sexta-feira, 22 de agosto de 2014

O 7 a 1 sob o ponto de vista do mundo corporativo (final)

Continuação de terça-feira
Para encerrar a trilogia que pretende explicar o fracasso da seleção brasileira na Copa do Mundo, sob o ponto de vista do mundo corporativo, segue a postagem que pretende explicar a contribuição do nível operacional para tal fracasso. E para iniciar a explicação recorro a uma sábia afirmação de Soren Kierkgaard, filósofo e teólogo dinamarquês (1813-1855): "A vida só pode ser vivida olhando para frente, mas só pode ser compreendida olhando para trás". E ao olhar para trás, retroajo 56 anos e vou até a Copa do Mundo de 1958 para fazer uma comparação entre aquela seleção que conquistou o primeiro título e esta que além de não conseguir o sexto, ainda por cima conseguiu a façanha de levar sete gols em uma partida semifinal de uma Copa do Mundo.
Comandada por um profissional intitulado técnico, a seleção brasileira, composta de jogadores que atuavam no Brasil, saiu daqui com destino a Suécia (país sede da Copa) com uma determinada escalação. Escalação que durante a Copa seria alterada em busca da melhor formação. Alterada, segundo a mídia, inclusive por interferência de alguns jogadores. De jogadores que tinham personalidade suficiente para convencer o técnico de que determinados companheiros deveriam ser titulares daquela equipe. E foi assim que a equipe, começando com uma formação, após cinco vitórias e um empate, terminou campeã com outra. Feita esta regressão a Copas passadas, voltemos a 2014.
Comandada por um profissional que, embora continue sendo intitulado técnico é, pelos jogadores, chamado de professor, a seleção brasileira, composta, em sua maioria, por jogadores que atuam fora do Brasil, após a chegada dos jogadores ao Brasil (o país sede), teve confirmada a escalação que um ano antes conquistara a Copa das Confederações. Escalação que durante a Copa seria mantida pelo professor, independentemente de atuar bem ou mal, e alterada somente por motivos de suspensão ou de contusão, mas jamais por não render o que se esperava de uma seleção de um país pentacampeão mundial.
Uma seleção desprovida de jogadores com personalidade similar a de alguns daqueles extraordinários jogadores da seleção de 1958; uma seleção composta apenas por alunos de um teimoso e desatualizado professor; um professor que (conforme declarou em uma entrevista) ficara surpreso com a qualidade dos adversários que enfrentara. E foi assim que após três vitórias e dois empates, o Brasil deu de cara com a Alemanha, perdeu por 7 a 1 e protagonizou a mais vergonhosa derrota sofrida (até aqui) por uma seleção brasileira de futebol.
Diferenças marcantes entre as duas seleções? A de 1958 atuou em uma época em que o futebol ainda não tinha sido transformado, exclusivamente, em negócio; em que os clubes de futebol ainda não haviam sido transformados, exclusivamente, em empresas. Uma época em que o comportamento dos jogadores de futebol não era, em determinado aspecto, tão idêntico ao dos profissionais integrantes do nível operacional das empresas. Que aspecto é esse? A obediência a uma das máximas do mundo corporativo: "Manda quem pode e obedece quem tem juízo". Máxima que leva a maioria dos profissionais a fazer apenas o que lhe é mandado fazer e consequentemente a deixá-los, simplesmente, sem ação diante de situações inesperadas para as quais não foram preparados por aqueles que mandam. Situações como a que ocorreu diante da Alemanha com a seleção de 2014.
Com um time composto por jogadores incapazes de tomar qualquer iniciativa diante de uma situação para a qual o professor não os preparara, após sofrer dois, o que se viu foi um bando de jogadores desprovidos de um mínimo de lucidez que lhes possibilitasse reagir diante de uma situação inesperada. Um bando de jogadores cuja deficiência de lucidez tornara-os incapazes até mesmo de uma daquelas freqüentes simulações em que vemos médicos entrando em campo para tratar contusões gravíssimas das quais os jogadores recuperam-se de imediato, pois nada mais eram do que uma maneira de parar o jogo diante de situações desfavoráveis. Deficiência de lucidez que levou a seleção a sofrer mais três gols em seis minutos sem esboçar qualquer reação. Deficiência de lucidez que acredito que não ocorreria com aquela seleção de 1958, composta por jogadores cuja personalidade os tornava capazes até de interferir na própria escalação da equipe.
