questão, outra associação, outra afirmação. Em uma reportagem sobre Vaclav Havel (1936 – 2011), ex-presidente da República Tcheca e premiado dramaturgo que destacou-se nos anos 1980 e 1990 pela luta contra o regime comunista patrocinado por Moscou na antiga Checoslováquia, publicada na edição de 19.12.2011 (dia seguinte ao de sua morte) do jornal O Estado de S. Paulo, é atribuída a ele a seguinte a afirmação: "A tragédia do homem moderno não é que ele saiba menos sobre o significado de sua vida, mas o fato de ele não incomodar-se com isso."
Não incomodar-se com o fato de não saber qual seja o significado da vida! Eis a tragédia do homem moderno, segundo a afirmação de Havel. Afirmação que, pelo método das associações sucessivas, leva-me de Vaclav Havel a Blaise Pascal (1623 – 1662), físico, matemático, filósofo e teólogo francês. Vejam o que diz ele:
"A imortalidade da alma é uma coisa de tal importância, interessa-nos tão profundamente, que é preciso ter perdido toda a sensibilidade para ser-se indiferente ao seu conhecimento.
O nosso primeiro interesse e o nosso primeiro dever são os de nos esclarecermos sobre este assunto, de que depende toda a nossa conduta: e é por isso que eu faço uma distinção extrema entre os que trabalham com todas as suas forças para nele se instruírem, e os que vivem sem dele cuidarem e sem nele pensarem.
Esta negligência numa questão em que se trata deles mesmos, da sua eternidade, do seu todo, irrita-me mais do que me comove, surpreende-me e espanta-me, é monstruosa para mim. Não falo assim pelo zelo piedoso duma devoção espiritual. Pelo contrário, entendo que se deve ter este sentimento por um princípio de interesse humano."
E juntando as afirmações de Havel e de Pascal chegamos a algo que, no meu entender, faz bastante sentido para explicar a vida sem sentido da maioria dos integrantes da dita espécie inteligente do Universo, pois a tragédia apontada por Havel tem tudo ver com a negligência apontada por Pascal. Não interessar-se pelo que pode lhe acontecer após essa coisa denominada morte tem tudo a ver com não incomodar-se com o fato de não saber qual seja o significado dessa coisa chamada vida. Sabe de nada, negligente! E sabendo de nada, uma enorme quantidade de seres da espécie já citada recorre ao suicídio, ou seja, recorre à morte como "solução" para o problema de não saber lidar com a vida.
Aprender a lidar com a vida! Algum de vocês conhece um método rápido, prático e que surte efeito para aprender tal coisa? Creio que não, pois, no estágio evolutivo em que se encontra esta civilização, métodos rápidos e práticos jamais surtirão efeito quando tratar-se de aprendizados comportamentais. Aprendizados que jamais terão êxito enquanto não nos dispusermos a refletir sobre as quatro questões milenares cada vez mais abandonadas nesta civilização que estimula, única e exclusivamente, o entretenimento, em detrimento da reflexão. Que questões são essas? O que é o homem? De onde ele veio? Para onde ele vai? O que ele veio fazer neste mundo?
Questões que, no meu entender, contribuíram para que Pierre Teilhard de Chardin (1881-1955), teólogo, filósofo e paleontólogo francês, pudesse chegar a seguinte conclusão: "Não somos seres humanos vivendo uma experiência espiritual, somos seres espirituais vivendo uma experiência humana." E como seres espirituais que somos, jamais nos sentiremos verdadeiramente realizados enquanto satisfizermos apenas nossas necessidades materiais; jamais deixaremos de procurar – de forma consciente ou inconsciente - um sentido para a vida. E dependendo da forma de procurar os resultados são completamente diferentes. Enquanto, a procura consciente resulta no encontro de um sentido para a vida e, consequentemente, na crença de que vale a pena viver, a procura inconsciente é vã, resulta na crença de que não vale a pena viver e, muitas vezes, muitas mesmo, induz ao suicídio.
