Esta
postagem foi provocada pela ocorrência, no curto período compreendido entres os
dias 12 e 21 do mês passado, dos três episódios relatados a seguir.
12 de janeiro. Em um evento comemorativo de quarenta anos
de casamento de um dos primos da minha esposa, ao argumentar que muitas das
coisas lamentáveis existentes neste mundo dito civilizado resultam de práticas
condenáveis daquele país que considera-se dono deste planeta, ouvi do marido de
uma das minhas sobrinhas a opinião de que se não fosse aquele seria outro o país
a usar tais práticas, pois o ser humano é assim mesmo e que este mundo jamais
será transformado em algo que preste. Eu disse que o que torna qualquer coisa
realizável, ou não, é o fato de se acreditar, ou não, que ela seja possível e
que até existe uma conhecida citação atribuída a Henry Ford que fala sobre isso.
Então, ele disse que conhece tal citação e a pronunciou: "Se você acredita que
pode, você está certo. Se você acredita que não pode, também está certo". Ou
seja, ele conhece, mas não acredita em algo tão facilmente demonstrável. Se
você acredita que pode, você empenha-se em agir e, consequentemente, consegue o
que quer. Se você acredita que não pode, você nada faz e, consequentemente,
nada consegue. Simples assim.
16 de janeiro. Após um almoço com a minha esposa e uma de
suas melhores amigas, ao argumentar que a atual prática de os filhos
permanecerem por um período cada vez longo na casa dos pais (em vez de
assumirem suas próprias vidas) é algo do qual tanto pais quanto filhos algum dia
se arrependerão, ouvi da amiga a opinião de que agora as coisas são assim e que
o que temos a fazer é nos conformar com isso.
21 de janeiro. Em resposta a um e-mail enviado para a minha
seleta lista de destinatários (tão seleta que um deles, indevidamente, usa-a
para enviar e-mails dele) contendo uma tirinha do brilhante cartunista André
Dahmer, composta por três quadrinhos nos quais é apresentado o seguinte diálogo
- "O mundo ficará cada vez menor. / Internet e computadores? / Grades e muros."
-, recebi um e-mail com a seguinte mensagem:
"Nossa... é isso mesmo ... e sem muita perspectiva de ser diferente
disso..."
Por que resolvi elaborar
uma postagem a partir desses episódios? Por haver nos três a evidência de algo bastante
lamentável: o abandono da esperança de que seja possível construir uma versão
revista e melhorada deste insano mundo em que vivemos. Afinal, para quem mantém
um blog cuja intenção é "espalhar ideias que ajudem a interpretar a vida e
provoquem ações para torná-la cada vez melhor" é muito triste encontrar pessoas
que tenham abandonado a esperança, pois uma consequência imediata desse abandono
é a atitude de eximir-se de uma responsabilidade considerada intransferível
pelo escritor e ativista americano James Baldwin (1924-1987). Concordo
plenamente com ele quando diz que "Somos responsáveis pelo mundo no qual nos
encontramos, pelo simples fato de que somos a única força consciente capaz de
transformá-lo". Sim, somos a única força
consciente capaz de transformar esta insana sociedade em uma boa sociedade,
e aqui eu recorro a uma passagem do livro Magia
& Gestão, de Geraldo R. Caravantes e Wesley E. Bjur:
"A boa sociedade
não é uma dádiva, mas trata-se de um processo de construção coletivo, em que as
boas organizações (lembre-se de que vivemos em uma sociedade
organizacional) serão seus esteios. Por outro lado, entendem os autores que
estas ficções legais, que chamamos organizações, são decorrência, por
sua vez, de indivíduos que nelas atuam e, muito especialmente de suas
lideranças. Ou, raciocinando pelo inverso: não vemos como obter uma sociedade
saudável sem organizações saudáveis; nem tampouco organizações com alto
desempenho, povoadas por indivíduos infelizes, subutilizados, impossibilitados
de preencherem seu potencial. Entendemos e compartilhamos a visão de Aldous
Huxley de que 'o objetivo da vida humana é concretizar potencialidades
individuais ao máximo de seus limites.'"
Não, não há como obter uma sociedade saudável a partir
de indivíduos infelizes, subutilizados, impossibilitados de preencherem seu
potencial. E a impossibilidade de preenchê-lo começa com o abandono da esperança.