Mas as diferenças entre o comportamento dos jogadores em 1958 e em 2014, sob o ponto de vista do mundo corporativo, não param por aqui. A transformação dos clubes em empresas enfraqueceu nos jogadores o chamado espírito de equipe, pois, por mais estranho que possa parecer, embora empresas sejam constituídas por profissionais que, teoricamente, deveriam ter objetivos coletivos, nelas predomina, cada vez mais, o desejo de correr atrás de objetivos individuais.
Tendo atuado durante toda a minha vida profissional no desenvolvimento de sistemas de informação, ou seja, no desenvolvimento de algo cuja definição pode ser algo como "um conjunto de partes interligadas e interdependentes", em determinado momento, estupefato, presenciei a criação de algo, simplesmente paradoxal. Em um lampejo de genialidade (sic), a TI (Tecnologia da Informação), área onde quase tudo o que se faz requer o envolvimento de uma equipe, inventara uma premiação para os seus destaques individuais.
Paralelamente a realização de "DE"s (encontros com a finalidade de Desenvolver Equipes), a TI partira para a escolha de destaques individuais. Ou seja, no mundo corporativo, mais do que a realização de algo relevante como equipe, o que é estimulado, e consequentemente premiado, é o destaque individual. Contrariando uma sábia afirmação atribuída ao imperador Marco Aurélio de que "O que não convém ao enxame não convém tampouco à abelha", no mundo corporativo, por mais estúpido que possa parecer, muitas vezes, os interesses individuais assumem mais importância do que os interesses coletivos. E após algum tempo sem citar aquela famosa afirmação de Einstein, não consegui resistir à tentação de voltar a citá-la: "Existem apenas duas coisas infinitas - o Universo e a estupidez humana. E não tenho tanta certeza quanto ao Universo."
E no futebol a realidade não é diferente, pois mais importante do que o que ocorre com o clube (ou a seleção) é a situação do jogador após o ocorrido. Encerrada a Copa, os jogadores que protagonizaram aquela "vergonha nacional" reapresentaram-se aos clubes dos quais recebem seus salários astronômicos, o professor que os comandou naquela trágica partida já encontrou um clube onde continuará a ensinar a novos alunos, e até mesmo a alguns que já são velhos conhecidos, e, como se diz por aí, é vida que segue. Vida que se segue como se nada de vergonhoso, em termos coletivos, tivesse acontecido.
Gente! Isto não é uma postagem, e sim uma "goleada" de parágrafos! A diferença é que, diferentemente dos sete gols da Alemanha, esta levou mais de 80 minutos para ser construída. Mas aquela o juiz deu por encerrada após 90 minutos enquanto em relação a esta parece não haver alguém que a encerre. Portanto, embora ainda haja o que dizer, urge terminá-la.
Dizer que a seleção perdeu a Copa devido ao apagão de seis minutos durante os quais sofreu quatro gols talvez seja a afirmação mais equivocada feita durante a Copa. Que houve um apagão naquela partida é algo sobre o qual não resta a menor dúvida. Mas outra coisa sobre a qual também não deve restar a menor dúvida é sobre o que seja esse apagão: causa ou efeito? Afinal, ele é causa e efeito. Foi ele que causou a goleada? Sim. Mas será que essa causa é efeito de uma causa que a antecedeu? Sim, aquele apagão de seis minutos nada mais é do que o efeito causado pela equivocada preparação da seleção brasileira para a Copa do Mundo.
Perdemos a semifinal longe de BH, diz o ex-colega de trabalho e eterno amigo Gilson Lopes em um e-mail que me enviou dois dias após o 7 a 1. Afirmação perfeitamente compatível com o que é dito ao longo da trilogia encerrada com esta postagem. Afirmação que tem tudo a ver com o parágrafo final da trilogia.
Se uma pedra é quebrada após levar cem marretadas, é um enorme erro atribuir a quebra apenas a última delas, pois o que a quebrou foram as cem marretadas. Analogamente, se uma seleção é goleada após levar cinco gols em vinte e oito minutos, é um enorme erro atribuir a goleada apenas a esses vinte e oito minutos, pois o que a provocou foram todos os minutos, horas, dias, meses e anos transcorridos desde o início da equivocada preparação para a Copa do Mundo. Equivocada por parte dos três níveis organizacionais: estratégico, tático e operacional.

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