Esta postagem apresenta uma história que
mostra o quão equivocados podem ser os julgamentos que fazemos de
acontecimentos que vivenciamos. Tão equivocados que, inúmeras vezes, o que julgamos
ser uma coisa é algo simplesmente contrário.
Desastre pode ser uma benção
O velho chinês sabia
lidar com os sinais. Embora fosse muito pobre, era invejado por todos porque
tinha um lindo cavalo branco que todos queriam comprar, inclusive o rei. Certo
dia, o cavalo sumiu. Todos se entristeceram, pois julgaram aquilo um desastre, menos
o velho: "Quem sabe isso não é uma benção?", indagou.
Quinze dias depois,
numa noite, o cavalo voltou. Além disso, trouxera uma dúzia de cavalos
selvagens. Todos exultaram, pois julgaram aquilo uma benção, menos o velho:
"Quem sabe isso não é uma desastre?", indagou.
O velho tinha um único filho, que começou a treinar os cavalos selvagens. Apenas
uma semana depois, ele caiu de um cavalo e fraturou as pernas. Todos
lamentaram, pois julgaram aquilo um desastre, menos o velho: "Quem sabe isso não é uma benção?", indagou.
Algumas semanas depois,
o país entrou em guerra e todos os jovens da aldeia foram forçados a se
alistar. Somente o filho do velho foi deixado para trás, pois recuperava-se das
fraturas. Todos os jovens morreram. Os pais foram até o velho e disseram: "Você tinha razão, velho, pois aquilo se revelou uma benção. Seu
filho pode estar aleijado, mas ainda está com você. Nossos filhos foram-se para
sempre". O velho sábio disse: "Vocês continuam julgando precipitadamente, pois ninguém sabe, e só
o futuro dirá se é uma benção ou um desastre".
Ou seja, dependendo do
momento em que seja feito o julgamento, os acontecimentos por nós vivenciados
podem ser interpretados como coisas simplesmente contrárias: as bençãos podem
ser desastres e os desastres podem ser bençãos.
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Ao ver Roberto Baggio chutar para fora a cobrança do último
pênalti na decisão da Copa do Mundo de 1994, todos exultaram, menos aqueles que
identificando Romário, e não Parreira, como o artífice da conquista daquele
título imaginaram: "Quem sabe isso não é um desastre?". O desastre
de, pelo resto da vida, ver o técnico Carlos Alberto Parreira ligado à CBF (Confederação Brasileira de Futebol).
Doze anos depois, novamente na condição de técnico, Parreira levou
ao fracasso uma seleção repleta de craques, concretizando o desastre que fora
imaginado pelos que identificaram corretamente o artífice da conquista do
tetracampeonato.
Sete anos depois, ao
vencer a Espanha (campeã mundial naquela época) por 3 a 0, na final da Copa das
Confederações (torneio disputado um ano antes da Copa do Mundo e de nível
técnico inferior a ela), todos exultaram, menos quem lembrava que o Brasil
vencera as três últimas edições da Copa das Confederações, mas fracassara nas
duas últimas edições da Copa do Mundo.
Onze meses depois, no eufórico dia da inauguração da pomposa sede
da CBF, na condição de coordenador técnico, Parreira declarou que o Brasil já
estava com uma mão na taça. Todos exultaram, menos aqueles já citados no
terceiro parágrafo acima.
Um mês depois, ao ver a bola chutada por um jogador chileno
chocar-se contra a trave, no penúltimo minuto da prorrogação da partida pelas
oitavas de final, e evitar que a seleção brasileira fosse eliminada da Copa do
Mundo, todos exultaram, menos aqueles que pensaram: "Quem sabe isso não é
um desastre?", pois com o futebol que está jogando o Brasil acabará
perdendo de forma pior em uma fase seguinte. Naquele momento, falei para o meu
filho (que assistia ao jogo ao meu lado) que era melhor que aquela bola tivesse
entrado.
