"É pouco conhecida entre nós uma história clássica entre os americanos: a de um pai, bandido, que morreu e deixou dois filhos. Um saiu igual ao pai, 'cuspido e escarrado', como diriam alguns, um criminoso idêntico ao pai; e o outro, um empresário bem-sucedido. É claro que isso despertou a curiosidade de alguns estudiosos do comportamento. Então, foi dirigida aos irmãos a mesma pergunta: 'O que o fez ser o que você é?'. O primeiro, bandido, respondeu: 'O que você queria que eu fosse tendo um pai como o meu?' Ok, resposta anotada. E compreendida, visto que o menino cresceu num ambiente tumultuado, sem grandes valores, e presenciou muitas cenas que o conduziram a ser assim. O pai foi um modelo a ser seguido. O segundo filho, pessoa honesta e bem-sucedida, quando indagado, deu idêntica resposta: 'O que você queria que eu fosse tendo um pai como o meu?'"
O parágrafo acima foi
extraído do livro Trajetória de sucesso
de Delair Zermiani e escolhido como ponto de partida da minha argumentação
contestadora da desgastada afirmação (repetida pelo sociólogo Pedro Demo na
postagem anterior) de que o brasileiro é como é por culpa da colonização
portuguesa. No meu entender, a história apresentada no início desta postagem mostra
que, apesar de ser algo cuja existência seja incontestável, a influência exercida
pelos exemplos recebidos é passível de anulação por quem os
recebe. Ou seja, tal influência não é mandatória na formação do caráter de um
indivíduo. E por extensão, do caráter de uma coletividade.
Concordo plenamente
com a seguinte afirmação de Edward Gibbon: "O homem recebe duas classes de
educação. Uma que lhe dão os demais; outra a mais importante, que ele dá a si
mesmo." À luz da afirmação de Gibbon, digo que o primeiro filho citado na
história acima se satisfez com a educação (sic) que lhe foi dada pelos demais (no caso o pai) e usou-a como desculpa para copiar
o comportamento do pai bandido. Já o segundo, percebendo a nocividade dos
exemplos paternos, optou pela educação mais
importante, a que se dá a si mesmo, e usou a condenável conduta do pai como
um motivo para ser diferente dele.
Desculpas e motivos! Dois fatores fundamentais na conduta de indivíduos
e de grupos. Quem quer fazer alguma coisa encontra um motivo para fazê-lo; quem
nada quer fazer busca uma desculpa. Vejo a afirmação de que o brasileiro é o
que é devido à colonização portuguesa como uma desculpa adotada por quem nada
deseje fazer em prol da melhora do país em que vive.
Em um artigo
intitulado Reforma na corrupção,
publicado, em 04 de setembro de 2011, em sua coluna dominical no jornal O Globo, João Ubaldo Ribeiro diz o
seguinte: "Já estamos cansados de ler e ouvir explicações sobre por que há
tanta corrupção no Brasil, a começar pela afirmação de que Portugal só mandou
para cá perigosos degredados, assim nos legando ancestrais da pior extração.
Mas mesmo que isso fosse verdade, que dizer então da Austrália, que foi
realmente colônia penal?".
Após a interrupção
causada pelo parágrafo contendo a pertinente opinião de João Ubaldo Ribeiro,
volto a focalizar a ideia de desculpas e motivos e para isto recorro à afirmação
de que "o homem é produto do meio". Afirmação que a maioria usa como
desculpa, mas que Celso Charuri, médico e filósofo conhecido por ter idealizado
e criado a Pró-Vida, usa como motivo,
conforme entendi ao ler as seguintes palavras ditas por ele.
"Homens que são produto do meio são homens pequenos, minúsculos e imperfeitos. Se vocês pretendem um Mundo Melhor, é necessário que homens melhores sejam preparados, pois o meio é produto do homem e não o homem produto do meio. Modifiquem o homem e o HOMEM modificará o meio."
Ou seja, a preferência
por desculpas ou por motivos depende do tamanho – moral - do homem. Os
minúsculos buscam desculpas para nada fazer; os maiúsculos encontram motivos
para agir. Homens são modificados pelo meio; HOMENS modificam o meio.
Infelizmente, ainda vivemos
em um país onde uma enorme parte dos nele nascidos é constituída de homens minúsculos que usam os
antecessores (os colonizadores portugueses) como desculpa para sua omissão perante o dever de participar da construção de um país melhor para os seus
sucessores, e até para si mesmos. Portanto, adaptando as palavras de Celso
Charuri, digo o seguinte: "Se vocês pretendem um Brasil Melhor, é necessário que homens melhores sejam
preparados, pois o meio é produto do homem e não o homem produto do meio.
Modifiquem o brasileiro e o BRASILEIRO modificará
o Brasil.".
E para possibilitar tal modificação, aceitem que ao tornar-se
adulto já se viveu o suficiente para entender que não faz sentido comportar-se
de forma nociva à vida em sociedade sob a desculpa de seguir maus exemplos
recebidos de antecessores, sejam eles os pais ou os remotos colonizadores
portugueses, pois, excetuando quem apresente alguma debilidade mental, é dever de
cada um responsabilizar-se por suas ações, principalmente aquelas que sejam
capazes de afetar a sociedade e não apenas a si próprio.
Diante de tudo o que foi dito acima, creio que seja perfeitamente válido
sugerir-lhes que esqueçam essa história de que somos como somos devido a maus
exemplos passados por quem quer que seja. Exemplos negativos podem ser passados por quem nos antecedeu? Sim.
Tais exemplos devem ser recebidos por
nós? Não. Perceberam a diferença? Receber
ou não algo que nos seja passado será
sempre uma decisão nossa. O primeiro filho do bandido recebeu o que lhe foi passado
pelo pai; o segundo, não. Ou seja, o modo como nos conduzimos na vida será sempre uma decisão nossa. Portanto, se somos como somos é porque - nós - decidimos ser assim.
Gosto muito de questionamentos, pois concordo com o sociólogo
Zygmunt Bauman quando afirma que "nenhuma sociedade que esquece a arte de
questionar pode esperar encontrar respostas para os problemas que a afligem.".
E como trair, coçar e questionar é só
começar, pelo método dos questionamentos sucessivos esta postagem cujo título é
"Por que somos como somos?"
termina questionando "O que somos?" E para dar partida nas opiniões
sobre esta questão cito as seguintes palavras do extraordinário escritor
Eduardo Galeano: "Somos o que somos e ao mesmo tempo o que
fazemos para mudar o que somos." E a partir delas eu afirmo o seguinte: Se nada fazemos para
mudar o que somos nós nada somos.
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