O texto que empresta
título e "corpo" a esta postagem é o
editorial da edição de 6 de fevereiro de 2013 da revista Carta Capital. Ele é assinado por Mino Carta (Diretor de Redação) e entre os indícios
de imbecilização nele citados consta o glamour apresentado na postagem anterior. Ou seja,
a interligação de assuntos de postagens consecutivas continua.
A imbecilização do Brasil
Há muito
tempo o Brasil não produz escritores como Guimarães Rosa ou Gilberto Freyre. Há
muito tempo o Brasil não produz pintores como Candido Portinari. Há muito tempo
o Brasil não produz historiadores como Raymundo Faoro. Há muito tempo o Brasil
não produz polivalentes cultores da ironia como Nelson Rodrigues. Há muito
tempo o Brasil não produz jornalistas como Claudio Abramo, e mesmo repórteres
como Rubem Braga e Joel Silveira. Há muito tempo...
Os
derradeiros, notáveis intérpretes da cultura brasileira já passaram dos 60
anos, quando não dos 70, como Alfredo Bosi ou Ariano Suassuna ou Paulo Mendes
da Rocha. Sobra no mais um deserto de oásis raros e até inesperados. Como o
filme O Som ao Redor, de Kleber
Mendonça, que acaba de ser lançado, para os nossos encantos e surpresa.
Nos últimos
dez anos o País experimentou inegáveis progressos econômicos e sociais, e a
história ensina que estes, quando ocorrem, costumam coincidir com avanços
culturais. Vale sublinhar, está claro, que o novo consumidor não adquire
automaticamente a consciência da cidadania. Houve, de resto, e por exemplo,
progressos em termos de educação, de ensino público? Muito pelo contrário.
E houve, decerto, algo pior, o esforço concentrado
dos senhores da casa-grande no sentido de manter a maioria no limbo, caso não
fosse possível segurá-la debaixo do tacão. Neste nosso limbo terrestre a
ignorância é comum a todos, mas, obviamente, o poder pertence a poucos, certos
de que lhes cabe por direito divino. Indispensável à tarefa, a contribuição do
mais afiado instrumento à disposição, a mídia nativa. Não é que não tenha
servido ao poder desde sempre. No entanto, nas últimas décadas cumpriu seu
papel destrutivo com truculência nunca dantes navegada.
Falemos,
contudo, de amenidades do vídeo. De saída, para encaminhar a conversa. Falemos
do Big Brother Brasil, das lutas do
MMA e do UFC, dos programas de auditório, de toda uma produção destinada a
educar o povo brasileiro, sem falar das telenovelas, de hábito empenhadas em
mostrar uma sociedade inexistente, integrada por seres sem sombra. Deste ponto
de vista, a Globo tem sido de uma eficácia insuperável.
O
espetáculo de vulgaridade e ignorância oferecido no vídeo não tem similares
mundo afora, enquanto eu me colho a recordar os programas de rádio que ouvia,
adolescente, graciosas, adoráveis peças de museu como a PRK30, ou anos
verdolengos habitados pelos magistrais shows de Chico Anysio. Cito exemplos, mas
há outros. Creio que a Globo ocupe a vanguarda desta operação de imbecilização
coletiva, de espectro infindo, na sua capacidade de incluir a todos, do
primeiro ao último andar da escada social.
O trabalho
da imprensa é mais sutil, pontiagudo como o buril do ourives. Visa à minoria,
além dos donos do poder real, que, além do mais, ditam o pensamento único,
fixam-lhe os limites e determinam suas formas de expressão. O alvo é a chamada
classe média alta, os aspirantes, a segunda turma da classe A, o creme que não
chegou ao creme do creme. E classe B também. Leitores, em primeiro lugar, dos
editoriais e colunas destacadas dos jornalões, e da Veja, a inefável semanal da Editora Abril. Alguns remediados entram
na dança precipitados na exibição, de verdade inadequada para eles.
Aqui está a bucha do canhão midiático. Em geral, fiéis
da casa-grande encarada como meta de chegada radiosa, mesmo quando ancorada, em
termos paulistanos, às margens do Rio Pinheiros, o formidável esgoto ao ar
livre. E, em geral, inabilitados ao exercício do espírito crítico. Quem ainda o
pratica, passa de espanto a espanto, e o maior, se admissível a classificação,
é que os próprios editorialistas, colunistas, articulistas etc. etc. acabem por
acreditar nos enredos ficcionais tecidos por eles próprios, quando não nas
mentiras assacadas com heroica impavidez.
O deserto
cultural em que vivemos tem largas e evidentes explicações, entre elas, a
lassidão de quem teria condições de resistir. Agrada-me, de todo modo, o
relativo otimismo de Alfredo Bosi, que enriquece esta edição. Mesmo em épocas
medíocres pode medrar o gênio, diz ele, ainda que isto me lembre a Península
Ibérica, terra de grandes personagens solitárias em lugar de escolas do saber.
Um músico e poeta italiano do século passado, Fabrizio de André, cantou: "Nada nasce
dos diamantes, do estrume nascem as flores". E do deserto?"
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