terça-feira, 9 de julho de 2013

Reflexões provocadas por "A face oculta do novo"

Vejo em A face oculta do novo, a interpretação de Lee Siegel sobre os fatores que contribuem para uma das tragédias recorrentes (uma das!) naquele país que arroga a si a pretensão de servir de modelo para o resto do mundo. Sim, é assim que ele vê os demais: apenas um resto cuja finalidade de existir se resume a contribuir para tornar possível o seu propalado modo de viver: AWOL – American Way of Life. Literalmente, modo de vida americano.
Mas, assim como na Contabilidade, tudo na vida tem uma contrapartida, e para aquele egoístico modo de vida (pois se fosse estendido à toda a humanidade esta seria extinta devido ao esgotamento dos recursos do planeta) a contrapartida é o que, à luz do artigo de Lee Siegel, eu denomino AWOD – American Way of Death. Literalmente, modo de morte americano. Segundo Siegel, mais pessoas nos Estados Unidos morrem hoje pelas próprias mãos do que em acidentes de carro.
Mas quais são, no entender de Siegel, os fatores que contribuem para que os americanos estejam se suicidando como nunca? Creio que os parágrafos abaixo (selecionados do artigo de Siegel) possibilitem identificar quais sejam eles.
"As verdadeiras razões por que o suicídio está em ascensão, em especial entre homens na faixa dos 50, são desconcertantes demais para serem abordadas diretamente. Isso porque são o lado obscuro de tendências que estão sendo constantemente comemoradas.
Comecemos pela desintegração familiar. De cada canto da sociedade comercial, ser solteiro é projetado como a existência ideal. O mercado prefere os consumidores apressados, propensos a gastar, a membros de famílias que tendem a poupar para o futuro. E gratificar os sentidos, todos os sentidos, é bem mais fácil quando não se está comprometido com outra pessoa.
Depois, há a internet, a invenção social mais impactante desde o automóvel. A web é direcionada para o indivíduo solitário, não para a família, ou mesmo o casal. As pessoas se conectam na rede por várias razões, é claro, algumas de cunho prático ou mundano, mas quem se conecta quase sempre o faz sozinho, para satisfazer um ou outro impulso. Nesse contexto, não é a solidão que pode levar alguém ao suicídio. É o fato de que ficar solitário se tornou uma condição tão normal que está ficando cada vez mais difícil estar com outras pessoas. Os desafios e complicações decorrentes de se estar envolvido com outros estão se tornando insuportáveis para psiques acostumadas à existência solitária, vivida diante de suas telas.
Além das décadas de desintegração familiar, as décadas de erosão de simplesmente todo tipo de autoridade também separam as pessoas das estruturas sociais que antes as sustentavam em tempos de dificuldade emocional. (...) Antigamente, uma pessoa angustiada podia recorrer a uma figura consoladora cuja competência fora sancionada pela sociedade. Agora, quando os salva-vidas sociais são todos acusados de não saber nadar, a sensação de não ter a quem recorrer ficou ainda mais aguda.
Mas como a maioria dos suicídios parece ser de homens na faixa dos 50 anos, a principal razão do seu desespero é a rápida obsolescência de seu tipo social. A obsessão americana pela juventude tornou esses homens invisíveis."
O mercado prefere os consumidores apressados, propensos a gastar, a membros de famílias que tendem a poupar para o futuro. Esta afirmação de Lee Siegel me faz lembrar algo que li em uma reportagem de Luiz Carlos Merten (enviado especial ao Festival de Cannes) publicada na edição de 23 de maio de 2012 do jornal O Estado de S. Paulo. Ao opinar sobre um filme intitulado Killing Them Softly (no Brasil, O Homem da Máfia), no qual Andrew Dominik faz críticas aos EUA, e traz como protagonista Brad Pitt, no papel do detetive Jackie Cogan, ele diz o seguinte: "Mas a América, reflete Cogan, não é uma nação. É um negócio, business".
Tudo a ver, não? Afinal, para algo que é um negócio, nada melhor do que estimular o estilo de vida solitário, pois o não comprometimento com outra(s) pessoa(s) leva à carência afetiva que por sua vez leva ao consumismo insanamente acelerado (conforme expressão usada por Siegel), em uma tentativa equivocada de satisfazer com coisas a carência de sentimentos. E entre tais coisas a tecnologia ocupa lugar de destaque, principalmente a tecnologia da informação que, segundo palavras de Siegel, implica na mudança para uma economia da informação.
Capaz de oferecer aos seus aficionados um sem número de possibilidades de simulações, a tecnologia da informação acaba simulando uma vida feliz, repleta de amigos e de coisas e atividades excitantes. Mas como tudo não passa de simulação, pode ser que um dia o indivíduo venha a cair na realidade e na queda, muitas vezes, ele acabe atentando contra a própria vida.
Outro fator citado por Siegel é a obsessão americana pela juventude. Obsessão, no meu entender, totalmente equivocada diante do cada vez mais propalado aumento da longevidade do ser humano. Afinal, se viveremos cada vez mais, faz sentido moldar a sociedade com base apenas na juventude? No meu entender, não. E no de vocês? Considerando que a maioria dos suicídios parece ser de homens na faixa dos 50 anos, é a essa obsessão que Siegel atribui a principal razão do seu desespero, pois ela torna esses homens invisíveis. E invisíveis e desesperados a cada dia mais deles se matam.
Lee Siegel termina dizendo ser difícil falar dos fatores por trás do aumento da incidência de suicídios porque tais fatores são tendências das quais os Estados Unidos se orgulham. E quando as estatísticas de uma sociedade contradizem sua autoimagem, torna-se uma tarefa urgente dessa sociedade manter seu estado de espírito feliz justificando e esquecendo as estatísticas.
Embora Lee Siegel termine seu artigo dizendo que a maioria dos suicídios parece ser de homens na faixa dos 50 anos, creio que seja interessante lembrar que ele o inicia com a notícia do suicídio de um rapaz de 17 anos, a poucas semanas de concluir o ensino secundário. Ou seja, a faixa etária dos americanos que se matam é bem abrangente, o que, com o decorrer do tempo, talvez acabe justificando aquela denominação sugerida por mim no início desta postagem: AWOD - American Way of Death.
Aqui terminam as minhas reflexões provocadas pelo artigo de Lee Siegel, mas não as interpretações sobre as causas de suicídios entre os americanos. Dando continuidade ao tema, a próxima postagem trará uma interpretação de um extraordinário jornalista brasileiro sobre as causas de suicídio em um determinado segmento da sociedade americana onde ele também é crescente, e deveria ser alarmante, mas não é. Afinal, repetindo (com um pequeno acréscimo) o que é dito na última frase do penúltimo parágrafo acima, "quando as estatísticas de uma sociedade podem alarmar seus integrantes e contradizer sua autoimagem, torna-se uma tarefa urgente dessa sociedade manter seu estado de espírito feliz justificando e esquecendo as estatísticas".

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