terça-feira, 21 de maio de 2013

Entretenimento ou Elevação

A imbecilização do Brasil (tema da postagem anterior), que tem como um dos fatores o excesso de entretenimento de mercado, me faz lembrar de um texto intitulado Entretenimento ou Elevação que encontrei na edição de junho de 2008 do jornal Prana. O autor é Pedro Tornaghi, escritor, conferencista e ministrante de aulas de diversas linhas de Meditação, há mais de 20 anos.
Entretenimento ou Elevação
Encontrei um orador sobre um caixote pregando na Cinelândia. Seu discurso, original, me tocou, não sei exatamente em quê. Descrevo abaixo o que fui capaz de lembrar de suas palavras:
"O autoconhecimento está em baixa!
Nunca houve tanta liberdade e espaço para questionar quanto hoje em dia e, no entanto, nunca se questionou tão pouco. Quando eu era criança, ídolos de cinema eram, em geral, europeus. Brigite Bardot, Cláudia Cardinale, Catherine Deneuve e Sophia Loren balançavam corações enquanto diretores como Bergman, Pasolini, Felini e Buñel eram referências desde conversas de botequim até debates universitários.
De lá para cá, os distribuidores americanos de cinema monopolizaram o mercado e com isso, uma cultura que desde seus primórdios foi voltada para o entretenimento, substituiu a européia, tradicionalmente voltada para a elevação do espírito e investigação existencial.
Acolhemos uma produção artística (?) que ressente pela falta de substância e descartamos outra que preza a profundidade. O resultado é toda uma geração voltada para o supérfluo e o descartável, onde as pessoas querem tudo, menos saber quem elas são. Que tipo de comunidade estamos construindo com isso? Será realmente a melhor possibilidade para nós? Estaremos nos boçalizando?
Me lembro que quando adolescente costumava ver na porta dos cinemas a frase "cinema também é cultura". Hoje vemos: "cinema é a melhor diversão". Em qualquer LP (eles tinham alma, o som era quente, se lembra?) lia-se a frase: música é cultura. A música popular do país era admirada aqui e lá fora por sua sofisticação. Aos poucos, as harmonias sofisticadas de Tom Jobim e Cia foram sendo substituídas nas rádios e lojas de discos por "produtos" mais práticos, feitos por músicos que não exigem orquestra sinfônica ou instrumentistas especiais de cachês mais caros, por grupos de pagode que se sujeitam a tocar em qualquer buraco e não criam problemas com produtores por falta de condições técnicas e artísticas para suas obras.
O resultado é que a música virou animação (louvável a alegria, diga-se de passagem), mas desprovida de profundidade, riqueza harmônica, harmonização de timbres, sem explorar suas possibilidades; enfim, a arte se tornou desprovida de arte.
Mas, o que isso tem à ver com o autoconhecimento? Tudo, a meu ver.
A falta de questionamento é a morte de qualquer movimento sincero de crescimento pessoal. Uma geração que "deixa tudo barato", corre o perigo de transformar também o conhecimento do sagrado, em algo esquecido, relevado a segundo plano, descartado, ou pelo menos, em algo feito de maneira rasa e pouco exigente. Algo que ajuda a passar o tempo, mas sem possibilidade real de levar a pessoa aos píncaros da subjetividade ou a decifrar seus mistérios mais profundos.
Nunca tivemos tanto acesso a informações e instrumentos de autoconhecimento e, no entanto, na minha opinião, não podemos comparar as lideranças espirituais atuais com as de trinta anos atrás. Mudou muito, e infelizmente, para pior.
Há um ditado na Índia que diz: "o instrumento certo em mãos erradas dá errado, o instrumento errado em mãos certas dá certo". Me pergunto: onde temos errado? A resposta é fácil. Em nós mesmos. Em nossa atitude. Uma atitude largamente estimulada nos meios de comunicação, pelo que temos chamado de cultura nos últimos tempos. A cultura apenas de entretenimento, com pouco ou nenhum comprometimento com a mudança daquele que a consome, mas não a digere.
Autoconhecimento exige entrega, dedicação, sinceridade, fôlego, persistência e, principalmente, que a pessoa Não Queira Deixar Nada Barato em sua busca. Qualquer coisa diferente disso tem 99,9% de chance de ser auto-engano. Se a exigência está em baixa, autoconhecimento é um privilégio de quem quer muito, de quem é capaz de dar-tudo-o-que-for-necessário para realizá-lo. É privilégio de quem está disposto a um exame profundo dos próprios interstícios, medos, desejos, inclinações, costumes; privilégio de quem é capaz de abandonar um caminho quando percebe a incompetência desse caminho levá-lo ao fim da estrada.
Se você está disposto a correr todos – realmente todos – os riscos necessários, para descobrir quem é, você tem o necessário para ser bem sucedido. Se não está, talvez seja melhor se contentar em passar o tempo para não ver o tempo passar, para evitar o triste e frustrante espetáculo de passar a vida sem saber quem é. Para isso, certamente, a cultura de entretenimento enlatada pode lhe ser bastante útil.
Mas, o principal é saber que ninguém, a princípio, está condenado a qualquer das duas possibilidades. A escolha é de cada um. E seja qual for a sua, lhe desejo felicidades."
Em seguida, ele pegou seu caixote, entrou no metrô e, como um cavaleiro mítico, sumiu.
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Para os mais novos, segue uma explicação para uma sigla que aparece no sexto parágrafo do texto de Pedro Tornaghi. LP significa long-play que é o nome dado àqueles "discos grandões de vinil que giram a 33,33 rotações por minuto", registram (nos dois lados) informações de áudio referentes a canções e cujo som é reproduzido por equipamentos denominados toca-discos.

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