Considerando
que tudo na vida é parte de um todo interdependente, parece-me óbvio que toda e
qualquer mudança em algum aspecto da vida provocará reflexos em outros. Portanto,
refletir sobre Espaços urbanos é algo
que precisa ser feito simultaneamente com reflexões sobre o comportamento dos
integrantes das cidades; seus desenvolvimentos moral e espiritual; o desenvolvimento
tecnológico alcançado por esta civilização etc. E para começar minhas reflexões uso as seguintes palavras de Frei Betto:
"Observe esses detalhes: casas antigas têm a porta de entrada colada na calçada. Tempo em que havia quintais e os moradores punham cadeiras na calçada para um dedo de prosa à hora do crepúsculo. A sala de visitas, e mesmo quartos, davam diretamente para a rua, já que quase não havia ruído exterior.Aos poucos, as casas recuaram das calçadas. Trocou-se o quintal da parte de trás pelo jardim na parte da frente. O ruído de bondes, ônibus, caminhões, exigiu sala na ala posterior e quartos nos fundos."
Ou seja, o ruído introduzido
pelo desenvolvimento tecnológico exigiu mudanças nos desenhos
das casas e que, aos poucos, elas recuassem das calçadas. Calçadas que hoje
pertencem aos automóveis. Mas além do desenvolvimento tecnológico, outros
fatores alteraram a "cara" das casas. E mais uma vez uso palavras de Frei Betto.
"A explosão urbana e sua violência desfiguraram o casario. Agora, com seus muros altos e grades intransponíveis, as casas escondem a "cara". Muitas adotam perfil penitenciário: cercas eletrificadas, câmeras de vigilância, portões acionados por controle remoto etc. Algumas têm até guaritas e holofotes para clarear a calçada quando alguém transita ali.Os prédios verticalizaram os moradores e, na medida do possível, abriram espaços para eles evitarem ao máximo transitarem neste lugar "perigoso" chamado rua. Assim, surgiram edifícios de luxo dotados de piscina, academia de ginástica, playground, churrasqueira, salão de festa etc."
A explosão urbana e
sua violência desfiguraram o casario, diz Frei Betto. E entre o casario desfigurado
entendo que devem ser incluídos os condomínios segregativos que passaram a ser
construídos. Condomínios que passaram a contribuir para a violência, pois
concordo com o que foi dito por José Armênio Brito Cruz, presidente do
departamento paulista do IAB (Instituto de Arquitetos do Brasil), em uma
entrevista, publicada na edição de 4 de junho de 2012 do jornal Folha de S.Paulo, intitulada Integrar as pessoas da cidade coíbe a
violência: "A segregação, tecnicamente, aumenta a violência. Seja a
segregação do rico no condomínio, seja a reprodução disso nas camadas mais
pobres. A integração é contra a violência."
E Frei Betto diz mais: Muitas casas
adotam perfil penitenciário. Eis uma afirmação que me choca
profundamente, pois é assim que enxergo o estágio atual desta
civilização (sic): um enorme conjunto de penitenciárias ao avesso. Por que ao
avesso? Porque são lugares onde os que julgam-se melhores trancafiam-se para
protegerem-se da bandidagem que transita
neste lugar "perigoso" chamado rua. Ou seja, nesta estranha civilização, os
que julgam-se "melhores" ficam presos e os considerados bandidos ficam soltos. Sinistro,
não? Sim, mas inteiramente em conformidade com o mundo em que sobrevivemos: um mundo
de pernas pro ar. Aliás, De Pernas Pro Ar – A Escola do Mundo ao
Avesso é o título de um livro imperdível
do extraordinário Eduardo Galeano.
