quarta-feira, 23 de abril de 2014

A Sabedoria do Barqueiro

"Por que tanta pressa?", pergunta Marcelo Gleiser em um artigo publicado há 4,5 meses na Folha de S.Paulo. Mas será que ter pressa é algo surgido recentemente na história da dita espécie inteligente do Universo? Não, não é, e para defender esta afirmação segue um episódio ocorrido há 364 anos. Episódio contado no livro A Importância de Compreender, de autoria de Lin Yutang (1895-1976) e que na edição brasileira traz em sua apresentação as seguintes palavras.
"Este é um livro incomum. Nele, o Dr. Lin Yutang destilou a essência da vida, tal como, através dos tempos, a observaram e compreenderam os chineses. Todos os leitores aqui encontrarão, numa obra planejada para poder ser folheada ao acaso, em mergulhos nos temas que no momento mais interessem, numerosos daqueles tesouros da literatura que aguçam a visão e a compreensão. (...) Lin Yutang incluiu seleções que abrangem mais de 2500 anos de literatura, desde Confúcio aos dias atuais."
E foi nesses 2500 anos de literatura que Lin Yutang encontrou, em um livro intitulado Obras em Prosa de Chou Yung, um educativo episódio ocorrido em 1650, do qual participou Chou Yung (1619-1679) e que recebeu o título A Sabedoria do Barqueiro.
A Sabedoria do Barqueiro
No inverno de 1650, ia eu do Pequeno Porto para a cidade de Chiaochuan, acompanhado por um rapaz que levava grande carga de livros, amarrados com uma corda e sustentados por vários pedaços de tábuas.
Aproximava-se a hora do pôr do sol e toda a região se cobria de névoa. Estávamos a uma milha de distância da cidade.
- Chegaremos à cidade a tempo, antes que as portas se fechem? – perguntei ao barqueiro.
Sim, se fordes devagar. Mas, se correrdes, não chegareis a tempo – respondeu o barqueiro, lançando um olhar ao rapaz.
Caminhamos, no entanto, com toda a pressa que nos era possível. Mais ou menos à metade do caminho, o rapaz caiu. Rompeu-se a corda e os livros tombaram ao chão. À hora em que conseguimos tornar a atar o embrulho e chegamos às portas da cidade, já estavam elas fechadas.
Pensei naquele barqueiro. Tinha sabedoria.
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Chegaremos a tempo? – eis a pergunta. Sim, se fordes devagar. Mas, se correrdes, não – eis a sábia resposta. Caminhamos, no entanto, com toda a pressa que nos era possível – eis a estúpida ação que resultou no não atingimento do que era pretendido. Agir com toda a pressa que nos seja possível – eis uma excelente forma de agir no sentido de tornar impossível o que desejamos.
Agir com toda a pressa que nos seja possível e, segundo uma afirmação atribuída a Jean-Jacques Rousseau, perder justamente o que pretendíamos ganhar. "Apressar-se para ganhar tempo é o melhor modo de perder tempo.". Afirmação cuja veracidade é facilmente confirmada por qualquer indivíduo que seja capaz de associar o modo como se age aos resultados que se obtém, e eu explico.
Ao apressar-se para ganhar tempo, o indivíduo tende a cometer erros que, provavelmente, não cometeria se agisse com mais calma e, consequentemente, com mais atenção. Erros que implicarão na necessidade de refazer coisas, ou seja, em fazê-las mais de uma vez, até atenderem ao que se propõem. Refazer coisas malfeitas por terem sido feitas às pressas e cujo somatório dos tempos gastos para refazê-las será sempre maior do que o tempo necessário para fazê-las com calma, com a devida atenção e, consequentemente, bem-feitas na primeira vez.
Fácil de explicar, não? E ao dizer fácil de explicar, lembro o criativo slogan de uma antiga loja que vendia tecidos. Sim, desapontando aqueles que acreditam que este mundo onde sobrevivemos seja resultado de um download, e não de uma evolução gradativa desde priscas eras, digo aqui que já houve uma época em que as pessoas compravam tecidos para fazer roupas sob medida. Uma época em que havia pessoas de vários tamanhos, e não apenas nos padronizados PP, P, M, G, GG e XG. Qual era o slogan de tal loja de tecidos? Casas Huddersfield: difícil de pronunciar, mas fácil de encontrar!
Viajei, não? Afinal, o que o parágrafo acima tem a ver com o assunto desta postagem? Ele possibilita uma paráfrase do criativo slogan daquela loja de tecidos. Veracidade da afirmação de Rousseau: fácil de explicar, mas difícil de encontrar. Difícil de encontrar quem acredite em tal afirmação ("Apressar-se para ganhar tempo é o melhor modo de perder tempo."). Passei as 3,7 décadas da minha vida profissional rodeado de pessoas que insistiam em não acreditar nela. Com a agravante de sempre ter trabalhado em uma área onde o raciocínio lógico é essencial para o êxito naquilo que se faz. Não, não fui eu que viajei, e sim aqueles que nunca entenderam a afirmação de Rousseau.
Não acreditar que "Apressar-se para ganhar tempo é o melhor modo de perder tempo." é algo que afeta não apenas as atividades profissionais de um indivíduo, mas também suas demais atividades. Nesta postagem, restringi-me a falar sobre as profissionais para não torná-la ainda mais longa, mas considerando que, assim como na vida, neste blog os assuntos jamais são esgotados, é bastante provável que vocês ainda venham a nele encontrar uma postagem focalizando o que faltou nesta.
Pensei naquele barqueiro. Tinha sabedoria. Pensei naqueles que nunca entenderam que "Apressar-se para ganhar tempo é o melhor modo de perder tempo.". Tinham sabe Deus o quê.

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