domingo, 15 de dezembro de 2013

A Grande Ilusão

Após duas postagens nas quais são espalhadas a importância de sonhar e a necessidade de sonhar juntos para que os sonhos se tornem realidade, este blog apresenta um texto que, no meu entender, ajuda muito a descobrir a origem dos pesadelos que assolam esta civilização (sic). E ao falar em origem dos pesadelos me vem à lembrança a sábia afirmação de Soren Kierkgaard: "A vida só pode ser vivida olhando para frente, mas só pode ser compreendida olhando para trás". Olhei para trás e enxerguei uma passagem inesquecível do livro A Busca da Solidão – A Cultura Americana no Ponto de Ruptura, de Philip Slater, publicado nos Estados Unidos em 1970, e no Brasil em 1977. Infelizmente, a busca que dá título ao livro teve êxito e hoje a solidão é um dos grandes males desta esta civilização onde as cidades são cada vez maiores e a solidão é diretamente proporcional ao tamanho das mesmas. Segue o que Philip Slater entende que seja A Grande Ilusão.
A Grande Ilusão
Poderíamos apresentar inúmeros exemplos das diversas formas pelas quais os norte-americanos buscam minimizar, restringir ou negar a interdependência em que se baseia a vida de todas as sociedades humanas. Buscamos uma residência privada, meios privados de transporte, um jardim privado, uma lavanderia privada, lojas de auto-serviço e habilidades que possamos praticar isoladamente. Tudo indica que uma imensa massa tecnológica dedica-se à tarefa de isolar um indivíduo do outro no curso de suas atividades diárias. No próprio meio familiar, os norte-americanos caracterizam-se pela ideia de que cada membro deve possuir um quarto separado e, sempre que economicamente possível, telefones, televisões e carros separados. Desejamos quantidades maiores de privacidade e, contudo, sentimo-nos alienados e solitários quando as conseguimos. E os contatos acidentais com que nos deparamos se nos afiguram como simples intromissão não apenas porque não os buscamos, mas igualmente porque tais contatos acham-se desvinculados de qualquer padrão familiar de interdependência.
Mais importante ainda, nossos encontros com outros indivíduos tendem, de forma crescente, a assumir feição competitiva na medida em que busquemos maior privacidade. Cada vez menos reunimo-nos com outros indivíduos com o propósito de partilhar e permutar; cada vez mais esses encontros assumem a feição de simples obstáculos ou transtornos, ou seja, engarrafando as auto-estradas, quando nos dirigimos às pressas a algum lugar, atravancando e causando confusão nas praias, parques e bosques, empurrando os demais nos supermercados, esgotando as vagas no estacionamento, poluindo a atmosfera e as águas, construindo edificações que bloqueiam a paisagem etc. Esbarramos uns nos outros porque cortamos as comunicações com os demais, o que leva ao aumento no desgaste em nossos contatos com terceiros.
A realização de um desejo resulta em estorvo se esse desejo é compartilhado com muitos outros indivíduos. Alegramo-nos com a abertura de uma nova estrada, capaz de reduzir em dez minutos o tempo necessário à chegada ao campo, mas nem por isso deixamos de congestioná-la, aumentando o tráfego e o tempo de viagem. Surpreendemo-nos continuamente com o fato de que milhares ou milhões de indivíduos desejam a mesma coisa que desejamos – que os seres humanos sentem calor no verão e frio no inverno. Os piores engarrafamentos de trânsito ocorrem exatamente quando a massa de turistas decide voltar mais cedo para casa de molde a evitar "os problemas de trânsito". Enamoramo-nos em demasia da fantasia individualista de que todas são, ou deveriam ser, diferentes – de que um homem poderia, de uma forma ou de outra, construir toda a sua existência em torno de uma única excentricidade sem aborrecer a si mesmo e aos demais. Todos nós possuímos nossos subterfúgios, responsáveis pela variedade aparente; ultrapassada a superfície, contudo, notamos que os seres humanos, possuem débeis fundamentos capazes de justificar suas alegações de que não são todos membros da mesma espécie.
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Essa é a íntegra da passagem que Philip Slater intitulou A Grande Ilusão. Passagem que é seguida por O Dilema da Liberdade da qual copiei o seguinte parágrafo por considerá-lo em perfeita sintonia com o que é dito na anterior.
O problema com o individualismo é que, embora não seja imoral, é certamente incorreto. O universo não se apresenta como um conjunto de partículas isoladas, mas sim como um todo interligado. Acreditar que nossos destinos sejam mutuamente independentes pode ser eticamente defensável, mas é algo perfeitamente estúpido. O pensamento individualista desemboca na produção de falsas dicotomias, do tipo "conformidade x independência", "altruísmo x egoísmo", "interiorizado x exteriorizado" etc., todos baseados no absurdo pressuposto de que o indivíduo pode ser encarado isoladamente do meio ambiente a que pertence.
Será que A Grande Ilusão merece, pelo menos, uma pequena reflexão?

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