Após uma
pseudo-interrupção de sequência de postagens com assuntos interligados e uma
defesa da imprescindibilidade da percepção de que tudo está ligado, este blog
apresenta uma postagem que tem tudo a ver com a publicada há 13 dias e na qual Eduardo
Galeano, respondendo a pergunta que a intitula - Podemos ser como eles? –, termina-a com as duas seguintes frases: "Possível,
não é. Mas seria desejável?".
E para responder à nova pergunta, Eduardo
Galeano apresenta um texto intitulado Queremos
ser como eles?. Os dois textos fazem parte do livro Ser como eles, publicado há 20 anos, mas cuja leitura permanece
válida, pois com exceção do que se refere à tecnologia (cuja evolução chega a
ser assustadora, sobretudo se comparada a inexpressiva evolução em termos
morais) o que nele é dito continua atual mesmo após duas décadas.
Queremos ser como eles?
Em um formigueiro bem organizado, as
formigas-rainhas são poucas e as formigas-operárias, muitíssimas. As rainhas
nascem com asas e podem fazer amor. As operárias, que não amam, trabalham para
as rainhas. As formigas-polícias vigiam as operárias e vigiam também as
rainhas.
A Vida é uma coisa que
acontece enquanto você está ocupado fazendo outras coisas, dizia John Lennon.
Em nossa época, marcada pela confusão dos meios e dos fins, não se trabalha
para viver: vive-se para trabalhar. Uns trabalham cada vez mais porque precisam
cada vez mais do que consomem; e outros trabalham cada vez mais para continuar
consumindo mais do que precisam.
Parece normal que a jornada de trabalho de
oito horas pertença, na América Latina, aos domínios da arte abstrata. O
emprego duplo, que as estatísticas raramente confessam, é a realidade de
muitíssimas pessoas que não têm outra maneira de evitar a fome. Mas parece
normal que o homem trabalhe como formiga, no auge do desenvolvimento? A riqueza
conduz à liberdade, ou multiplica o medo da liberdade.
Ser é ter, diz o sistema. E a
armadilha consiste no seguinte: quem mais tem, mais quer; e no frigir dos ovos
as pessoas acabam pertencendo às coisas e trabalhando debaixo de suas ordens. O
modelo de vida da sociedade de consumo, que hoje em dia se impõe como modelo
único em escala universal, converte o tempo num recurso econômico, cada vez
mais escasso e mais caro: o tempo é vendido, é alugado, serve como investimento.
Mas quem é o dono do tempo? O automóvel, o televisor, o vídeo, o computador, o
telefone celular e as outras contra-senhas da felicidade, máquinas nascidas
para ganhar tempo ou para passar o tempo, mas que acabam se
apoderando do tempo. O automóvel, por exemplo, não só dispõe do espaço urbano:
dispõe também do tempo humano. Em teoria, o automóvel serve para economizar tempo, mas na prática o
devora. Boa parte do tempo de trabalho se destina ao pagamento do transporte ao
emprego, que além do mais acaba sendo um glutão de tempo, cada vez mais voraz,
graças aos engarrafamentos de trânsito nas babilônias modernas.
Não é preciso ser sábio em economia. Basta o
bom senso para supor que o progresso tecnológico, ao multiplicar a
produtividade, diminui o tempo de trabalho. O bom senso, porém, não previu o
pânico ao tempo livre, nem às
armadilhas do consumo, nem ao poder manipulador da publicidade. Nas cidades do
Japão, trabalha-se 47 horas por semana há vinte anos, enquanto na Europa o
tempo de trabalho foi reduzido, mas muito lentamente, num ritmo que não tem
nada a ver com o acelerado desenvolvimento da produtividade. Nas fábricas
automatizadas, existem dez operários onde antes havia mil; mas o progresso
tecnológico gera desocupação em vez de ampliar os espaços de liberdade. A
liberdade de perder tempo: a
sociedade de consumo não autoriza tamanho esbanjamento. Até as férias,
organizadas pelas grandes empresas que industrializam o turismo de massas,
converteram-se numa ocupação exaustiva. Matar
tempo: os balneários modernos reproduzem a vertigem da vida cotidiana dos
formigueiros urbanos.
Dizem os antropólogos que nossos ancestrais do
Paleolítico não trabalhavam mais do que vinte horas por semana. Dizem os
jornais que nossos contemporâneos da Suíça votaram, no final de 1988, um
plebiscito que propunha reduzir a jornada de trabalho para 40 horas semanais:
reduzir a jornada sem reduzir os
salários. Os suíços votaram contra.
As formigas se comunicam tocando suas antenas,
umas em outras. As antenas de televisão nos comunicam com os centros de poder
do mundo contemporâneo. A telinha nos oferece o sonho da propriedade, o frenesi
do consumo, a excitação da competição e a ansiedade do êxito, como Colombo
oferecia quinquilharias aos índios. Mercadorias exitosas. A publicidade não nos
conta, porém, que os Estados Unidos consomem atualmente, segundo a Organização
Mundial da Saúde, quase a metade do total
de drogas tranquilizantes vendidas no planeta. Nos últimos vinte anos, a
jornada de trabalho aumentou nos
Estados Unidos. Nesse período, a quantidade de vítimas de stress duplicou.
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A publicidade e seu poder manipulador! A publicidade que nos oferece o sonho da
propriedade, o frenesi do consumo, a excitação da competição e a ansiedade do
êxito, como Colombo oferecia quinquilharias aos índios. A publicidade que não
nos conta, porém, que o país daqueles que queremos imitar já consumia, há vinte
anos (época da publicação de Ser como
eles), quase a metade do total de
drogas tranquilizantes vendidas no planeta. Que não nos conta que a
existência do american way of life (AWOL), tão alardeado por ela (publicidade), seria impossível sem a
existência de outro AWO: o AWOA - american way of action. Sobre
este quem nos conta é John M. Perkins em um livro intitulado Confissões de um assassino econômico.
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