quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Desastre pode ser uma benção

Esta postagem apresenta uma história que mostra o quão equivocados podem ser os julgamentos que fazemos de acontecimentos que vivenciamos. Tão equivocados que, inúmeras vezes, o que julgamos ser uma coisa é algo simplesmente contrário.
Desastre pode ser uma benção
O velho chinês sabia lidar com os sinais. Embora fosse muito pobre, era invejado por todos porque tinha um lindo cavalo branco que todos queriam comprar, inclusive o rei. Certo dia, o cavalo sumiu. Todos se entristeceram, pois julgaram aquilo um desastre, menos o velho: "Quem sabe isso não é uma benção?", indagou.
Quinze dias depois, numa noite, o cavalo voltou. Além disso, trouxera uma dúzia de cavalos selvagens. Todos exultaram, pois julgaram aquilo uma benção, menos o velho: "Quem sabe isso não é uma desastre?", indagou.
O velho tinha um único filho, que começou a treinar os cavalos selvagens. Apenas uma semana depois, ele caiu de um cavalo e fraturou as pernas. Todos lamentaram, pois julgaram aquilo um desastre, menos o velho: "Quem sabe isso não é uma benção?", indagou.
Algumas semanas depois, o país entrou em guerra e todos os jovens da aldeia foram forçados a se alistar. Somente o filho do velho foi deixado para trás, pois recuperava-se das fraturas. Todos os jovens morreram. Os pais foram até o velho e disseram: "Você tinha razão, velho, pois aquilo se revelou uma benção. Seu filho pode estar aleijado, mas ainda está com você. Nossos filhos foram-se para sempre". O velho sábio disse: "Vocês continuam julgando precipitadamente, pois ninguém sabe, e só o futuro dirá se é uma benção ou um desastre".
Ou seja, dependendo do momento em que seja feito o julgamento, os acontecimentos por nós vivenciados podem ser interpretados como coisas simplesmente contrárias: as bençãos podem ser desastres e os desastres podem ser bençãos.
*************
Ao ver Roberto Baggio chutar para fora a cobrança do último pênalti na decisão da Copa do Mundo de 1994, todos exultaram, menos aqueles que identificando Romário, e não Parreira, como o artífice da conquista daquele título imaginaram: "Quem sabe isso não é um desastre?". O desastre de, pelo resto da vida, ver o técnico Carlos Alberto Parreira ligado à CBF (Confederação Brasileira de Futebol).
Doze anos depois, novamente na condição de técnico, Parreira levou ao fracasso uma seleção repleta de craques, concretizando o desastre que fora imaginado pelos que identificaram corretamente o artífice da conquista do tetracampeonato.
Sete anos depois, ao vencer a Espanha (campeã mundial naquela época) por 3 a 0, na final da Copa das Confederações (torneio disputado um ano antes da Copa do Mundo e de nível técnico inferior a ela), todos exultaram, menos quem lembrava que o Brasil vencera as três últimas edições da Copa das Confederações, mas fracassara nas duas últimas edições da Copa do Mundo.
Onze meses depois, no eufórico dia da inauguração da pomposa sede da CBF, na condição de coordenador técnico, Parreira declarou que o Brasil já estava com uma mão na taça. Todos exultaram, menos aqueles já citados no terceiro parágrafo acima.
Um mês depois, ao ver a bola chutada por um jogador chileno chocar-se contra a trave, no penúltimo minuto da prorrogação da partida pelas oitavas de final, e evitar que a seleção brasileira fosse eliminada da Copa do Mundo, todos exultaram, menos aqueles que pensaram: "Quem sabe isso não é um desastre?", pois com o futebol que está jogando o Brasil acabará perdendo de forma pior em uma fase seguinte. Naquele momento, falei para o meu filho (que assistia ao jogo ao meu lado) que era melhor que aquela bola tivesse entrado.
