Continuação de terça-feira
Para
encerrar a trilogia que pretende
explicar o fracasso da seleção brasileira na Copa do Mundo, sob o ponto de
vista do mundo corporativo, segue a postagem que pretende explicar a
contribuição do nível operacional para tal fracasso. E para iniciar a explicação
recorro a uma sábia afirmação de Soren Kierkgaard, filósofo e teólogo
dinamarquês (1813-1855): "A vida só pode ser vivida olhando para frente,
mas só pode ser compreendida olhando para trás". E ao olhar para trás, retroajo 56 anos e vou até a Copa do Mundo de 1958 para fazer
uma comparação entre aquela seleção que conquistou o primeiro título e esta que
além de não conseguir o sexto, ainda por cima conseguiu a
façanha de levar sete gols em uma partida semifinal de uma Copa do Mundo.
Comandada
por um profissional intitulado técnico, a seleção brasileira, composta de
jogadores que atuavam no Brasil, saiu daqui com destino a Suécia (país sede da
Copa) com uma determinada escalação. Escalação que durante a Copa seria alterada
em busca da melhor formação. Alterada, segundo a mídia, inclusive por
interferência de alguns jogadores. De jogadores que tinham personalidade
suficiente para convencer o técnico de que determinados companheiros deveriam ser
titulares daquela equipe. E foi assim que a equipe, começando com uma formação, após
cinco vitórias e um empate, terminou campeã com outra. Feita esta regressão a
Copas passadas, voltemos a 2014.
Comandada
por um profissional que, embora continue sendo intitulado técnico é, pelos
jogadores, chamado de professor, a seleção brasileira, composta, em sua maioria,
por jogadores que atuam fora do Brasil, após a chegada dos jogadores ao Brasil
(o país sede), teve confirmada a escalação que um ano antes conquistara a Copa
das Confederações. Escalação que durante a Copa seria mantida pelo professor, independentemente
de atuar bem ou mal, e alterada somente por motivos de suspensão ou de
contusão, mas jamais por não render o que se esperava de uma seleção de um país
pentacampeão mundial.
Uma
seleção desprovida de jogadores com personalidade similar a de alguns daqueles extraordinários
jogadores da seleção de 1958; uma seleção composta apenas por alunos de um
teimoso e desatualizado professor; um professor que (conforme declarou em uma
entrevista) ficara surpreso com a qualidade dos adversários que enfrentara. E
foi assim que após três vitórias e dois empates, o Brasil deu de cara com a
Alemanha, perdeu por 7 a
1 e protagonizou a mais vergonhosa derrota sofrida (até aqui) por uma seleção
brasileira de futebol.
Diferenças
marcantes entre as duas seleções? A de 1958 atuou em uma época em que o futebol
ainda não tinha sido transformado, exclusivamente, em negócio; em que os clubes
de futebol ainda não haviam sido transformados, exclusivamente, em empresas. Uma
época em que o comportamento dos jogadores de futebol não era, em determinado
aspecto, tão idêntico ao dos profissionais integrantes do nível operacional das
empresas. Que aspecto é esse? A obediência a uma das máximas do mundo
corporativo: "Manda quem pode e obedece quem tem
juízo". Máxima que leva a maioria dos profissionais a fazer apenas
o que lhe é mandado fazer e consequentemente a deixá-los, simplesmente, sem
ação diante de situações inesperadas para as quais não foram preparados por
aqueles que mandam. Situações como a que ocorreu diante da Alemanha com a seleção
de 2014.
Com
um time composto por jogadores incapazes de tomar qualquer iniciativa diante de
uma situação para a qual o professor não os preparara, após sofrer dois, o que
se viu foi um bando de jogadores desprovidos de um mínimo de lucidez que lhes
possibilitasse reagir diante de uma situação inesperada. Um bando de jogadores cuja
deficiência de lucidez tornara-os incapazes até mesmo de uma daquelas
freqüentes simulações em que vemos médicos entrando em campo para tratar
contusões gravíssimas das quais os jogadores recuperam-se de imediato, pois
nada mais eram do que uma maneira de parar o jogo diante de situações
desfavoráveis. Deficiência de lucidez que levou a seleção a sofrer mais três
gols em seis minutos sem esboçar qualquer reação. Deficiência de lucidez que
acredito que não ocorreria com aquela seleção de 1958, composta por jogadores
cuja personalidade os tornava capazes até de interferir na própria escalação da
equipe.
