Após uma postagem
alusiva ao Dia Mundial Sem Carro
(o dono da maioria dos espaços nas grandes cidades), este blog apresenta
um texto de Frei Betto que focaliza algumas mudanças ocorridas com os Espaços
urbanos, nas últimas oito décadas.
O texto foi publicado na edição de 12
a 18 de setembro do jornal Brasil de Fato e também em sua coluna dominical
no jornal O Dia, na edição de 15 de setembro de 2013.
Espaços urbanos
Restam nas cidades
brasileiras poucas casas erguidas antes de 1930. A especulação
imobiliária, associada à nossa insensibilidade à preservação da memória
histórica, derrubou-as quase todas.
Observe esses
detalhes: casas antigas têm a porta de entrada colada na calçada. Tempo em que
havia quintais e os moradores punham cadeiras na calçada para um dedo de prosa
à hora do crepúsculo. A sala de visitas, e mesmo quartos, davam diretamente
para a rua, já que quase não havia ruído exterior.
Aos poucos, as casas
recuaram das calçadas. Trocou-se o quintal da parte de trás pelo jardim na
parte da frente. O ruído de bondes, ônibus, caminhões, exigiu sala na ala
posterior e quartos nos fundos.
Ainda morei em casa de
esquina rodeada de jardim. O muro baixo era um detalhe estético. Criança, eu
preferia saltá-lo que atravessar o portão.
A explosão urbana e
sua violência desfiguraram o casario. Agora, com seus muros altos e grades
intransponíveis, as casas escondem a "cara". Muitas adotam perfil
penitenciário: cercas eletrificadas, câmeras de vigilância, portões acionados
por controle remoto etc. Algumas têm até guaritas e holofotes para clarear a
calçada quando alguém transita ali.
Os prédios verticalizaram
os moradores e, na medida do possível, abriram espaços para eles evitarem ao
máximo transitarem neste lugar "perigoso" chamado rua. Assim, surgiram
edifícios de luxo dotados de piscina, academia de ginástica, playground,
churrasqueira, salão de festa etc.
Havia, contudo, um
inconveniente para os moradores imbuídos da síndrome de agorafobia ou
dromofobia: teriam que sair à rua para se abastecer. Percorrer armazéns,
mercearias, quitandas, lojas.
Não combinava, porém,
o supermercado dispor de prateleiras de joias, sapatos e roupas. Criou-se,
então, o shopping center, onde se embute todo tipo de comércio, de supermercado
(dotado de verduras frescas) a artefatos de pesca, incluindo lanchonetes,
restaurantes e salas de cinema e espetáculos.
Agora surge um novo
conceito: o Atoll, um super shopping (71 mil metros quadrados) erguido próximo
à cidade francesa de Angers. Todo ele é "ecologicamente correto". Nenhuma
logomarca em sua carcaça de alumínio. Nada de poluição visual.
Além de 60 lojas e 12
restaurantes, o Atoll abriga academias de ginástica, salão de beleza,
playground, parques com fontes, árvores e alamedas ajardinadas. Enquanto os
pais fazem compras, as crianças brincam em grandes módulos ou assistem a DVDs
sob cuidados de funcionários especializados.
A filosofia de
marketing do Atoll é simples: saia de sua casa apertada, do estresse familiar,
e ingresse no Jardim do Éden do consumismo, onde você desfrutará de requinte,
espaço verde, atenção de elegantes recepcionistas. Em suma, o Atoll vende algo
mais que produtos materiais: a ilusão de que o consumidor se iguala em status
àqueles que têm alto poder aquisitivo.
Ora, como em sociedade
de classes sonhos e ambições são socializados, mas não o acesso real a eles, o
Atoll oferece um lounge a quem gasta pelo menos 1.500 euros, onde o consumidor
tem acesso gratuito a internet, bebidas, revistas e jornais, máquinas de café
expresso e até fraldário.
Pelo andar da
carruagem, não ficarei surpreso se os shoppings do futuro oferecerem serviço de
hotelaria, permitindo que o consumidor, abraçado a seu individualismo, se livre
do convívio familiar.
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Mais um texto de Frei Betto que dá o que pensar!
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