terça-feira, 30 de julho de 2013

Queremos ser como eles?

Após uma pseudo-interrupção de sequência de postagens com assuntos interligados e uma defesa da imprescindibilidade da percepção de que tudo está ligado, este blog apresenta uma postagem que tem tudo a ver com a publicada há 13 dias e na qual Eduardo Galeano, respondendo a pergunta que a intitula - Podemos ser como eles? –, termina-a com as duas seguintes frases: "Possível, não é. Mas seria desejável?".
E para responder à nova pergunta, Eduardo Galeano apresenta um texto intitulado Queremos ser como eles?. Os dois textos fazem parte do livro Ser como eles, publicado há 20 anos, mas cuja leitura permanece válida, pois com exceção do que se refere à tecnologia (cuja evolução chega a ser assustadora, sobretudo se comparada a inexpressiva evolução em termos morais) o que nele é dito continua atual mesmo após duas décadas.
Queremos ser como eles?
Em um formigueiro bem organizado, as formigas-rainhas são poucas e as formigas-operárias, muitíssimas. As rainhas nascem com asas e podem fazer amor. As operárias, que não amam, trabalham para as rainhas. As formigas-polícias vigiam as operárias e vigiam também as rainhas.
A Vida é uma coisa que acontece enquanto você está ocupado fazendo outras coisas, dizia John Lennon. Em nossa época, marcada pela confusão dos meios e dos fins, não se trabalha para viver: vive-se para trabalhar. Uns trabalham cada vez mais porque precisam cada vez mais do que consomem; e outros trabalham cada vez mais para continuar consumindo mais do que precisam.
Parece normal que a jornada de trabalho de oito horas pertença, na América Latina, aos domínios da arte abstrata. O emprego duplo, que as estatísticas raramente confessam, é a realidade de muitíssimas pessoas que não têm outra maneira de evitar a fome. Mas parece normal que o homem trabalhe como formiga, no auge do desenvolvimento? A riqueza conduz à liberdade, ou multiplica o medo da liberdade.
Ser é ter, diz o sistema. E a armadilha consiste no seguinte: quem mais tem, mais quer; e no frigir dos ovos as pessoas acabam pertencendo às coisas e trabalhando debaixo de suas ordens. O modelo de vida da sociedade de consumo, que hoje em dia se impõe como modelo único em escala universal, converte o tempo num recurso econômico, cada vez mais escasso e mais caro: o tempo é vendido, é alugado, serve como investimento. Mas quem é o dono do tempo? O automóvel, o televisor, o vídeo, o computador, o telefone celular e as outras contra-senhas da felicidade, máquinas nascidas para ganhar tempo ou para passar o tempo, mas que acabam se apoderando do tempo. O automóvel, por exemplo, não só dispõe do espaço urbano: dispõe também do tempo humano. Em teoria, o automóvel serve para economizar tempo, mas na prática o devora. Boa parte do tempo de trabalho se destina ao pagamento do transporte ao emprego, que além do mais acaba sendo um glutão de tempo, cada vez mais voraz, graças aos engarrafamentos de trânsito nas babilônias modernas.
Não é preciso ser sábio em economia. Basta o bom senso para supor que o progresso tecnológico, ao multiplicar a produtividade, diminui o tempo de trabalho. O bom senso, porém, não previu o pânico ao tempo livre, nem às armadilhas do consumo, nem ao poder manipulador da publicidade. Nas cidades do Japão, trabalha-se 47 horas por semana há vinte anos, enquanto na Europa o tempo de trabalho foi reduzido, mas muito lentamente, num ritmo que não tem nada a ver com o acelerado desenvolvimento da produtividade. Nas fábricas automatizadas, existem dez operários onde antes havia mil; mas o progresso tecnológico gera desocupação em vez de ampliar os espaços de liberdade. A liberdade de perder tempo: a sociedade de consumo não autoriza tamanho esbanjamento. Até as férias, organizadas pelas grandes empresas que industrializam o turismo de massas, converteram-se numa ocupação exaustiva. Matar tempo: os balneários modernos reproduzem a vertigem da vida cotidiana dos formigueiros urbanos.
Dizem os antropólogos que nossos ancestrais do Paleolítico não trabalhavam mais do que vinte horas por semana. Dizem os jornais que nossos contemporâneos da Suíça votaram, no final de 1988, um plebiscito que propunha reduzir a jornada de trabalho para 40 horas semanais: reduzir a jornada sem reduzir os salários. Os suíços votaram contra.
As formigas se comunicam tocando suas antenas, umas em outras. As antenas de televisão nos comunicam com os centros de poder do mundo contemporâneo. A telinha nos oferece o sonho da propriedade, o frenesi do consumo, a excitação da competição e a ansiedade do êxito, como Colombo oferecia quinquilharias aos índios. Mercadorias exitosas. A publicidade não nos conta, porém, que os Estados Unidos consomem atualmente, segundo a Organização Mundial da Saúde, quase a metade do total de drogas tranquilizantes vendidas no planeta. Nos últimos vinte anos, a jornada de trabalho aumentou nos Estados Unidos. Nesse período, a quantidade de vítimas de stress duplicou.
*************
A publicidade e seu poder manipulador! A publicidade que nos oferece o sonho da propriedade, o frenesi do consumo, a excitação da competição e a ansiedade do êxito, como Colombo oferecia quinquilharias aos índios. A publicidade que não nos conta, porém, que o país daqueles que queremos imitar já consumia, há vinte anos (época da publicação de Ser como eles), quase a metade do total de drogas tranquilizantes vendidas no planeta. Que não nos conta que a existência do american way of life (AWOL), tão alardeado por ela (publicidade), seria impossível sem a existência de outro AWO: o AWOA - american way of action. Sobre este quem nos conta é John M. Perkins em um livro intitulado Confissões de um assassino econômico.

Nenhum comentário: