segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Reflexões provocadas por "Que país é esse?"

"O conceito de alienação vem do seu significado jurídico – o de entregar a outro o que nos é próprio. Produzir um mundo em que não nos reconhecemos é um produto da alienação. Atribuir a seres que estão para além do mundo a responsabilidade e o poder sobre o mundo é assumir uma visão alienada. É alienar responsabilidade dos homens sobre o nosso mundo."
O parágrafo acima foi copiado de um artigo do sociólogo Emir Sader, intitulado Alienação e humanismo, publicado no Jornal do Brasil, em 25 de abril de 2004. Será que, à luz do que nele é dito, faz sentido afirmar que a atitude de nos considerarmos isentos de responsabilidade sobre toda e qualquer coisa ruim que acontece neste país (conforme é citado em Que país é esse?) é mais um exemplo de visão alienada? No meu entender, sim.
Em um texto ao qual deu o título Que país é esse?, Rodrigo Bittencourt diz que "Quem faz o país é quem mora dentro dele, somos nós os culpados pelo que há de bom e de ruim aqui.". E ao usar a expressão "quem mora dentro", Rodrigo me faz lembrar algo cujo conceito parece-me que, até hoje, só foi entendido por muito poucos, conforme sugere um artigo de Rubem Alves, publicado na Folha de S.Paulo, em 17 de outubro de 2006 e reproduzido no parágrafo abaixo.
"Todo mundo fala no povo. Mas quem sabe o que é um povo? Santo Agostinho sabia. 'Um povo', disse ele, 'é um conjunto de pessoas racionais unidas por um mesmo sonho'. Idos os sonhos o povo se desfaz e as pessoas retornam a triste condição de 'cada um por si', a guerra de todos contra todos, os fortes devorando os fracos."
Ou seja, no estágio atual desta civilização (sic) cada vez mais assolada pelo individualismo, encontrar um país que seja habitado por um povo é tarefa quase impossível. Quem, ao menos uma vez, já tenha participado de alguma manifestação de protesto dificilmente desconhece a seguinte frase: "O povo unido jamais será vencido". Como palavras de ordem elas precisam de uma rima para que sejam facilmente assimiláveis, portanto, é apenas como necessidade de rima que deve ser interpretado o termo "unido" na referida frase, pois "povo unido" é redundância. Afinal, se "povo é um conjunto de pessoas racionais unidas por um mesmo sonho", se não houver união não é povo.
A frase de Santo Agostinho fala em pessoas racionais. Ou seja, para ser racional não basta ser pessoa, ao contrário do que pensa (sic) a maioria. Não, racionalidade não é um atributo que toda e qualquer pessoa traz "de fábrica", e sim uma qualidade trazida apenas por espíritos mais evoluídos, mas que para os demais é algo que precisa ser desenvolvido. E precisa muito, pois racionalidade é algo imprescindível para nos tornarmos capazes de perceber que a tal da qualidade de vida (que a maioria busca pensando apenas em si) é algo que jamais será conseguido enquanto não nos interessarmos pela coletividade na qual estamos inseridos. Como diz aquela frase atribuída ao imperador Marco Aurélio: "O que não convém ao enxame não convém tampouco à abelha". Olha o raciocínio sistêmico aí, gente! Não, não dá para fugir dele. Nem do raciocínio sistêmico, nem do que afirma Rodrigo Bittencourt no parágrafo abaixo.
"Quem faz o país é quem mora dentro dele, somos nós os culpados pelo que há de bom e de ruim aqui. Não importa se chamamos de Brasil, de Vera Cruz, de Bulgária ou de Ugnab do Norte. Essa fórmula escapista nos trouxe e ainda nos trará muitos problemas, porque é muito mais fácil jogar a culpa num símbolo do que resolver de fato as coisas. Não adianta fugir disso. Se as ruas do Rio estão sujas é porque nós sujamos. Se o trânsito de São Paulo é insuportável é porque nós compramos carros demais e colocamos nas ruas, (...)."
