terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

A esperança nos acompanha

Que a vida é uma caixinha de surpresas é algo que se pode aprender ao ouvir a história de Joseph Climber. Que ela é também uma caixinha de coincidências é algo que se descobre a partir do momento em que se aprende a prestar atenção ao que ocorre ao nosso redor. Foi por ser um praticante desse tipo de atenção que, enquanto elaborava a postagem anterior (Inferno e abandono da esperança), vi sair da caixinha a coincidência que fez com que fosse esta a próxima postagem, e eu explico.
Em uma de minhas raras idas ao Centro da cidade (a aposentadoria dispensou-me da obrigação de frequentar regularmente essa região cada vez mais conturbada), estive por lá no dia 7 de fevereiro para um almoço comemorativo do aniversário de uma ex-colega muito querida por aqueles que sabem identificar quando uma pessoa é especial. E foi nesse dia, na volta para casa, que ocorreu a coincidência relatada a seguir.
Ao optar por pegar o ônibus em um ponto diferente do costumeiro, acabei passando em frente à antiga e tradicional livraria Padrão, fundada, em 1973, pelo livreiro Alberto Abreu, na Rua Miguel Couto número 40, onde lá estão até hoje – a livraria e o livreiro. E ao passar em frente, senti vontade de entrar. Entrei, e, quase imediatamente, dei de cara com um livro que só pode ter sido colocado naquele expositor com a intenção de que eu o enxergasse facilmente. Um livro daqueles que quem interage, ou interagiu, comigo (não uso a expressão quem me conhece, pois conhecer alguém é algo impossível), se o visse, diria que ele tem a minha "cara".
Atraído pelo título, peguei-o, dei uma rápida olhada em suas "orelhas" e na primeira delas lá estava uma revelação do autor de que sua intenção foi escrever textos reflexivos sobre variados assuntos. Textos reflexivos! Ou seja, segundo uma das "orelhas" do livro, ele, realmente, tem a minha "cara". Feito isso, dei uma olhada no índice e a seguir abri o livro em uma página qualquer para ler um de seus textos reflexivos. E foi aí que surgiu a coincidência, pois dei de cara com um texto que tem tudo a ver com a postagem (Inferno e abandono da esperança) na qual eu estava trabalhando, e que foi publicada na quarta-feira da semana seguinte. O título do texto? A esperança nos acompanha.
O título do livro? Discutindo a Vida – A arte de pensar diferente. A editora? Pontes Editores. O autor? Eduardo Morais, professor de Filosofia que lecionou na rede pública e particular do Estado de São Paulo. Resumindo: um livro de uma editora não muito conhecida e de um autor idem. Por que será que ele estava naquele expositor naquele momento? Porque eu passaria por lá para nele encontrar um "texto reflexivo" que seria perfeito para dar sequência à postagem que estava elaborando. Vocês concordam que foi uma tremenda coincidência? E se coincidências são percebidas quando se está atento ao que ocorre ao nosso redor, que tal ler com atenção o texto reflexivo trazido por essa coincidência?
A esperança nos acompanha
Onde há ser humano há esperança em relação ao futuro do mundo, da sociedade e da vida. Não é possível conceber a existência humana sem sonho, sem utopia, sem esperança. A esperança humana é uma dimensão que faz parte do nosso ser-no-mundo.
Desde que fomos lançados na aventura da existência, a esperança nos é indispensável na construção do nosso Ser, por estar intrinsecamente ligada ao nosso corpo e à nossa mente. Podemos dizer que a esperança é uma necessidade ontológica. O fato é que o ser humano não poderia ser sem mover-se na esperança.
Ao estudar a história da humanidade, percebemos que todos os grupos humanos, em diferentes épocas, cultivaram esperanças em relação ao futuro, sonhando com a liberdade, com um mundo de justiça, de respeito à vida, enfim, esperança de uma vida melhor tanto na esfera pessoal como na coletiva.
Constata-se que é na esperança que encontramos coragem para lutar contra os grandes horrores e barbáries presentes na história humana. Na mitologia grega, quando Pandora abriu a caixa onde Zeus havia aprisionado todos os males e as misérias deste mundo, o que restou bem no fundo da caixa foi a esperança. É este tesouro guardado no fundo da caixa que nos motiva a lutar sempre e acreditar, apesar de todos os males que escaparam da caixa de Pandora, na possibilidade de amenizar, vencer os males, os sofrimentos deste mundo.
Todavia, nosso tempo vive uma escassez de esperança. As pessoas não se entendem mais, fala-se na morte das utopias, no fim do mundo. Assistimos, diariamente, à intolerância da humanidade da qual fazemos parte. Paira no ar uma apatia, uma angústia constante, uma depressão nos ameaçando a todo o momento, desencanto amoroso, vazio existencial, o tédio da vida sem graça, desertos na alma e necessidade de fuga do mundo. As pessoas não acreditam mais no futuro e nem nelas mesmas. Até parece que os horizontes de esperança foram deletados. Quem cultiva a esperança é considerado um ingênuo frente à dureza dos fatos apresentados pela realidade cotidiana. Não confiamos mais nas pessoas e nem nas instituições.
A consequência imediata é a indiferença e o esvaziamento dos projetos coletivos. Segundo o filósofo e educador Sérgio Trombetta, nossa cidadania é medida pelo poder de consumo, pelo número de cartões de crédito, pelo automóvel que temos. Qual será o nosso futuro?
O imperativo ético da ação é substituído pela acomodação e espera resignada e fatalista. Essa crise de esperança acaba gerando uma cultura na qual tudo se torna normal e banal. Estamos nos acostumando com tudo. Não somos mais capazes de tremer de raiva frente a uma injustiça, estamos perdendo a capacidade de nos indignar. Até os amantes estão tratando suas relações amorosas com superficialidade total, sem a menor compreensão e tolerância um com o outro. Trocam com facilidade de parceiros como se troca de sapato. Parece não acreditarem mais no amor e são incapazes de cultivar a esperança.
Paulo Freire não se cansou de lembrar o quanto a esperança é importante no processo de libertação dos seres humanos. Precisamos da esperança crítica, militante, solidária, como o peixe necessita da água despoluída. A esperança por si só não transforma o mundo. Mas sem esperança crítica não é possível lutar para transformar o mundo.
Portanto, o ser humano não é plenamente humano se não cultivar a esperança de um futuro melhor e se não agir para fazer deste mundo um lugar seguro para se viver, vamos desaparecer mais ou menos depressa. O mundo que nos espera não está por ser conquistado pela força, mas está para ser construído. Nessa tarefa de construir outro mundo possível, os sonhos, a esperança que não é espera, mas um fazer acontecer, é imprescindível. Como diz o cantor Geraldo Vandré numa de suas músicas: "Quem sabe faz a hora, não espera acontecer".
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Vocês lembram que a intenção do autor foi escrever textos reflexivos? Pois é.

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