E neste ponto, volto a mencionar Robin Williams. Em uma prática bastante previsível, sua morte levou as emissoras de televisão a reapresentarem seus filmes. E foi assim que, sem querer (pois não fui eu quem deixara ligada a televisão naquele canal, naquele momento), tornei a assistir Patch Adams – O amor é contagioso. Mas ao assistir pude tornar a ouvir uma afirmação que tem tudo a ver com esta postagem: "Tudo o que vale a pena fazer é difícil.", diz o protagonista, ao ouvir que o que pretende fazer é algo muito difícil.
"Tudo o que vale a pena fazer é difícil.", é a afirmação feita no filme. "Vale a pena viver?", é a pergunta feita no título da postagem. Portanto, se viver é algo que vale a pena fazer, viver é algo difícil. Difícil, mas que vale a pena fazer. No papel de Patch Adams, Robin Williams diz que "Tudo o que vale a pena fazer é difícil.". Na vida real, com seu trágico ato, ele "disse" exatamente o contrário: "O que é difícil não vale a pena fazer." Entre o personagem e o ator, fico com Patch Adams, e espero que vocês também fiquem. Quanto à trágica resposta dada por Robin Williams a pergunta "Vale a pena viver?", tenho a seguinte opinião: é uma pena que ele tenha respondido dessa forma.
E é também uma pena Robin Williams não ter acreditado em algumas mensagens passadas por personagens por ele interpretados. Além da citada acima, há outra inesquecível em Amor além da vida: "O que alguém chama de impossível é simplesmente algo que jamais tinha visto". Filme em que ele interpreta um personagem que sempre dizia a todos da família "nunca desista" e no qual sua esposa comete suicídio por não conseguir lidar com as mortes inesperadas de seus filhos e dele próprio, em dois acidentes, ou seja, por não conseguir lidar com os fatos da sua vida. E ao escrever o trecho final desta frase, lembrei de uma entrevista com Robin Williams publicada na edição de 12 de fevereiro de 2007 da revista Época. Uma entrevista assinada por Andreas Renner, da revista Focus, intitulada Sempre engraçado. E agora sóbrio.
Entrevista cuja primeira pergunta é: "O senhor não bebia uma só gota de álcool havia 20 anos. Por que a recaída há alguns meses?" Pergunta cujo trecho inicial da resposta é: "Na verdade, foram 19 anos. No ano passado, cheguei a um ponto em que os fatos da minha vida ultrapassaram minha capacidade de lidar com eles." O tempo seguiu e oito anos e meio depois, Robin Williams, mais uma vez, viu-se em um ponto em que os fatos de sua vida ultrapassaram sua capacidade de lidar com eles. E dessa vez seu desespero foi tão grande que, esquecendo o que seu personagem em Amor além da vida dizia sempre dizia a todos da família ("nunca desista"), mas lembrando a personagem que representava sua esposa naquele filme, que em um ato extremo desistira desta vida e partira para o além, ele também desistiu desta vida e partiu para o além. Foi realmente uma pena Robin Williams não ter conseguido acreditar nas belas mensagens passadas pelos dois filmes citados nesta postagem.
"O que alguém chama de impossível é simplesmente algo que jamais tinha visto". Portanto, "nunca desista", pois "Tudo o que vale a pena fazer é difícil." Sendo assim, por mais difícil que possa lhe parecer, faça tudo, mas tudo mesmo, para que na sua vida o ponto de interrogação que aparece no título desta postagem seja substituído por um ponto de exclamação; para que a questão apresentada no título transforme-se em uma afirmação. Transformação que passa inevitavelmente por reflexões sobre as quatro questões milenares citadas nesta postagem, e das quais a maioria da dita espécie inteligente do Universo tanto se esquiva. Muitas vezes de forma trágica.

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