Em conformidade com a
intenção de estabelecer alguma relação entre postagens consecutivas, após a
série Os vampiros dos jovens apresentando a entrevista com Sergio Sinay, na qual ele focaliza o
jovialismo, segue um artigo de Lee Siegel (traduzido por Celso Paciornik) intitulado
A face oculta do novo, publicado na
edição de 9 de junho de 2013 do jornal O
Estado de S. Paulo. O artigo focaliza o lado obscuro de tendências que
estão sendo constantemente comemoradas, e entre elas Siegel inclui a obsessão
americana pela juventude. Tendência que tal como o jovialismo focalizado por
Sinay é uma
fonte de inúmeros males não só para os equivocados integrantes desta insana sociedade, mas também para a própria (ou seria imprópria?) sociedade como um
todo.
A face oculta do novo
Americanos estão se suicidando como nunca, e
supostamente são levados a isso pelo lado obscuro de tendências festejadas
A notícia causou frisson na minha cidade
suburbana ao lado de Nova York. Um rapaz de 17 anos, a poucas semanas de
concluir o ensino secundário, parou diante de um trem de subúrbio em movimento.
Teve morte instantânea.
Como sempre ocorre quando se noticia um
suicídio, a questão de por que ele o fez torturou familiares e amigos do jovem.
Atormentou estranhos, também, porque o suicídio é o mais íntimo dos tipos de
violência. Ele nos faz perguntar não somente por que determinada pessoa o
cometeu, mas por que alguém o faria, confrontando-nos assim com o aspecto mais
despojado da existência. Mas desta vez a tentativa de entender o mistério por
trás de um suicídio cobriu-se de especial urgência. É que, segundo estudo
divulgado algumas semanas atrás, o número de americanos que estão se matando
atingiu um nível sem precedentes.
No período de 1999 a 2010, o suicídio de
americanos entre 35 e 64 anos de idade cresceu quase 30%. Mais pessoas nos
Estados Unidos morrem hoje pelas próprias mãos do que em acidentes de carro.
Entre homens na faixa dos 50 anos, a taxa de suicídio cresceu 50%.
Os intelectuais imediatamente se lançaram à
tarefa de tentar entender a nova e assustadora estatística. Quando tiverem
terminado, o crescimento da "autochacina" nos Estados Unidos terá
sido eclipsado por confortadoras explicações racionais: há mais pessoas
solitárias do que nunca; há mais gente armada que nunca; pessoas em áreas
rurais são mais propensas a se matar do que em lugares mais densamente
povoados; os chamados baby-boomers –
pessoas nascidas durante a onda de prosperidade do pós-2ª Guerra entre 1946 e
1964 – têm expectativas impossivelmente altas que simplesmente não podem se
realizar no mundo real.
Todos esses fatores são difíceis de provar, e
têm importância apenas limitada.
As verdadeiras razões por que o suicídio está
em ascensão, em especial entre homens na faixa dos 50, são desconcertantes
demais para serem abordadas diretamente. Isso porque são o lado obscuro de
tendências que estão sendo constantemente comemoradas.
Comecemos pela desintegração familiar. De cada
canto da sociedade comercial, ser solteiro é projetado como a existência ideal.
O mercado prefere os consumidores apressados, propensos a gastar, a membros de
famílias que tendem a poupar para o futuro. E gratificar os sentidos, todos os
sentidos, é bem mais fácil quando não se está comprometido com outra pessoa.
Depois, há a internet, a invenção social mais
impactante desde o automóvel. A web é direcionada para o indivíduo solitário,
não para a família, ou mesmo o casal. As pessoas se conectam na rede por várias
razões, é claro, algumas de cunho prático ou mundano, mas quem se conecta quase
sempre o faz sozinho, para satisfazer um ou outro impulso. Nesse contexto, não
é a solidão que pode levar alguém ao suicídio. É o fato de que ficar solitário
se tornou uma condição tão normal que está ficando cada vez mais difícil estar
com outras pessoas. Os desafios e complicações decorrentes de se estar
envolvido com outros estão se tornando insuportáveis para psiques acostumadas à
existência solitária, vivida diante de suas telas.
Isso não significa que o capitalismo
americano, incansavelmente inventivo, seja culpado do crescimento da taxa de
suicídios ou algo assim. Países socialistas como os do norte da Europa têm
taxas de suicídio notoriamente altas. As pessoas nessas sociedades com
frequência têm tantas coisas de suas vidas decididas e administradas em seu
favor que sua força de vontade se atrofia e um tédio mortal se instala. Mas o
consumismo insanamente acelerado nos Estados Unidos, que de maneiras sutis e
explícitas faz do celibato uma condição heróica, isola o indivíduo quando torna
mais difícil para ele ou ela lidar com outros indivíduos.
Além das décadas de desintegração familiar, as
décadas de erosão de simplesmente todo tipo de autoridade também separam as
pessoas das estruturas sociais que antes as sustentavam em tempos de
dificuldade emocional. Tanto na cultura popular como na intelectual elevada, o
padre, o ministro, o médico, o policial, o estadista foram todos expostos como
fraudes ocultando a luxúria e a ganância por trás da fachada de autoridade
enquanto abusavam cruelmente de seu poder. Algumas maçãs podres estragaram toda
uma colheita da humanidade. Antigamente, uma pessoa angustiada podia recorrer a
uma figura consoladora cuja competência fora sancionada pela sociedade. Agora,
quando os salva-vidas sociais são todos acusados de não saber nadar, a sensação
de não ter a quem recorrer ficou ainda mais aguda.
O preço proibitivo da assistência médica
também joga com certeza um papel. Não poder pagar um profissional da saúde tem
um efeito extremamente danoso em pessoas deprimidas propensas ao suicídio. Elas
nem sequer conseguem obter uma receita de antidepressivo porque, ou não podem
pagar a consulta de um médico que o receitaria, ou não podem pagar o próprio
remédio.
Mas como a maioria dos suicídios parece ser de
homens na faixa dos 50 anos, a principal razão do seu desespero é a rápida
obsolescência de seu tipo social. A obsessão americana pela juventude tornou
esses homens invisíveis. A rápida sucessão das novas ondas de tecnologias os
fez sentir que já não se enquadram em seu ambiente. As mazelas econômicas dos
últimos anos os privaram do emprego e da autoestima. E a intensificação da
historicamente atrasada ascensão das mulheres – tomou-lhes mais um pouco de
terreno.
É difícil falar de todos esses desdobramentos
como fatores por trás do aumento da incidência de suicídios porque tais fatores
– cultura jovem, tecnologia, a mudança para uma economia de informação, a
capacitação (de um certo grupo) de mulheres – são tendências de ponta das quais
os Estados Unidos se orgulham. E quando as estatísticas de uma sociedade
contradizem sua autoimagem, torna-se uma tarefa urgente dessa sociedade manter seu
estado de espírito feliz justificando e esquecendo as estatísticas.
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