Mas as diferenças
entre o comportamento dos jogadores em 1958 e em 2014, sob o ponto de vista do
mundo corporativo, não param por aqui. A transformação dos clubes em empresas
enfraqueceu nos jogadores o chamado espírito de equipe, pois, por mais estranho
que possa parecer, embora empresas sejam constituídas por profissionais que,
teoricamente, deveriam ter objetivos coletivos, nelas predomina, cada vez mais,
o desejo de correr atrás de objetivos individuais.
Tendo atuado durante
toda a minha vida profissional no desenvolvimento de sistemas de informação, ou
seja, no desenvolvimento de algo cuja definição pode ser algo como "um
conjunto de partes interligadas e interdependentes", em determinado
momento, estupefato, presenciei a criação de algo, simplesmente paradoxal. Em
um lampejo de genialidade (sic), a TI (Tecnologia
da Informação), área onde quase tudo
o que se faz requer o envolvimento de uma equipe, inventara uma premiação para
os seus destaques individuais.
Paralelamente a
realização de "DE"s (encontros com a finalidade de Desenvolver Equipes), a TI partira para a escolha de destaques individuais. Ou
seja, no mundo corporativo, mais do que a realização de algo relevante como
equipe, o que é estimulado, e consequentemente premiado, é o destaque
individual. Contrariando uma sábia afirmação atribuída ao imperador Marco
Aurélio de que "O que não convém ao enxame não convém tampouco à
abelha", no mundo corporativo, por mais estúpido que possa parecer, muitas vezes, os
interesses individuais assumem mais importância do que os interesses coletivos.
E após algum tempo sem citar aquela famosa afirmação de Einstein, não consegui
resistir à tentação de voltar a citá-la: "Existem apenas duas coisas
infinitas - o Universo e a estupidez humana. E não tenho tanta certeza quanto
ao Universo."
E no futebol a
realidade não é diferente, pois mais importante do que o que ocorre com o clube
(ou a seleção) é a situação do jogador após o ocorrido. Encerrada a Copa, os
jogadores que protagonizaram aquela "vergonha nacional"
reapresentaram-se aos clubes dos quais recebem seus salários astronômicos, o professor
que os comandou naquela trágica partida já encontrou um clube onde continuará a
ensinar a novos alunos, e até mesmo a alguns que já são velhos conhecidos, e,
como se diz por aí, é vida que segue. Vida que se segue como se nada de vergonhoso,
em termos coletivos, tivesse acontecido.
Gente!
Isto não é uma postagem, e sim uma "goleada" de parágrafos! A diferença é que, diferentemente dos sete
gols da Alemanha, esta levou mais de 80 minutos para ser construída. Mas aquela
o juiz deu por encerrada após 90 minutos enquanto em relação a esta parece não
haver alguém que a encerre. Portanto, embora ainda haja o que dizer, urge
terminá-la.
Dizer que a seleção perdeu a Copa devido ao apagão de seis minutos
durante os quais sofreu quatro gols talvez seja a afirmação mais equivocada
feita durante a Copa. Que houve um apagão naquela partida é algo sobre o qual
não resta a menor dúvida. Mas outra coisa sobre a qual também não deve restar a
menor dúvida é sobre o que seja esse apagão: causa ou efeito? Afinal, ele é causa e
efeito. Foi ele que causou a goleada? Sim. Mas será que essa causa é efeito de
uma causa que a antecedeu? Sim, aquele apagão de seis minutos nada mais é do que o
efeito causado pela equivocada preparação da seleção brasileira para a Copa do
Mundo.
Perdemos a semifinal longe de BH, diz o ex-colega de trabalho e eterno
amigo Gilson Lopes em um e-mail que me enviou dois dias após o 7 a 1. Afirmação perfeitamente
compatível com o que é dito ao longo da trilogia
encerrada com esta postagem. Afirmação que tem tudo a ver com o parágrafo final
da trilogia.
Se uma pedra é quebrada após levar cem marretadas, é um enorme erro
atribuir a quebra apenas a última delas, pois o que a quebrou foram as cem
marretadas. Analogamente, se uma seleção é goleada após levar cinco gols em
vinte e oito minutos, é um enorme erro atribuir a goleada apenas a esses vinte
e oito minutos, pois o que a provocou foram todos os minutos, horas, dias,
meses e anos transcorridos desde o início da equivocada preparação para a Copa
do Mundo. Equivocada por parte dos três níveis organizacionais: estratégico,
tático e operacional.
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