Sim, "é muito mais fácil, e conveniente, nos alienarmos (lembram do que foi dito nos dois primeiros parágrafos?), pois ao achar que nada temos a ver com os problemas nos eximimos da obrigação de resolvê-los. Agir assim, ou melhor, deixar de agir, é muito mais fácil, mas a verdade é que "essa fórmula escapista nos trouxe e ainda nos trará muitos problemas".
Que país é esse? É essa a pergunta que intitula o excelente artigo de Rodrigo Bittencourt. Pergunta que eu respondo assim: é o país resultante de todas as ações e omissões praticadas, até hoje, por todos os que já moraram e por todos que ainda "moram dentro dele". Mas como a vida continua, existe, no meu entender, uma pergunta que deveria despertar ainda mais o nosso interesse: Que país será esse? E para esta pergunta, minha resposta é a seguinte: Será o país resultante de todas as ações praticadas, de hoje em diante, por todos os que moram e por todos que ainda vierem a "morar dentro dele".
"Gostei muito do texto de Rodrigo Bittencourt e discordo apenas quando ele diz que "sempre achou engraçada essa nossa visão de que morando fora do Brasil tudo se resolverá". Não, não vejo graça alguma em tal visão, pois acho-a, simplesmente, lamentável. Não sei o quão incrível seja a Suíça, mas concordo com Rodrigo quando diz que "os suíços é que fizeram a Suíça se tornar incrível". E pelo que entendi do texto, para Rodrigo, suíço é "quem mora dentro" da Suíça. São dele as seguintes palavras: "Para completar, não me sinto brasileiro, americano ou francês, ou seja lá o que esses nomes queiram dizer. O que quero é fazer andar o lugar em que vivo, seja ele qual for, que tenha o nome que for."
Sim, independentemente de onde se tenha nascido ou de onde se tenha vindo, o que se deve "querer é fazer andar o lugar em que se vive", pois seja qual for o país em que se vive, "o que faz a diferença são as pessoas agindo dentro dele, pois o modo como nos organizamos e nos responsabilizamos por nossas atitudes é que leva qualquer lugar para frente."
Portanto, interessar-se em encontrar um "modo como nos organizamos e nos responsabilizamos por nossas atitudes que seja capaz de levar para frente o lugar em que se esteja" é um convite extensivo a todos os que vivem neste país; inclusive àqueles que, seja lá por qual motivo for, desejariam estar vivendo em outro. "Não, não é a Suíça que é um lugar incrível, os suíços é que fizeram a Suíça se tornar incrível. Se assumirmos, podemos transformar o Brasil numa Suíça melhorada.", diz Rodrigo Bittencourt.
Mas como a vida é feita de escolhas, nós podemos assumir ou não. E como cada escolha traz com ela suas respectivas consequências, é, simplesmente, imprescindível capricharmos em nossas escolhas, pois são elas que determinarão o tipo de país onde nós e nossos descendentes (que dizemos amar) passaremos o restante de nossas vidas: uma Suíça melhorada ou uma "sei lá o que" piorada. E em ambos os casos nós teremos responsabilidade sobre as consequências, pois transformar o Brasil numa Suíça melhorada jamais será possível sem a nossa participação e para transformá-lo em uma "sei lá o que" piorada basta a nossa omissão, ou, em outras palavras, a nossa antiga atração pela "fórmula escapista" citada em Que país é esse?
Em um filme intitulado Cidade da Esperança (lançado em 1992), há uma cena na qual uma personagem diz algo mais ou menos assim. "Na vida temos três opções: fugir, observar, participar". Infelizmente, diante do que foi dito até aqui não me parece difícil concluir que a última é a menos escolhida. E como esperança requer participação, a falta de participação implica na falta de esperança. E ao falar em falta de esperança eu encerro esta já longa postagem, reviso-a (visando reduzir a quantidade de erros de português), publico-a e começo a trabalhar na próxima. Será que ela terá alguma coisa a ver com o final desta?

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