quinta-feira, 2 de maio de 2013

Por que somos como somos?

"É pouco conhecida entre nós uma história clássica entre os americanos: a de um pai, bandido, que morreu e deixou dois filhos. Um saiu igual ao pai, 'cuspido e escarrado', como diriam alguns, um criminoso idêntico ao pai; e o outro, um empresário bem-sucedido. É claro que isso despertou a curiosidade de alguns estudiosos do comportamento. Então, foi dirigida aos irmãos a mesma pergunta: 'O que o fez ser o que você é?'. O primeiro, bandido, respondeu: 'O que você queria que eu fosse tendo um pai como o meu?' Ok, resposta anotada. E compreendida, visto que o menino cresceu num ambiente tumultuado, sem grandes valores, e presenciou muitas cenas que o conduziram a ser assim. O pai foi um modelo a ser seguido. O segundo filho, pessoa honesta e bem-sucedida, quando indagado, deu idêntica resposta: 'O que você queria que eu fosse tendo um pai como o meu?'"
O parágrafo acima foi extraído do livro Trajetória de sucesso de Delair Zermiani e escolhido como ponto de partida da minha argumentação contestadora da desgastada afirmação (repetida pelo sociólogo Pedro Demo na postagem anterior) de que o brasileiro é como é por culpa da colonização portuguesa. No meu entender, a história apresentada no início desta postagem mostra que, apesar de ser algo cuja existência seja incontestável, a influência exercida pelos exemplos recebidos é passível de anulação por quem os recebe. Ou seja, tal influência não é mandatória na formação do caráter de um indivíduo. E por extensão, do caráter de uma coletividade.
Concordo plenamente com a seguinte afirmação de Edward Gibbon: "O homem recebe duas classes de educação. Uma que lhe dão os demais; outra a mais importante, que ele dá a si mesmo." À luz da afirmação de Gibbon, digo que o primeiro filho citado na história acima se satisfez com a educação (sic) que lhe foi dada pelos demais (no caso o pai) e usou-a como desculpa para copiar o comportamento do pai bandido. Já o segundo, percebendo a nocividade dos exemplos paternos, optou pela educação mais importante, a que se dá a si mesmo, e usou a condenável conduta do pai como um motivo para ser diferente dele.
Desculpas e motivos! Dois fatores fundamentais na conduta de indivíduos e de grupos. Quem quer fazer alguma coisa encontra um motivo para fazê-lo; quem nada quer fazer busca uma desculpa. Vejo a afirmação de que o brasileiro é o que é devido à colonização portuguesa como uma desculpa adotada por quem nada deseje fazer em prol da melhora do país em que vive.
Em um artigo intitulado Reforma na corrupção, publicado, em 04 de setembro de 2011, em sua coluna dominical no jornal O Globo, João Ubaldo Ribeiro diz o seguinte: "Já estamos cansados de ler e ouvir explicações sobre por que há tanta corrupção no Brasil, a começar pela afirmação de que Portugal só mandou para cá perigosos degredados, assim nos legando ancestrais da pior extração. Mas mesmo que isso fosse verdade, que dizer então da Austrália, que foi realmente colônia penal?".
Após a interrupção causada pelo parágrafo contendo a pertinente opinião de João Ubaldo Ribeiro, volto a focalizar a ideia de desculpas e motivos e para isto recorro à afirmação de que "o homem é produto do meio". Afirmação que a maioria usa como desculpa, mas que Celso Charuri, médico e filósofo conhecido por ter idealizado e criado a Pró-Vida, usa como motivo, conforme entendi ao ler as seguintes palavras ditas por ele.
"Homens que são produto do meio são homens pequenos, minúsculos e imperfeitos. Se vocês pretendem um Mundo Melhor, é necessário que homens melhores sejam preparados, pois o meio é produto do homem e não o homem produto do meio. Modifiquem o homem e o HOMEM modificará o meio."
Ou seja, a preferência por desculpas ou por motivos depende do tamanho – moral - do homem. Os minúsculos buscam desculpas para nada fazer; os maiúsculos encontram motivos para agir. Homens são modificados pelo meio; HOMENS modificam o meio.
Infelizmente, ainda vivemos em um país onde uma enorme parte dos nele nascidos é constituída de homens minúsculos que usam os antecessores (os colonizadores portugueses) como desculpa para sua omissão perante o dever de participar da construção de um país melhor para os seus sucessores, e até para si mesmos. Portanto, adaptando as palavras de Celso Charuri, digo o seguinte: "Se vocês pretendem um Brasil Melhor, é necessário que homens melhores sejam preparados, pois o meio é produto do homem e não o homem produto do meio. Modifiquem o brasileiro e o BRASILEIRO modificará o Brasil.".
E para possibilitar tal modificação, aceitem que ao tornar-se adulto já se viveu o suficiente para entender que não faz sentido comportar-se de forma nociva à vida em sociedade sob a desculpa de seguir maus exemplos recebidos de antecessores, sejam eles os pais ou os remotos colonizadores portugueses, pois, excetuando quem apresente alguma debilidade mental, é dever de cada um responsabilizar-se por suas ações, principalmente aquelas que sejam capazes de afetar a sociedade e não apenas a si próprio.
Diante de tudo o que foi dito acima, creio que seja perfeitamente válido sugerir-lhes que esqueçam essa história de que somos como somos devido a maus exemplos passados por quem quer que seja. Exemplos negativos podem ser passados por quem nos antecedeu? Sim. Tais exemplos devem ser recebidos por nós? Não. Perceberam a diferença? Receber ou não algo que nos seja passado será sempre uma decisão nossa. O primeiro filho do bandido recebeu o que lhe foi passado pelo pai; o segundo, não. Ou seja, o modo como nos conduzimos na vida será sempre uma decisão nossa. Portanto, se somos como somos é porque - nós - decidimos ser assim.
Gosto muito de questionamentos, pois concordo com o sociólogo Zygmunt Bauman quando afirma que "nenhuma sociedade que esquece a arte de questionar pode esperar encontrar respostas para os problemas que a afligem.". E como trair, coçar e questionar é só começar, pelo método dos questionamentos sucessivos esta postagem cujo título é "Por que somos como somos?" termina questionando "O que somos?" E para dar partida nas opiniões sobre esta questão cito as seguintes palavras do extraordinário escritor Eduardo Galeano: "Somos o que somos e ao mesmo tempo o que fazemos para mudar o que somos." E a partir delas eu afirmo o seguinte: Se nada fazemos para mudar o que somos nós nada somos.

Nenhum comentário: