"A cultura e a civilização do Homem Branco são essencialmente materiais; ele mede seu sucesso pela quantidade de propriedades que adquiriu para ele mesmo. A cultura do Pele Vermelha é fundamentalmente espiritual; sua medida de sucesso é quanto serviço ele já prestou a seu povo."
As palavras acima constituem o parágrafo
inicial do primeiro capítulo do livro intitulado The Gospel of the Redman (O Evangelho do Pele Vermelha), de Ernest
Thompson Seton (um homem branco que vivera entre os indígenas). Livro onde Ken
Gire encontrou a história O Velho Vendedor de Cebolas que ele apresenta em Vida de Meditação, publicado pela editora Textus.
Em busca de um sucesso
cada vez maior o Homem Branco procura adquirir cada vez mais coisas para si
mesmo. Para comprar mais coisas ele tenta pagar menos pelo que compra. E para
pagar menos ele compra quantidades maiores do que aquelas de que necessita,
pois nesta civilização (sic) paradoxal na qual sobrevivemos quem tem mais
dinheiro paga menos, porque o preço unitário a pagar por uma coisa é
inversamente proporcional a quantidade comprada dessa coisa.
- Quanto custa uma réstia de cebolas?- Dez centavos, respondeu Pota-lamo.- E duas réstias?- Vinte centavos, foi a resposta.- E três réstias?- Trinta centavos.- Não vejo desconto, disse o americano. Você aceitaria vinte e cinco centavos?- Não.- Quanto você cobra por todas as vinte réstias?- Eu não venderia todas as réstias para você.
- Por que não? Você não está aqui para vender cebolas?- Não, respondeu o índio. Estou aqui para viver minha vida. (...)
"Não vejo desconto,
disse o americano.". E não vendo, ele fez uma última e desesperada tentativa
para ver: comprar todas as réstias. Tentativa com a qual aquele Homem Branco dava
uma demonstração inequívoca de quão individualista é sua cultura, pois se
conseguisse comprar todas as réstias ele tiraria de qualquer outra pessoa a
possibilidade de encontrar alguma réstia para comprar. Uns com muito; outros com
nada! Eis o deplorável retrato desta civilização (sic) desigual construída pelo
Homem Branco. Civilização desigual cuja principal consequência talvez seja o incessante
crescimento da violência que dela parece já ter tomado conta de forma quase
irreprimível.
E dentro do assunto não ver, eu tenho algo a
dizer. Não vejo como o Homem Branco consiga chegar a uma civilização que faça
jus a essa denominação sem deixar de lado sua injustificável arrogância e
passar a examinar ensinamentos oriundos de outras culturas, digo eu. Há uma recomendação atribuída a Paulo de Tarso (também
conhecido como São Paulo) da qual gosto muito e que é mais ou menos assim: examinai tudo e retende o que for melhor.
Recomendação na qual eu faço um acréscimo que a deixa assim: examinai tudo, retende
o que for melhor e espalheis para aqueles que conheceis. Não, neste caso o
retende não é incompatível com o espalheis, pois o retende é no sentido de conservar
na memória e não no de egoisticamente guardar algo apenas para si. Aliás, foi
exatamente isso o que fez Paulo de Tarso: saiu mundo afora espalhando o que de
melhor ele encontrara.
Em conformidade com
o que é dito no parágrafo acima, entre as dez primeiras postagens este blog eu espalhei duas nas quais é focalizado o extraordinário valor da cultura indígena. A oitava é
intitulada A história de uma certa carta
e a nona é A Carta do Cacique Seattle.
Para quem não as leu, sugiro que procurem algum tempo para fazê-lo.
