Em conformidade com a
intenção deste blog (espalhar ideias que
ajudem a interpretar a vida e provoquem ações para torná-la cada vez melhor),
segue um texto extraído do blog de Daniel Duclos por Caio Braz que por sua vez
o publicou em seu blog com a solicitação de que seja compartilhado. Recebi-o
da minha filha acompanhado das seguintes palavras: "Pai, Acho que você vai
gostar bastante deste texto. É excelente!" Li-o e espalho-o, atendendo à solicitação de Caio, e lhes repassando as palavras de minha filha, acho que vocês vão gostar bastante deste texto.
Da relação direta
entre ter de limpar seu banheiro você mesmo e poder abrir sem medo um Mac Book
no ônibus
A sociedade holandesa tem dois pilares muito
claros: liberdade de expressão e igualdade. Claro, quando a teoria entra em
prática, vários problemas acontecem, e há censura, e há desigualdade, em alguma
medida, mas esses ideais servem como norte na bússola social holandesa.
Um porteiro aqui na Holanda não se acha
inferior a um gerente. Um instalador de cortinas tem tanto valor quanto um
professor doutor. Todos trabalham, levam suas vidas, e uma profissão é tão digna
quanto outra. Fora do expediente, nada impede de sentarem-se todos no mesmo bar
e tomarem suas Heinekens juntos. Ninguém olha pra baixo e ninguém olha por
cima. A profissão não define o valor da pessoa – trabalho honesto e duro é
trabalho honesto e duro, seja cavando fossas na rua, seja digitando numa
planilha em um escritório com ar condicionado. Um precisa do outro e todos
dependem de todos. Claro que profissões mais especializadas pagam mais. A
questão não é essa. A questão é "você ganhar mais porque tem uma profissão
especializada não te torna melhor que ninguém".
Profissões especializadas pagam mais, mas não
muito mais. Igualdade social significa menor distância social: todos se
encontram no meio. Não há muito baixo, mas também não há muito alto. Um lixeiro
não ganha muito menos do que um analista de sistemas. O salário mínimo é de
1300 euros/mês. Um bom salário de profissão especializada, é uns 3500, 4000
euros/mês. E ganhar mais do que alguém não torna o alguém teu subalterno: o
porteiro não toma ordens de você só porque você é gerente de RH. Aliás, ordens
são muito mal vistas. Chegar dando ordens abreviará seu comando. Todos ali
estão em um time, do qual você faz parte tanto quanto os outros (mesmo que seu
trabalho dentro do time seja de tomar decisões).
Esses conceitos são basicamente inversos aos
conceitos da sociedade brasileira, fundada na profunda desigualdade. Entre
brasileiros que aqui vêm para trabalhar e morar é comum – há exceções -
estranharem serem olhados no nível dos olhos por todos – chefe não te olha de
cima, o garçom não te olha de baixo. Quando dão ordens ou ignoram socialmente
quem tem profissão menos especializadas do que a sua, ficam confusos ao
encontrar de volta hostilidade em vez de subserviência. Ficam ainda mais
confusos quando o chefe não dá ordens – o que fazer, agora?
Os salários pagos para profissão especializada
no Brasil conseguem tranquilamente contratar ao menos uma faxineira diarista,
quando não uma empregada full time. Os salários pagos à mesma profissão aqui
não são suficientes pra esse luxo, e é preciso limpar o banheiro sem ajuda – e
mesmo que pague (bem mais do que pagaria no Brasil a) um ajudante, ele não
ficará o dia todo a te seguir limpando cada poeirinha sua, servindo cafezinho.
Eles vêm, dão uma ajeitada e vão-se a cuidar de suas vidas fora do trabalho,
tanto quanto você. De repente, a ficha do que realmente significa igualdade
cai: todos se encontram no meio,
e pra quem estava no Brasil na parte de cima, encontrar-se no meio quer dizer
descer de um pedestal que julgavam direito inquestionável (seja porque
"estudaram mais" ou "meu pai trabalhou duro e saiu do nada" ou qualquer outra
justificativa pra desigualdade).
