"A primeira palavra que me vem em mente
quando penso na vida moderna é dispersão.", diz Marcelo Gleiser. Dispersão!
Eis mais uma palavra que pode ser usada para denominar a era em que vivemos:
era da dispersão. "Existe uma competição constante pela nossa atenção
entre os produtores de novas tecnologias, (...); há uma necessidade crescente
de estarmos "ligados" com o que está acontecendo, (...)",
continua Gleiser. Sim, "ligados" com o que esteja acontecendo, mas, na maioria das vezes, "ligados" a coisas fúteis ou irrelevantes, se considerarmos a finalidade da civilização.
"A civilização não tem como finalidade o
progresso das máquinas; mas, sim o do homem", disse Alexis Carrel
(1873-1944), cirurgião, fisiologista, biólogo e sociólogo, que, em 1912,
recebeu o Prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia e, em 1935, publicou um livro
intitulado O Homem, Esse Desconhecido, que foi traduzido e reeditado
transformando-se num grande êxito mundial até a década de 1950.
E é à luz da afirmação de Alexis Carrel que interpreto
as seguintes palavras de Marcelo Gleiser: "Cada instante é ocupado por
algo que vemos numa tela, pequena ou grande." Ou seja, cada instante é
ocupado por algo que vemos em algum produto originado pelo estupendo progresso
das máquinas. Progresso que muito contribui para a intensificação de dois
comportamentos cada vez mais comuns: a atração por máquinas (cada vez mais
inteligentes, não é mesmo?) e a indiferença em relação às pessoas (cada vez
mais sabe Deus o quê?). Progresso que hoje, 79 anos após a afirmação de Carrel,
resulta no seguinte estágio evolutivo: uma estupenda evolução tecnológica e uma
estúpida evolução humana.
Uma estúpida evolução que propicia
comportamentos como aquele citado por Marcelo Gleiser em seu excelente artigo.
"(...) assim que pousa um avião todo mundo se precipita para ligar seu
iPhone ou seu Galaxy, como se como se naquele voo de 45 minutos a história do
mundo tivesse se transformado de forma profunda e aquele e-mail que mudará a
sua vida tivesse finalmente chegado." "Pai, perdoai-os ... eles não
sabem o que fazem". E haja perdão!
"Muita gente me
pergunta se o tempo está mudando, passando mais rápido.", diz Marcelo
Gleiser. Pergunta que ele responde assim: "Essa é uma percepção
psicológica da passagem do tempo, que nada tem a ver com a passagem física do
tempo. A duração do dia muda muito lentamente, e muda no sentido inverso,
aumentando e não diminuindo, devido à fricção gravitacional das marés causadas
pelas atrações entre Terra, Lua e Sol." Ou seja, a verdadeira mudança na
passagem física do tempo é exatamente o inverso do que é "percebido"
pela pretensa espécie inteligente do Universo.
"O tempo está
passando mais rapidamente, ou assim o percebemos, porque cada vez temos menos
controle sobre ele. (...) qualquer brecha de tempo nós enchemos com uma leitura
no Twitter, do Facebook, de e-mail, um videozinho no YouTube, ou um podcast
qualquer.", diz Marcelo Gleiser. Ter cada vez menos controle sobre o
tempo! Eis um dos grandes males desta dita civilização na qual seus integrantes
sujeitam-se a preencher as horas de seu dia com atividades (ou seriam
passividades?) determinadas por outrem. Querem um exemplo ilustrativo do que
acabo de afirmar? Nas páginas finais da Época
(uma revista de circulação semanal) há uma seção cujo título é "Tempo livre? Esqueça. Eis o que você precisa
fazer nesta semana."
Esquecer da necessidade
de ter tempo livre! Por que se faz isto? Porque ter tempo livre estimula as
pessoas a questionar. E questionando elas podem chegar a duas coisas desagradáveis:
a contestação daquilo que lhes é mandado fazer e ao conhecimento de si mesmas. A
primeira desagrada a que manda fazer, pois a esses interessa que não haja
contestação. A segunda desagrada a quem padece da Síndrome de Gabriela: "Eu
nasci assim, eu
cresci assim, e sou mesmo assim, vou ser sempre assim... Gabriela… sempre Gabriela." E,
infelizmente, a maioria dos indivíduos pertence a um dos dois grupos citados acima:
o dos que mandam fazer e o dos que padecem da Síndrome de Gabriela. Há,
inclusive, quem pertence aos dois grupos.
"Na ânsia pela
informação, pouco desviamos os olhos das telas. Olhar para o céu é algo que
raramente fazemos, especialmente nas grandes cidades.", diz Marcelo
Gleiser. E ao falar em ânsia pela
informação, Gleiser me faz lembrar as seguintes palavras de T. S. Eliot,
poeta, dramaturgo e crítico literário (1888-1965), ganhador do Prêmio Nobel de
Literatura de 1948.
"Onde está a vida que perdemos na existência?Onde está a sabedoria que perdemos no conhecimento?Onde está o conhecimento que perdemos na informação?"
Mas nossas grandes perdas
não limitam-se às citadas por T. S. Eliot e Marcelo Gleiser nos adverte sobre mais
uma quando diz que "Uma das maiores vítimas dessa correria moderna é nossa
conexão com a natureza." Conexão que precisa ser reativada "para
resgatarmos nosso controle sobre o tempo". Resgate que, segundo Gleiser,
passa por três mudanças de atitude diante da vida: deixarmos de olhar o tempo
todo para telas; passarmos a olhar para o céu noturno, longe das luzes da
cidade; criarmos espaço para a contemplação das formas de vida, das árvores,
das flores e animais.
Mudanças que, ainda
segundo Marcelo Gleiser, farão com que "consigamos desacelerar, buscando
outro tipo de informação que nos liga ao que temos de mais essencial: nossa
relação com os ciclos e ritmos do Cosmo.". Tipo de informação que ao ser
encontrado coloca quem o encontra diante daquelas três questões com as quais defronta-se
qualquer indivíduo que consegue atingir o limiar da consciência de ser um
legítimo integrante da espécie que almeja tornar-se humana. Quais são essas questões? De onde viemos?
O que somos? Para onde vamos?
Questões que enquanto
não tiverem respostas satisfatórias manter-nos-ão na lamentável condição de O Homem, Esse Desconhecido. E,
consequentemente, impossibilitados de atingir o que Alexis Carrel entende por
civilização, pois, segundo ele (repetindo o que já foi dito acima), "A civilização não
tem como finalidade o progresso das máquinas; mas, sim o do homem.". Progresso
que jamais será alcançado enquanto o homem mantiver-se desconectado da natureza
e, fissuradamente, conectado a toda e qualquer máquina inteligente que lhe
ofereça uma tela com a qual possa distrair-se cada vez mais. Distrair-se e
perder seu controle sobre o tempo.
"Para resgatarmos
nosso controle sobre o tempo, é preciso criar espaço para a contemplação da
vida.". É essa a frase que aparece em destaque no texto de Marcelo Gleiser.
Ou seja, o que precisamos é criar espaço para a contemplação da vida; não para a contemplação de telas.
Compreendido?
Nenhum comentário:
Postar um comentário