"A medida de sucesso do Pele Vermelha é quanto
serviço ele já prestou a seu povo", diz Ernest Thompson, um homem branco que viveu entre os
indígenas. Ou seja, a medida de sucesso do Pele Vermelha é simplesmente o inverso
da medida de sucesso do Homem Branco, pois para este o sucesso está justamente
em servir-se do povo. Eis mais um grande e equivocado desejo da maioria dos
caras-pálidas. E por prestar serviço a seu povo não entenda-se algo a ser feito
apenas por governantes. Prestar serviço a seu povo é tarefa para todos; é atuar em prol do que seja
melhor para o todo, e não apenas para si mesmo, pois na vida tudo está
interligado (raciocínio sistêmico). E é por isso que tudo o que o que o Homem
Branco fizer de bem e de mal a outrem acabará, de alguma forma, voltando para
ele mesmo. A Carta do Cacique Seattle
mostra de forma magnífica o que acabo de dizer, pois o modo de viver do Pele
Vermelha está em conformidade com a ideia de que tudo está interligado.
Comecei estas
reflexões apresentando as visões
perspicazes que Ernest Thompson (um homem que vivera entre os indígenas) tinha de ambas as culturas (a do Homem
Branco e a do Pele Vermelha), e neste ponto alguém poderá pensar algo assim: quantas
reflexões espalhadas em vão pelo Guedes. Afinal, onde está a cultura do Pele
Vermelha? Será que ele não percebe que quem venceu foi o Homem Branco? Sim, eu
sei que foi o Homem Branco que venceu. Mas sei também que qualquer coisa que se tenha hoje
resulta do que aconteceu até ontem. O Homem Branco venceu, estabeleceu a
prevalência de sua cultura e civilização essencialmente materiais sobre a
cultura fundamentalmente espiritual dos indígenas, e o resultado está aí: uma
sociedade cada vez mais materialista e menos espiritualizada, mais desigual e menos
justa, mais violenta e menos fraterna, mais isso e menos aquilo. Agrada-lhes
esta sociedade na qual sobrevivemos? A mim, não.
Inspirar-se em exemplos de indivíduos que foram e / ou são capazes de
prosseguir independentemente de fracassos é imprescindível e animador. Darcy
Ribeiro e Slavoj Zizek são dois inspiradores para que eu prossiga com a minha diferente
maneira de ver a vida. Não sou + / nem sou - / sou apenas ≠ / das
pessoas =. Das pessoas iguais que dividem-se em otimistas e pessimistas,
pois sou um esperançoso (Otimistas, pessimistas e esperançosos). Esperançoso de que, por mais incrível que
possa parecer, ainda seja possível fazer com que algum dia a tal da espécie
inteligente do Universo consiga entender, e praticar, a belíssima mensagem
passada pela história "O Velho Vendedor de Cebolas".
E falar em derrota da cultura do Pele Vermelha diante da cultura do
Homem Branco me faz lembrar uma
afirmação de um antropólogo, escritor e político brasileiro conhecido por sua atuação em prol das causas indígenas e da educação no Brasil. É de Darcy Ribeiro a
seguinte afirmação: "Fracassei em tudo que tentei na vida. Tentei salvar os
índios, não consegui. Tentei alfabetizar as crianças, não consegui. Tentei
fazer uma universidade séria, não consegui. Mas meus fracassos são minhas
vitórias. Detestaria estar no lugar de quem me venceu."
A afirmação é de Darcy
Ribeiro, mas, no meu entender, os indígenas também detestariam estar
no lugar de quem os venceu. Aliás, nesta sociedade entorpecida na qual
sobrevivemos, qualquer indivíduo dotado de um razoável grau de consciência
fracassa em muitas coisas que tenta na vida e detestaria estar no lugar de
quem o venceu. Fracassa, mas jamais
desistirá de continuar tentando, apesar de frequentemente ser chamado de
utópico, pois para ele o significado de utópico coincide com aquele expresso na
seguinte situação vivenciada pelo filósofo esloveno Slavoj Zizek: "Quando me
dizem 'você é um utópico', digo: 'a única utopia de fato é acreditar que as
coisas podem seguir indefinidamente seu curso atual'.
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