A imbecilização do Brasil (tema da postagem anterior), que tem como um dos fatores o excesso de
entretenimento de mercado, me faz lembrar de um texto intitulado Entretenimento ou Elevação que encontrei na
edição de junho de 2008 do jornal Prana.
O autor é Pedro Tornaghi, escritor, conferencista e ministrante
de aulas de diversas linhas de Meditação, há mais de 20 anos.
Entretenimento ou Elevação
Encontrei um orador
sobre um caixote pregando na Cinelândia. Seu discurso, original, me tocou, não
sei exatamente em quê. Descrevo abaixo o que fui capaz de lembrar de suas
palavras:
"O autoconhecimento está em baixa!
Nunca houve tanta
liberdade e espaço para questionar quanto hoje em dia e, no entanto, nunca se
questionou tão pouco. Quando eu era criança, ídolos de cinema eram, em geral,
europeus. Brigite Bardot, Cláudia Cardinale, Catherine Deneuve e Sophia Loren
balançavam corações enquanto diretores como Bergman, Pasolini, Felini e Buñel
eram referências desde conversas de botequim até debates universitários.
De lá para cá, os distribuidores
americanos de cinema monopolizaram o mercado e com isso, uma cultura que desde
seus primórdios foi voltada para o entretenimento, substituiu a européia,
tradicionalmente voltada para a elevação do espírito e investigação
existencial.
Acolhemos uma produção
artística (?) que ressente pela falta de substância e descartamos outra que
preza a profundidade. O resultado é toda uma geração voltada para o supérfluo e
o descartável, onde as pessoas querem tudo, menos saber quem elas são. Que tipo
de comunidade estamos construindo com isso? Será realmente a melhor
possibilidade para nós? Estaremos nos boçalizando?
Me lembro que quando
adolescente costumava ver na porta dos cinemas a frase "cinema também é cultura". Hoje vemos: "cinema é a melhor diversão". Em qualquer LP (eles
tinham alma, o som era quente, se lembra?) lia-se a frase: música é cultura. A música
popular do país era admirada aqui e lá fora por sua sofisticação. Aos poucos,
as harmonias sofisticadas de Tom Jobim e Cia foram sendo substituídas nas
rádios e lojas de discos por "produtos" mais práticos, feitos
por músicos que não exigem orquestra sinfônica ou instrumentistas especiais de
cachês mais caros, por grupos de pagode que se sujeitam a tocar em qualquer
buraco e não criam problemas com produtores por falta de condições técnicas e
artísticas para suas obras.
O resultado é que a
música virou animação (louvável a alegria, diga-se de passagem), mas desprovida
de profundidade, riqueza harmônica, harmonização de timbres, sem explorar suas
possibilidades; enfim, a arte se tornou desprovida de arte.
Mas, o que isso tem à
ver com o autoconhecimento? Tudo, a meu ver.
A falta de
questionamento é a morte de qualquer movimento sincero de crescimento pessoal.
Uma geração que "deixa tudo barato", corre o perigo de transformar também o conhecimento do sagrado,
em algo esquecido, relevado a segundo plano, descartado, ou pelo menos, em algo
feito de maneira rasa e pouco exigente. Algo que ajuda a passar o tempo, mas
sem possibilidade real de levar a pessoa aos píncaros da subjetividade ou a
decifrar seus mistérios mais profundos.
Nunca tivemos tanto
acesso a informações e instrumentos de autoconhecimento e, no entanto, na minha
opinião, não podemos comparar as lideranças espirituais atuais com as de trinta
anos atrás. Mudou muito, e infelizmente, para pior.
Há um ditado na Índia
que diz: "o instrumento certo em mãos erradas dá errado,
o instrumento errado em mãos certas dá certo". Me pergunto: onde
temos errado? A resposta é fácil. Em nós mesmos. Em nossa atitude. Uma atitude
largamente estimulada nos meios de comunicação, pelo que temos chamado de
cultura nos últimos tempos. A cultura apenas de entretenimento, com pouco ou
nenhum comprometimento com a mudança daquele que a consome, mas não a digere.
Autoconhecimento exige
entrega, dedicação, sinceridade, fôlego, persistência e, principalmente, que a
pessoa Não Queira Deixar Nada Barato em sua busca. Qualquer coisa diferente
disso tem 99,9% de chance de ser auto-engano. Se a exigência está em baixa,
autoconhecimento é um privilégio de quem quer muito, de quem é capaz de
dar-tudo-o-que-for-necessário para realizá-lo. É privilégio de quem está
disposto a um exame profundo dos próprios interstícios, medos, desejos,
inclinações, costumes; privilégio de quem é capaz de abandonar um caminho
quando percebe a incompetência desse caminho levá-lo ao fim da estrada.
Se você está disposto
a correr todos – realmente todos – os riscos necessários, para descobrir quem
é, você tem o necessário para ser bem
sucedido. Se não está, talvez seja melhor se contentar em passar o tempo para
não ver o tempo passar, para evitar o triste e frustrante espetáculo de passar
a vida sem saber quem é. Para isso, certamente, a cultura de entretenimento
enlatada pode lhe ser bastante útil.
Mas, o principal é
saber que ninguém, a princípio, está condenado a qualquer das duas
possibilidades. A escolha é de cada um. E seja qual for a sua, lhe desejo
felicidades."
Em seguida, ele pegou
seu caixote, entrou no metrô e, como um cavaleiro mítico, sumiu.
*************
Para os mais novos,
segue uma explicação para uma sigla que aparece no sexto parágrafo do texto de
Pedro Tornaghi. LP significa long-play
que é o nome dado àqueles "discos grandões de vinil que giram a 33,33
rotações por minuto", registram (nos dois lados) informações de áudio
referentes a canções e cujo som é reproduzido por equipamentos denominados toca-discos.
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