terça-feira, 15 de abril de 2014

Reflexões provocadas por "Por que tanta pressa?"

"A primeira palavra que me vem em mente quando penso na vida moderna é dispersão.", diz Marcelo Gleiser. Dispersão! Eis mais uma palavra que pode ser usada para denominar a era em que vivemos: era da dispersão. "Existe uma competição constante pela nossa atenção entre os produtores de novas tecnologias, (...); há uma necessidade crescente de estarmos "ligados" com o que está acontecendo, (...)", continua Gleiser. Sim, "ligados" com o que esteja acontecendo, mas, na maioria das vezes, "ligados" a coisas fúteis ou irrelevantes, se considerarmos a finalidade da civilização.
"A civilização não tem como finalidade o progresso das máquinas; mas, sim o do homem", disse Alexis Carrel (1873-1944), cirurgião, fisiologista, biólogo e sociólogo, que, em 1912, recebeu o Prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia e, em 1935, publicou um livro intitulado O Homem, Esse Desconhecido, que foi traduzido e reeditado transformando-se num grande êxito mundial até a década de 1950.
E é à luz da afirmação de Alexis Carrel que interpreto as seguintes palavras de Marcelo Gleiser: "Cada instante é ocupado por algo que vemos numa tela, pequena ou grande." Ou seja, cada instante é ocupado por algo que vemos em algum produto originado pelo estupendo progresso das máquinas. Progresso que muito contribui para a intensificação de dois comportamentos cada vez mais comuns: a atração por máquinas (cada vez mais inteligentes, não é mesmo?) e a indiferença em relação às pessoas (cada vez mais sabe Deus o quê?). Progresso que hoje, 79 anos após a afirmação de Carrel, resulta no seguinte estágio evolutivo: uma estupenda evolução tecnológica e uma estúpida evolução humana.
Uma estúpida evolução que propicia comportamentos como aquele citado por Marcelo Gleiser em seu excelente artigo. "(...) assim que pousa um avião todo mundo se precipita para ligar seu iPhone ou seu Galaxy, como se como se naquele voo de 45 minutos a história do mundo tivesse se transformado de forma profunda e aquele e-mail que mudará a sua vida tivesse finalmente chegado." "Pai, perdoai-os ... eles não sabem o que fazem". E haja perdão!
"Muita gente me pergunta se o tempo está mudando, passando mais rápido.", diz Marcelo Gleiser. Pergunta que ele responde assim: "Essa é uma percepção psicológica da passagem do tempo, que nada tem a ver com a passagem física do tempo. A duração do dia muda muito lentamente, e muda no sentido inverso, aumentando e não diminuindo, devido à fricção gravitacional das marés causadas pelas atrações entre Terra, Lua e Sol." Ou seja, a verdadeira mudança na passagem física do tempo é exatamente o inverso do que é "percebido" pela pretensa espécie inteligente do Universo.
"O tempo está passando mais rapidamente, ou assim o percebemos, porque cada vez temos menos controle sobre ele. (...) qualquer brecha de tempo nós enchemos com uma leitura no Twitter, do Facebook, de e-mail, um videozinho no YouTube, ou um podcast qualquer.", diz Marcelo Gleiser. Ter cada vez menos controle sobre o tempo! Eis um dos grandes males desta dita civilização na qual seus integrantes sujeitam-se a preencher as horas de seu dia com atividades (ou seriam passividades?) determinadas por outrem. Querem um exemplo ilustrativo do que acabo de afirmar? Nas páginas finais da Época (uma revista de circulação semanal) há uma seção cujo título é "Tempo livre? Esqueça. Eis o que você precisa fazer nesta semana."
Esquecer da necessidade de ter tempo livre! Por que se faz isto? Porque ter tempo livre estimula as pessoas a questionar. E questionando elas podem chegar a duas coisas desagradáveis: a contestação daquilo que lhes é mandado fazer e ao conhecimento de si mesmas. A primeira desagrada a que manda fazer, pois a esses interessa que não haja contestação. A segunda desagrada a quem padece da Síndrome de Gabriela: "Eu nasci assim, eu cresci assim, e sou mesmo assim, vou ser sempre assim... Gabriela… sempre Gabriela." E, infelizmente, a maioria dos indivíduos pertence a um dos dois grupos citados acima: o dos que mandam fazer e o dos que padecem da Síndrome de Gabriela. Há, inclusive, quem pertence aos dois grupos.
"Na ânsia pela informação, pouco desviamos os olhos das telas. Olhar para o céu é algo que raramente fazemos, especialmente nas grandes cidades.", diz Marcelo Gleiser. E ao falar em ânsia pela informação, Gleiser me faz lembrar as seguintes palavras de T. S. Eliot, poeta, dramaturgo e crítico literário (1888-1965), ganhador do Prêmio Nobel de Literatura de 1948.
"Onde está a vida que perdemos na existência?
Onde está a sabedoria que perdemos no conhecimento?
Onde está o conhecimento que perdemos na informação?"
Mas nossas grandes perdas não limitam-se às citadas por T. S. Eliot e Marcelo Gleiser nos adverte sobre mais uma quando diz que "Uma das maiores vítimas dessa correria moderna é nossa conexão com a natureza." Conexão que precisa ser reativada "para resgatarmos nosso controle sobre o tempo". Resgate que, segundo Gleiser, passa por três mudanças de atitude diante da vida: deixarmos de olhar o tempo todo para telas; passarmos a olhar para o céu noturno, longe das luzes da cidade; criarmos espaço para a contemplação das formas de vida, das árvores, das flores e animais.
Mudanças que, ainda segundo Marcelo Gleiser, farão com que "consigamos desacelerar, buscando outro tipo de informação que nos liga ao que temos de mais essencial: nossa relação com os ciclos e ritmos do Cosmo.". Tipo de informação que ao ser encontrado coloca quem o encontra diante daquelas três questões com as quais defronta-se qualquer indivíduo que consegue atingir o limiar da consciência de ser um legítimo integrante da espécie que almeja tornar-se humana. Quais são essas questões? De onde viemos? O que somos? Para onde vamos?
Questões que enquanto não tiverem respostas satisfatórias manter-nos-ão na lamentável condição de O Homem, Esse Desconhecido. E, consequentemente, impossibilitados de atingir o que Alexis Carrel entende por civilização, pois, segundo ele (repetindo o que já foi dito acima), "A civilização não tem como finalidade o progresso das máquinas; mas, sim o do homem.". Progresso que jamais será alcançado enquanto o homem mantiver-se desconectado da natureza e, fissuradamente, conectado a toda e qualquer máquina inteligente que lhe ofereça uma tela com a qual possa distrair-se cada vez mais. Distrair-se e perder seu controle sobre o tempo.
"Para resgatarmos nosso controle sobre o tempo, é preciso criar espaço para a contemplação da vida.". É essa a frase que aparece em destaque no texto de Marcelo Gleiser. Ou seja, o que precisamos é criar espaço para a contemplação da vida; não para a contemplação de telas. Compreendido?

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