Na decisão por pênaltis, ao ver o goleiro brasileiro defender duas cobranças, um jogador chileno desperdiçar a última chutando a bola na trave e o Brasil classificar-se para enfrentar a Colômbia, todos exultaram, menos aqueles que insistiam em pensar: "Quem sabe isso não é um desastre?".
Dez dias depois, o Brasil tirou da taça a mão que, segundo Parreira, colocara no dia da inauguração da pomposa sede da CBF (lembram?). Mão que foi tirada após uma estrepitosa goleada diante da Alemanha. Ou seja, tendo Parreira, agora como coordenador técnico, ao ser goleado por 7 a 1, o Brasil protagonizou o maior vexame de uma seleção anfitriã em uma Copa do Mundo. Um desastre que talvez não ocorresse se aquela cobrança de pênalti de Roberto Baggio, vinte anos antes, tivesse sido convertida em gol. Mais um desastre imaginável por aqueles que identificaram corretamente o verdadeiro artífice pela conquista do tetracampeonato mundial.
"O velho chinês conhecia os sinais", diz a primeira frase da história apresentada nesta postagem. "Melhor vive quem melhor conhece; e melhor conhece quem melhor interpreta. Daí a necessidade de esforços cada vez maiores na iluminação do raciocínio.", diz a afirmação de Ariston Santana Teles usada como primeira ilustração deste blog. Ou seja, sem conhecer como interpretar os sinais não se consegue julgar corretamente se um acontecimento é uma benção ou um desastre, pois com o decorrer do tempo o que se considerou uma benção pode se mostrar um desastre e vice-versa.
Li essa história pela primeira vez na edição de 28.09.1995 da Folha de S.Paulo, na coluna de Paulo Coelho, em uma versão sucinta e com o mesmo título usado nesta postagem. Encontrei-a em outros lugares, em versões mais rebuscadas e intituladas Julgamentos precipitados. Título que expressa bem a ideia passada pela história e com a qual concordo plenamente: somos muito precipitados para julgar.
A versão apresentada nesta postagem baseia-se na primeira que li, mas é acrescida de algumas alterações feitas por mim. Optei por ela devido ao tamanho e também pelo título. Título que, no meu entender, possibilita usar a história para espalhar outra ideia. Uma ideia que considero tão importante quanto à primeira: a de que, dependendo do que se fizer ou se deixar de fazer após um determinado acontecimento, o que foi julgado uma benção pode originar um desastre e vice-versa.
"As bençãos podem ser desastres e os desastres podem ser bençãos.", diz a frase final da história, e transformar "podem ser" em "ser" depende de um novo julgamento que corrija o equívoco cometido no primeiro. "As bençãos podem originar desastres e os desastres podem originar bençãos", diz a frase feita por mim para expressar a ideia que sugeri no parágrafo anterior, e transformar "podem originar" em "originar" depende do que fizermos ou deixarmos de fazer após julgar corretamente o acontecimento. Ou seja, como diz o título de uma bela canção de Ivan Lins: Depende de nós.
Depende de nós, a partir do reconhecimento de que algo seja um desastre, agir no sentido de dele originar uma benção. Depende de nós, a partir do reconhecimento de que algo seja uma benção, agir no sentido de evitar que, por nossa negligência, dela seja originado um desastre.
Para quem não pensara em escrever sobre a Copa do Mundo, creio que eu já tenha ido longe demais. Porém, considerando que o final da Copa seja algo que ainda não esteja tão longe, creio também que a possibilidade de usar, em uma postagem que fala sobre desastres e bênçãos, alguns dos inúmeros exemplos oferecidos pela Copa, pode ser considerada, por mim, uma benção. Uma benção da qual poderia ser originado um possível desastre, caso eu prosseguisse falando sobre a Copa do Mundo. Portanto, mudemos de assunto. Até porque como diz uma postagem publicada neste blog em 29.05.2014, existem Valores mais altos do que o futebol.

Nenhum comentário: