quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Reflexões provocadas por "Espaços urbanos"

Considerando que tudo na vida é parte de um todo interdependente, parece-me óbvio que toda e qualquer mudança em algum aspecto da vida provocará reflexos em outros. Portanto, refletir sobre Espaços urbanos é algo que precisa ser feito simultaneamente com reflexões sobre o comportamento dos integrantes das cidades; seus desenvolvimentos moral e espiritual; o desenvolvimento tecnológico alcançado por esta civilização etc. E para começar minhas reflexões uso as seguintes palavras de Frei Betto:
"Observe esses detalhes: casas antigas têm a porta de entrada colada na calçada. Tempo em que havia quintais e os moradores punham cadeiras na calçada para um dedo de prosa à hora do crepúsculo. A sala de visitas, e mesmo quartos, davam diretamente para a rua, já que quase não havia ruído exterior.
Aos poucos, as casas recuaram das calçadas. Trocou-se o quintal da parte de trás pelo jardim na parte da frente. O ruído de bondes, ônibus, caminhões, exigiu sala na ala posterior e quartos nos fundos."
Ou seja, o ruído introduzido pelo desenvolvimento tecnológico exigiu mudanças nos desenhos das casas e que, aos poucos, elas recuassem das calçadas. Calçadas que hoje pertencem aos automóveis. Mas além do desenvolvimento tecnológico, outros fatores alteraram a "cara" das casas. E mais uma vez uso palavras de Frei Betto.
"A explosão urbana e sua violência desfiguraram o casario. Agora, com seus muros altos e grades intransponíveis, as casas escondem a "cara". Muitas adotam perfil penitenciário: cercas eletrificadas, câmeras de vigilância, portões acionados por controle remoto etc. Algumas têm até guaritas e holofotes para clarear a calçada quando alguém transita ali.
Os prédios verticalizaram os moradores e, na medida do possível, abriram espaços para eles evitarem ao máximo transitarem neste lugar "perigoso" chamado rua. Assim, surgiram edifícios de luxo dotados de piscina, academia de ginástica, playground, churrasqueira, salão de festa etc."
A explosão urbana e sua violência desfiguraram o casario, diz Frei Betto. E entre o casario desfigurado entendo que devem ser incluídos os condomínios segregativos que passaram a ser construídos. Condomínios que passaram a contribuir para a violência, pois concordo com o que foi dito por José Armênio Brito Cruz, presidente do departamento paulista do IAB (Instituto de Arquitetos do Brasil), em uma entrevista, publicada na edição de 4 de junho de 2012 do jornal Folha de S.Paulo, intitulada Integrar as pessoas da cidade coíbe a violência: "A segregação, tecnicamente, aumenta a violência. Seja a segregação do rico no condomínio, seja a reprodução disso nas camadas mais pobres. A integração é contra a violência."
E Frei Betto diz mais: Muitas casas adotam perfil penitenciário. Eis uma afirmação que me choca profundamente, pois é assim que enxergo o estágio atual desta civilização (sic): um enorme conjunto de penitenciárias ao avesso. Por que ao avesso? Porque são lugares onde os que julgam-se melhores trancafiam-se para protegerem-se da bandidagem que transita neste lugar "perigoso" chamado rua. Ou seja, nesta estranha civilização, os que julgam-se "melhores" ficam presos e os considerados bandidos ficam soltos. Sinistro, não? Sim, mas inteiramente em conformidade com o mundo em que sobrevivemos: um mundo de pernas pro ar. Aliás, De Pernas Pro Ar – A Escola do Mundo ao Avesso é o título de um livro imperdível do extraordinário Eduardo Galeano.
Em termos de locais onde morar, o problema de transitar neste lugar "perigoso" chamado rua, foi resolvido (sic) com condomínios dotados de piscina, academia de ginástica, playground, churrasqueira, salão de festa etc. E em termos de locais onde comprar, como foi? Seguindo a mesma linha usada em relação à moradia: centralizando em um determinado espaço. Foi assim que surgiram, inicialmente, o supermercado e, posteriormente, o shopping center. Mas o tempo passou, a solução degradou e uma nova solução precisou ser encontrada. Então, pelo que entendi do que li no final do artigo de Frei Betto, a solução encontrada conjuga as ideias de supermercado e de shopping center, e sendo assim foi denominada super shopping. Das palavras de Frei Betto, referentes à nova solução, selecionei as seguintes:
"Agora surge um novo conceito: o Atoll, um super shopping (71 mil metros quadrados) erguido próximo à cidade francesa de Angers. (...) Além de 60 lojas e 12 restaurantes, o Atoll abriga academias de ginástica, salão de beleza, playground, parques com fontes, árvores e alamedas ajardinadas.
(...) A filosofia de marketing do Atoll é simples: saia de sua casa apertada, do estresse familiar, e ingresse no Jardim do Éden do consumismo, onde você desfrutará de requinte, espaço verde, atenção de elegantes recepcionistas. Em suma, o Atoll vende algo mais que produtos materiais: a ilusão de que o consumidor se iguala em status àqueles que têm alto poder aquisitivo.
Ora, como em sociedade de classes sonhos e ambições são socializados, mas não o acesso real a eles, o Atoll oferece um lounge a quem gasta pelo menos 1.500 euros, onde o consumidor tem acesso gratuito a internet, bebidas, revistas e jornais, máquinas de café expresso e até fraldário."
Intrigante, não? Algumas das atrações do super shopping - parques com fontes, árvores e alamedas ajardinadas - são, exatamente, coisas que existiam nas antigas ruas, mas que foram derrubadas para dar lugar à insaciável necessidade de vias para carros e aos próprios shoppings centers, e também para criar condições favoráveis à especulação imobiliária.
Segundo Frei Betto, em suma, o Atoll vende algo mais que produtos materiais: a ilusão de que o consumidor se iguala em status àqueles que têm alto poder aquisitivo. Sim, mais que produtos materiais, em sociedade de classes o que se vende são sonhos e ilusões, embora o que se entregue sejam pesadelos e desilusões. E ao falar em ilusões e desilusões, lembro das palavras finais de Frei Betto:
"Pelo andar da carruagem, não ficarei surpreso se os shoppings do futuro oferecerem serviço de hotelaria, permitindo que o consumidor, abraçado a seu individualismo, se livre do convívio familiar."
Livrar-se do convívio! Não apenas do convívio familiar, mas de qualquer outro que não seja conveniente aos seus mesquinhos interesses é o grande sonho de uma enorme quantidade de integrantes da tal espécie inteligente do Universo. Espécie que até o atual estágio desta insana civilização tem procurado solucionar a questão do convívio fugindo dele por meio de segregações. Segregações por origem de nascimento, por cor de pele, por religião, por condição financeira etc.
E é por condição financeira que (segundo um filme que está em cartaz) o auge da segregação será atingido em 2159. Segundo tal filme (Elysium), em 2159, o mundo será dividido entre dois grupos: o primeiro, riquíssimo, morará na estação espacial Elysium, enquanto o segundo, o pobre, viverá na Terra, que estará repleta de pessoas e em grande decadência. Ou seja, incapazes de conviver em espaços urbanos os dotados de melhores condições financeiras optarão por viver no espaço sideral. Opção que, de certa forma, faz bastante sentido: afinal para quem se considere um astro o lugar ideal para viver é o espaço sideral, não é mesmo? Será que, algum dia, a pretensa espécie inteligente do Universo conseguirá conviver pacificamente em espaços urbanos? Pelo andar da carruagem, parece-me que não, pois o que tudo parece indicar é que, mais do que um filme, Elysium é uma profecia. Profecia cuja concretização poderá ser evitada se cada um de nós se dispuser a contribuir para mudar o andar da carruagem. Como diz uma antiga música de Ivan Lins: Depende de nós.

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