Porém, a igualdade social holandesa tem um
outro efeito que é muito atraente pra quem vem da sociedade profundamente
desigual do Brasil: a relativa segurança. É inquestionável que a sociedade
holandesa é menos violenta do que a brasileira. Claro que aqui há violência –
pessoas são assassinadas, há roubos. Estou fazendo uma comparação, e menos
violenta não quer dizer "não violenta".
O curioso é que aqueles brasileiros que
queixam-se amargamente de limpar o próprio banheiro, elogiam incansavelmente a
possibilidade de andar à noite sem medo pelas ruas, sem enxergar a relação
entre as duas coisas. Violência social não é fruto de pobreza. Violência social
é fruto de desigualdade social. A sociedade holandesa é relativamente pacífica
não porque é rica, não porque é "primeiro mundo", não porque os holandeses
tenham alguma superioridade moral, cultural ou genética sobre os brasileiros,
mas porque a sociedade deles tem pouca desigualdade. Há uma relação direta
entre a classe média holandesa limpar seu próprio banheiro e poder abrir um Mac
Book de 1400 euros no ônibus sem medo.
Eu, pessoalmente, acho excelente os dois
efeitos. Primeiro porque acredito firmemente que a profissão de alguém não têm
qualquer relação com o valor pessoal. O fato de ter "estudado mais", ter
doutorado, ou gerenciar uma equipe não te torna pessoalmente melhor que
ninguém, sinto muito. Não enxergo a superioridade moral de um trabalho honesto
sobre outro, não importa qual seja. Por trabalho honesto não quero dizer
"dentro da lei" - não considero honesto matar, roubar, espalhar veneno,
explorar ingenuidade alheia, espalhar ódio e mentira, não me importa se seja
legalizado ou não. O quanto você estudou pode te dar direito a um salário maior
– mas não te torna superior a quem não tenha estudado (por opção, ou por falta
dela). Quem seu pai é ou foi não quer dizer nada sobre quem você é. E nada, meu
amigo, nada te dá o direito de ser cuzão. Um doutor que é arrogante e desonesto
tem menos valor do que qualquer garçom que trata direito as pessoas e não
trapaceia ninguém. Profissão não tem relação com valor pessoal.
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"Excelente texto extraído do blog de Daniel Duclos,
brasileiro que atualmente mora na Holanda. De uma lucidez impressionante",
diz Caio Braz na apresentação do texto em seu blog. É muito bom saber que ainda
existem (e creio que sempre existirão) pessoas com lucidez suficiente para
enxergar o que há de melhor em uma sociedade estrangeira na qual passaram a
viver. E que enxergando o que nela há de melhor resolvem compartilhá-lo com
seus conterrâneos com a intenção de lhes oferecer a possibilidade de aplicá-lo
na melhoria de sua própria sociedade.
Concordo plenamente
com Daniel Duclos quando diz "Violência social não é fruto de pobreza.
Violência social é fruto de desigualdade social. A sociedade holandesa é
relativamente pacífica não porque é rica, não porque é "primeiro
mundo", não porque os holandeses tenham alguma superioridade moral,
cultural ou genética sobre os brasileiros, mas porque a sociedade deles tem
pouca desigualdade". Ou seja, viver em uma sociedade relativamente pacífica como a holandesa requer a construção de uma
sociedade onde haja pouca desigualdade.
Logo, nessa linha de raciocínio, viver em uma sociedade absolutamente pacífica, algo com nenhum exemplo nesta
civilização (sic), requer a construção de uma sociedade onde haja nenhuma desigualdade.
Na penúltima frase de seu
texto, intitulado Da relação direta (...),
Daniel Duclos diz que há um preço a pagar pela saúde social. No resumo do meu
perfil apresentado no blog, digo que "A qualidade de uma sociedade é
resultado das ações de todos os seus componentes." Uma mescla de tais coisas
resulta na seguinte afirmação: A qualidade de uma sociedade tem relação direta
com o preço que todos os seus componentes se disponham a pagar pela saúde
social. Isto faz sentido para vocês?
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