E ao falar em abandono da esperança lembro Dante Alighieri. Em seu livro A Divina Comédia ele coloca no portal do inferno uma inscrição da qual
consta a seguinte afirmação: "abandone toda esperança aquele que por aqui
entrar". Se entrar no inferno implica em abandonar toda a esperança, será
que a recíproca é verdadeira? Ou seja, será que abandonar toda esperança significa
entrar no inferno? Depende. Depende do que se entende por inferno. Para os que acreditam
que inferno seja um lugar onde se é submetido a torturas e castigos físicos,
não, mas para os que (como eu) acreditam que inferno seja um estado íntimo, ou
melhor, um estado de consciência, a recíproca é verdadeira. Aliás, no meu
entender, ela talvez seja até mais verdadeira do que a própria proposição. Não,
não é ao entrar no inferno que se abandona toda esperança; é ao abandonar toda
esperança que se entra no inferno.
E Dante
Alighieri diz mais: "Os lugares mais quentes do inferno são destinados aos que, em tempo de grandes crises,
mantêm-se neutros." E o que é manter-se neutro? É abster-se de lutar para
debelar as grandes crises. Abster-se usando, equivocadamente, o pretexto de ter
perdido toda esperança, pois esperança não é algo que se perde; é algo que se
abandona. Vocês compreendem que existem diferenças entre perder e abandonar? Uma
delas é a seguinte: perder é ficar sem algo que nos foi tirado, embora tenhamos
agido no sentido de mantê-lo; abandonar é conformar-se em perdê-lo sem nada
termos feito com a finalidade de mantê-lo, ou seja, é uma espécie de
conformismo. Compreendido?
Se em algum momento da leitura desta postagem passou-lhes
pela cabeça que eu não tenho momentos de desesperança, esse foi um momento em
que vocês se equivocaram, pois eu também os tenho. A diferença é que aprendi a
lidar com eles. E desse aprendizado faz parte a seguinte afirmação:
"Pousar em nossa cabeça é algo que um pássaro pode fazer sem nosso
consentimento, mas nela fazer um ninho só é possível com a nossa permissão." Com
ela, aprendi que cabe a mim espantar os momentos de desesperança que por
desventura resolvam pousar em minha cabeça. E para espantá-los, uma das coisas
que uso bastante é uma passagem do livro A
Mosca Azul, de Frei Betto, apresentada nos três próximos parágrafos.
"Às vezes também tenho
vontade de mandar tudo às favas. Pensa que não me invadem esse sentimento de
frustração, essa amargura oca, essa acidez na boca da alma? Sim, tem hora em
que me canso de carregar ladeira acima essa esperança esburacada. Tem hora em
que me sinto Prometeu acorrentado, mas sem revolta, agradecido por ter as mãos
atadas. E a única coisa que me passa pela cabeça é embriagar-me de alienação e
ficar na varanda, contemplando silenciosamente a cidade lá embaixo, miríades de
cristais reluzindo impessoais, anônimos, indiferentes ao meu estupor.
É muito frustrante
semear esperanças. São grãos miúdos, delicados, quase invisíveis, ora plantados
no caminho acidentado, ora num coração angustiado, sempre no terreno árido da
pobreza insolente. E depois vem o árduo trabalho de regar todos os dias, ver
emergir o primeiro broto, um fiapo de verde aflorando sobre a terra negra, e a
gente é tomado por esse sentimento feminino do querer cuidar e começa então a
acreditar que a primavera existe.
A esperança é um
pássaro em voo permanente. Segue adiante e acima de nossos olhos, flutua sob o
céu azul, não se lhe opõe nenhuma barreira. É assim em
tudo aquilo que se nutre de esperança: o amor, a educação de um filho, o sonho
de um mundo melhor. A esperança é uma fênix. Sempre a renascer das cinzas."
Que belas e
estimuladoras palavras, não? Sim, a
esperança é um pássaro em voo permanente. A esperança é uma fênix. Sempre a
renascer das cinzas. A renascer das cinzas em que várias vezes nossos
desvarios a transformaram. E renascida das cinzas, ela é algo que sempre nos
acompanhou, pois se não fosse assim jamais teríamos chegado até aqui. E ao falar
em ter chegado até aqui percebo que esta postagem já atingiu um tamanho capaz
de desestimular aqueles leitores de fôlego mais curto. Portanto, fiquemos por
aqui e deixemos para falar mais sobre esperança na próxima postagem, pois a "a
esperança nos acompanha".
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