Em termos de locais onde morar, o problema de transitar
neste lugar "perigoso" chamado rua, foi resolvido (sic) com condomínios dotados de piscina, academia
de ginástica, playground, churrasqueira, salão de festa etc. E em termos de
locais onde comprar, como foi? Seguindo a mesma linha usada em relação à
moradia: centralizando em um determinado espaço. Foi assim que surgiram,
inicialmente, o supermercado e, posteriormente, o shopping center. Mas o tempo
passou, a solução degradou e uma nova solução precisou ser encontrada. Então,
pelo que entendi do que li no final do artigo de Frei Betto, a solução
encontrada conjuga as ideias de supermercado e de shopping center, e sendo
assim foi denominada super shopping. Das palavras de Frei Betto, referentes
à nova solução, selecionei as seguintes:
"Agora surge um novo conceito: o Atoll, um super shopping (71 mil metros quadrados) erguido próximo à cidade francesa de Angers. (...) Além de 60 lojas e 12 restaurantes, o Atoll abriga academias de ginástica, salão de beleza, playground, parques com fontes, árvores e alamedas ajardinadas.(...) A filosofia de marketing do Atoll é simples: saia de sua casa apertada, do estresse familiar, e ingresse no Jardim do Éden do consumismo, onde você desfrutará de requinte, espaço verde, atenção de elegantes recepcionistas. Em suma, o Atoll vende algo mais que produtos materiais: a ilusão de que o consumidor se iguala em status àqueles que têm alto poder aquisitivo.Ora, como em sociedade de classes sonhos e ambições são socializados, mas não o acesso real a eles, o Atoll oferece um lounge a quem gasta pelo menos 1.500 euros, onde o consumidor tem acesso gratuito a internet, bebidas, revistas e jornais, máquinas de café expresso e até fraldário."
Intrigante, não? Algumas
das atrações do super shopping - parques com fontes, árvores e alamedas
ajardinadas - são, exatamente, coisas que existiam nas antigas ruas, mas que
foram derrubadas para dar lugar à insaciável necessidade de vias para carros e aos
próprios shoppings centers, e também para criar condições favoráveis à
especulação imobiliária.
Segundo Frei Betto, em suma, o Atoll vende algo mais que produtos
materiais: a ilusão de que o consumidor se iguala em status àqueles que têm
alto poder aquisitivo. Sim, mais que produtos materiais, em sociedade de
classes o que se vende são sonhos e ilusões, embora o que se entregue sejam pesadelos
e desilusões. E ao falar em ilusões e desilusões, lembro das palavras finais de
Frei Betto:
"Pelo andar da carruagem, não ficarei surpreso se os shoppings do futuro oferecerem serviço de hotelaria, permitindo que o consumidor, abraçado a seu individualismo, se livre do convívio familiar."
Livrar-se
do convívio! Não apenas do convívio familiar, mas de qualquer outro que não
seja conveniente aos seus mesquinhos interesses é o grande sonho de uma enorme quantidade de integrantes da tal espécie inteligente do Universo.
Espécie que até o atual estágio desta insana civilização tem procurado
solucionar a questão do convívio fugindo dele por meio de
segregações. Segregações por origem de nascimento, por cor de pele, por
religião, por condição financeira etc.
E é por condição financeira
que (segundo um filme que está em cartaz) o auge da segregação será atingido em
2159. Segundo tal filme (Elysium), em 2159, o mundo será dividido entre dois grupos: o primeiro, riquíssimo,
morará na estação espacial Elysium,
enquanto o segundo, o pobre, viverá na Terra, que estará repleta de pessoas e
em grande decadência. Ou seja, incapazes de conviver em espaços urbanos os dotados de melhores condições financeiras
optarão por viver no espaço sideral. Opção que, de certa forma, faz bastante sentido: afinal para quem se considere um astro o lugar ideal para viver é o
espaço sideral, não é mesmo? Será que, algum dia, a pretensa espécie inteligente do Universo
conseguirá conviver pacificamente em espaços urbanos? Pelo andar da carruagem, parece-me
que não, pois o que tudo parece indicar é que, mais do que um filme, Elysium é uma profecia. Profecia cuja concretização poderá ser evitada se cada um de nós se dispuser a contribuir para mudar o andar da carruagem. Como
diz uma antiga música de Ivan Lins: Depende
de nós.
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