Em sua entrevista concedida ao jornal O Estado de S. Paulo (e reproduzida nas três postagens anteriores) o
psicanalista Tales Ab’Sáber focaliza um dos fatores determinantes da qualidade
de qualquer sociedade: o modo como a juventude preenche o seu tempo. Mas antes
de focalizar o modo de preenchimento do tempo, vejamos de que juventude Tales
Ab’Sáber fala. Diante da pergunta "De que juventude estamos
tratando?", ele responde:
"Uma juventude desencantada, que teve os impulsos críticos de radicalização humanista, estética e democrática, próprios do movimento da juventude ocidental do século 20, reduzidos a práticas de consumo a partir da aceleração da cultura do dinheiro dos anos 1990 e 2000. Essa juventude tenta manter valores de vanguarda de eros e civilização, como dizia o filósofo Herbert Marcuse, comprometidos com seu destino de venda de um trabalho sem garantias, muitas vezes sem direitos efetivos, no mundo das corporações. Uma juventude atomizada, que caminha entre a baixa vida de mercado e o hedonismo de consumo do teatro excitado de sua noite."
A seguir, a repórter pergunta "O que
costumam festejar?" e ele responde assim:
"É um paradoxo. Eles festejam suas vidas difíceis de mercado, e sua inserção por um fio na coisa toda. Mais ou menos do mesmo modo que a mercadoria, por meio da cultura da propaganda, festeja a si própria sem parar. A ordem do poder atual exige celebração contínua, ligada à afirmação do indivíduo de realização do próprio prazer, desde que ele seja de mercado, apolítico. E esses jovens, que por vezes fingem um cuidadoso punkismo construído em lojas caras da moda, celebram a mesma celebração geral de seu mundo. Ou, como escrevi em meu livro, eles festejam o fato de não haver nada a festejar. É a compulsão a ser feliz, que diz muito respeito à propaganda."
A entrevista de Tales Ab’Sáber é riquíssima em
passagens provocativas de reflexões, mas restringir-me-ei aos dois parágrafos
apresentados acima, pois eles são suficientes para redigir uma postagem não
muito curta.
Eles festejam suas
vidas difíceis de mercado, e sua inserção por um fio na coisa toda. A venda de
um trabalho sem garantias, muitas vezes sem direitos efetivos, no mundo das
corporações. Eles caminham entre a baixa vida de mercado e o hedonismo de
consumo do teatro excitado de sua noite. Eles festejam o fato de não haver nada
a festejar. É a compulsão a ser feliz, que diz muito respeito à propaganda. A
ordem do poder atual exige celebração contínua, ligada à afirmação do indivíduo
de realização do próprio prazer, desde que ele seja de mercado, apolítico.
O parágrafo acima é uma compilação das duas respostas
de Tales Ab’Sáber reproduzidas no início desta postagem e serve de início para
uma associação de ideias. Considero a associação de ideias a melhor maneira de
reforçar cada uma delas e de aumentar a probabilidade de validar o que haja de
comum entre elas. Sendo assim, segue a seguinte frase: "Então, as pessoas tentam se encher de sons, ou se dopar por meio
da agitação." De onde tirei essa frase? De um texto intitulado Quando o ser humano
está vazio, ao menos o dia tem de ser cheio, que faz parte do livro Grandes ideias para uma vida feliz, de
autoria do Abade Notker Wolf. Mutatis
mutandis, "Quando o jovem está vazio, ao menos a noite tem de ser
cheia".
Dando continuidade à associação de ideias,
segue uma passagem de um pequeno e extraordinário livro de Viktor Frankl
intitulado Sede de Sentido, publicado em 1989:
"Uma das minhas doutorandas em logoterapia da Universidade de Viena, que hoje reside e trabalha na República Federal da Alemanha, pôde estabelecer estatisticamente que no Wurschtelprater de Viena, um parque de diversões da capital austríaca, o índice de frustração, de vazio existencial, é significativamente mais alto do que na média da população vienense. Isto significa que as pessoas que se sentem frustradas na sua vontade de sentido tendem a refugiar-se em diversões baratas."
Vocês concordam que "uma
juventude desencantada, que teve os impulsos críticos de radicalização
humanista, estética e democrática, próprios do movimento da juventude ocidental
do século 20, reduzidos a práticas de consumo a partir da aceleração da cultura
do dinheiro dos anos 1990 e 2000" (segundo Tales Ab’Sáber) tenha tudo para
apresentar um alto índice de vazio existencial?
Ou seja, tanto no Wurschtelprater de
Viena, um parque de diversões da capital austríaca, na década de 1970, quanto na
Berghain
/ Panorama Bar (vulgo Paranoia, para os brasileiros que habitam o circuito
Techno), uma boate em Berlim, localizada em uma usina elétrica desativada,
cenário de máquinas, fiações e tubos da era do nazismo, na década de 2010, o problema
era, e continua sendo, o mesmo: sede de sentido.
Segundo Viktor Frankl
(no livro Sede de Sentido), "as pessoas que se sentem frustradas na
sua vontade de sentido tendem a refugiar-se em diversões baratas." E o que diz
Tales Ab’Sáber em sua entrevista?
"'É uma festa intensa, que deseja não terminar jamais', diz o psicanalista sobre a balada alemã, que pulsa quase diariamente a partir das 23h59 e que, de sábado para domingo, entorpece o público com música eletrônica até a noite seguinte. Nessa perspectiva, o único sentido do dia é acionar o GPS para a próxima noitada, algo instantâneo de se fazer em Berlim, considerando a fábrica de entretenimento que é."
Nessa perspectiva, o
único sentido do dia é acionar o GPS para a próxima noitada, algo instantâneo
de se fazer em Berlim, considerando a fábrica de entretenimento que é. Diante do que foi
dito até aqui, creio que seja válido concluir que nessa perspectiva, o único sentido da noite seja a sede de sentido, pois a única coisa que eles celebram é a
falta do que celebrar.
Aos que desejarem ler postagens focalizando Sede de Sentido seguem os títulos e as respectivas
datas: Sede de Sentido (14.03.2011), Consequências da sede de sentido (16.03.2011),
Dificuldades para matar a sede de sentido
(21.03.2011).
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