Que a vida é uma caixinha de surpresas é algo que se pode aprender
ao ouvir a história de Joseph Climber. Que ela é também uma caixinha de
coincidências é algo que se descobre a partir do momento em que se aprende a
prestar atenção ao que ocorre ao nosso redor. Foi por ser um praticante desse
tipo de atenção que, enquanto elaborava a postagem anterior (Inferno e abandono da esperança), vi
sair da caixinha a coincidência que fez com que fosse esta a próxima postagem, e
eu explico.
Em uma de minhas raras
idas ao Centro da cidade (a aposentadoria dispensou-me da obrigação de
frequentar regularmente essa região cada vez mais conturbada), estive
por lá no dia 7 de fevereiro para um almoço comemorativo do aniversário de uma
ex-colega muito querida por aqueles que sabem identificar quando uma pessoa é
especial. E foi nesse dia, na volta para casa, que ocorreu a coincidência relatada
a seguir.
Ao optar por pegar o
ônibus em um ponto diferente do costumeiro, acabei passando em frente à antiga
e tradicional livraria Padrão, fundada, em 1973, pelo livreiro Alberto Abreu,
na Rua Miguel Couto número 40, onde lá estão até hoje – a livraria e o livreiro. E ao passar
em frente, senti vontade de entrar. Entrei, e, quase imediatamente, dei de cara com um
livro que só pode ter sido colocado naquele expositor com a intenção de que
eu o enxergasse facilmente. Um livro daqueles que quem interage, ou interagiu,
comigo (não uso a expressão quem me conhece, pois conhecer alguém é algo impossível), se o visse, diria que ele tem a minha "cara".
Atraído pelo título, peguei-o,
dei uma rápida olhada em suas "orelhas" e na primeira delas lá estava uma revelação
do autor de que sua intenção foi escrever textos reflexivos sobre variados
assuntos. Textos reflexivos! Ou seja, segundo uma das "orelhas" do livro, ele, realmente, tem a
minha "cara". Feito isso, dei uma olhada no índice e a seguir abri o livro em
uma página qualquer para ler um de seus textos reflexivos. E foi aí que surgiu a
coincidência, pois dei de cara com um texto que tem tudo a ver com a postagem (Inferno e abandono da esperança) na qual
eu estava trabalhando, e que foi publicada na quarta-feira da semana
seguinte. O título do texto? A esperança
nos acompanha.
A esperança nos acompanha
Onde há ser humano há
esperança em relação ao futuro do mundo, da sociedade e da vida. Não é possível
conceber a existência humana sem sonho, sem utopia, sem esperança. A esperança
humana é uma dimensão que faz parte do nosso ser-no-mundo.
Desde que fomos
lançados na aventura da existência, a esperança nos é indispensável na
construção do nosso Ser, por estar intrinsecamente ligada ao nosso corpo e à
nossa mente. Podemos dizer que a esperança é uma necessidade ontológica. O fato
é que o ser humano não poderia ser sem mover-se na esperança.
Ao estudar a história
da humanidade, percebemos que todos os grupos humanos, em diferentes épocas,
cultivaram esperanças em relação ao futuro, sonhando com a liberdade, com um
mundo de justiça, de respeito à vida, enfim, esperança de uma vida melhor tanto
na esfera pessoal como na coletiva.
Constata-se que é na
esperança que encontramos coragem para lutar contra os grandes horrores e
barbáries presentes na história humana. Na mitologia grega, quando Pandora
abriu a caixa onde Zeus havia aprisionado todos os males e as misérias deste
mundo, o que restou bem no fundo da caixa foi a esperança. É este tesouro
guardado no fundo da caixa que nos motiva a lutar sempre e acreditar, apesar de
todos os males que escaparam da caixa de Pandora, na possibilidade de amenizar,
vencer os males, os sofrimentos deste mundo.
Todavia, nosso tempo
vive uma escassez de esperança. As pessoas não se entendem mais, fala-se na
morte das utopias, no fim do mundo. Assistimos, diariamente, à intolerância da
humanidade da qual fazemos parte. Paira no ar uma apatia, uma angústia
constante, uma depressão nos ameaçando a todo o momento, desencanto amoroso,
vazio existencial, o tédio da vida sem graça, desertos na alma e necessidade de
fuga do mundo. As pessoas não acreditam mais no futuro e nem nelas mesmas. Até
parece que os horizontes de esperança foram deletados. Quem cultiva a esperança
é considerado um ingênuo frente à dureza dos fatos apresentados pela realidade
cotidiana. Não confiamos mais nas pessoas e nem nas instituições.
A consequência
imediata é a indiferença e o esvaziamento dos projetos coletivos. Segundo o
filósofo e educador Sérgio Trombetta, nossa cidadania é medida pelo poder de
consumo, pelo número de cartões de crédito, pelo automóvel que temos. Qual será
o nosso futuro?
O imperativo ético da
ação é substituído pela acomodação e espera resignada e fatalista. Essa crise de
esperança acaba gerando uma cultura na qual tudo se torna normal e banal.
Estamos nos acostumando com tudo. Não somos mais capazes de tremer de raiva
frente a uma injustiça, estamos perdendo a capacidade de nos indignar. Até os
amantes estão tratando suas relações amorosas com superficialidade total, sem a
menor compreensão e tolerância um com o outro. Trocam com facilidade de
parceiros como se troca de sapato. Parece não acreditarem mais no amor e são
incapazes de cultivar a esperança.
Paulo Freire não se
cansou de lembrar o quanto a esperança é importante no processo de libertação
dos seres humanos. Precisamos da esperança crítica, militante, solidária, como
o peixe necessita da água despoluída. A esperança por si só não transforma o
mundo. Mas sem esperança crítica não é possível lutar para transformar o mundo.
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Vocês lembram que a
intenção do autor foi escrever textos reflexivos? Pois é.
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