Na decisão por pênaltis, ao ver o goleiro brasileiro defender duas
cobranças, um jogador chileno desperdiçar a última chutando a bola na trave e o
Brasil classificar-se para enfrentar a Colômbia, todos exultaram, menos aqueles
que insistiam em pensar: "Quem sabe isso não é um desastre?".
Dez dias depois, o Brasil tirou da taça a mão que, segundo Parreira,
colocara no dia da inauguração da pomposa sede da CBF (lembram?). Mão que foi
tirada após uma estrepitosa goleada diante da Alemanha. Ou seja, tendo Parreira,
agora como coordenador técnico, ao ser goleado por 7 a 1, o Brasil protagonizou o
maior vexame de uma seleção anfitriã em uma Copa do Mundo. Um desastre que
talvez não ocorresse se aquela cobrança de pênalti de Roberto Baggio, vinte
anos antes, tivesse sido convertida em gol. Mais um desastre imaginável por
aqueles que identificaram corretamente o verdadeiro artífice pela conquista do
tetracampeonato mundial.
"O velho chinês conhecia os sinais", diz a primeira frase da
história apresentada nesta postagem. "Melhor vive quem melhor conhece; e melhor conhece quem melhor
interpreta. Daí a necessidade de esforços cada vez maiores na iluminação do
raciocínio.", diz a
afirmação de Ariston Santana Teles usada como primeira ilustração deste blog. Ou seja, sem conhecer como interpretar os sinais não se consegue
julgar corretamente se um acontecimento é uma benção ou um desastre, pois com o
decorrer do tempo o que se considerou uma benção pode se mostrar um desastre e
vice-versa.
Li essa história pela primeira vez na edição de 28.09.1995 da Folha de S.Paulo, na coluna de Paulo
Coelho, em uma versão sucinta e com o mesmo título usado nesta postagem.
Encontrei-a em outros lugares, em versões mais rebuscadas e intituladas Julgamentos precipitados. Título que expressa
bem a ideia passada pela história e com a qual concordo plenamente: somos muito
precipitados para julgar.
A versão apresentada nesta postagem baseia-se na primeira que li, mas
é acrescida de algumas alterações feitas por mim. Optei por ela devido ao
tamanho e também pelo título. Título que, no meu entender, possibilita usar a
história para espalhar outra ideia. Uma ideia que considero tão importante quanto
à primeira: a de que, dependendo do que se fizer ou se deixar de fazer após um determinado
acontecimento, o que foi julgado uma benção pode originar um desastre e
vice-versa.
"As bençãos podem
ser desastres e os desastres podem ser bençãos.", diz a frase final da
história, e transformar "podem ser" em "ser" depende de um
novo julgamento que corrija o equívoco cometido no primeiro. "As bençãos
podem originar desastres e os desastres podem originar bençãos", diz a
frase feita por mim para expressar a ideia que sugeri no parágrafo anterior, e
transformar "podem originar" em "originar" depende do que
fizermos ou deixarmos de fazer após julgar
corretamente o acontecimento. Ou seja, como diz o título de uma bela canção
de Ivan Lins: Depende de nós.
Depende de nós, a
partir do reconhecimento de que algo seja um desastre, agir no sentido de dele
originar uma benção. Depende de nós, a partir do reconhecimento de que algo seja
uma benção, agir no sentido de evitar que, por nossa negligência, dela seja originado
um desastre.
Para quem não pensara em escrever sobre a Copa do Mundo, creio que
eu já tenha ido longe demais. Porém, considerando que o final da Copa seja algo
que ainda não esteja tão longe, creio também que a possibilidade de usar, em
uma postagem que fala sobre desastres e bênçãos, alguns dos inúmeros exemplos
oferecidos pela Copa, pode ser considerada, por mim, uma benção. Uma benção da
qual poderia ser originado um possível desastre, caso eu prosseguisse falando
sobre a Copa do Mundo. Portanto, mudemos de assunto. Até porque como diz uma
postagem publicada neste blog em 29.05.2014, existem Valores mais altos do que o futebol.
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