segunda-feira, 1 de abril de 2013

Soluções do tipo "mais"

Dando continuidade a mais uma sequência de postagens correlatas, inicio esta com o seguinte trecho da anterior (Para fazer mais, é preciso fazer menos). "Parece contraintuitivo. Impérios foram erguidos sobre a ideia de que "mais é mais", correto? O lema de que 'menos é mais' não seria próprio de arquitetos minimalistas e pessoas preguiçosas? Schwartz e muitos outros discordam." E entre os muitos outros que discordam está Richard Saul Wurman. Vejam o que diz ele em seu livro Ansiedade de Informação.
"Desde o advento da era industrial, convivemos com uma palavra formidável: 'mais'. Ela realmente funcionou para tudo. Quando nossas estradas ficaram congestionadas, construímos mais estradas. Quando nossas cidades ficaram inseguras, contratamos mais policiais, encomendamos mais carros de polícia e construímos mais prisões. Construímos mais escolas para nossos filhos quando descobrimos que eles não sabiam ler. Resolvemos nossos problemas fabricando infindáveis produtos em quantidades cada vez maiores.
Agora, contudo, a palavra que funcionou tão bem por cem anos está criando os problemas que resolveu no passado. Mais policiais não significam necessariamente menos crimes. Mais hospitais não significam melhor assistência à saúde. Mais escolas não significam melhor educação.
Na verdade, ocorreu exatamente o oposto. Em nosso afã de educar, penalizamos a imaginação e recompensamos o conformismo. (...) Em nosso afã de mobilidade, deixamos cicatrizes na paisagem, com auto-estradas sempre estreitas demais para o aumento de tráfego que geram.
Tentamos resolver todos os problemas com 'mais' soluções. Formulamos apenas as perguntas que produzem respostas do tipo 'mais'.
Conta-se muito uma história sobre Gertrude Stein que descreve os momentos que antecedem sua morte. As pessoas se acotovelavam em volta de seu leito. Subitamente, sua face se ilumina. Os amigos inclinam-se sobre ela e dizem: 'Gertrude, Gertrude, qual é a resposta?' Seus olhos tremem, ela diz: 'Qual a pergunta?' e morre.
As pessoas ou não sabem como fazer as perguntas certas ou não entendem o valor de fazê-las.
O progresso social, econômico e cultural tem sido historicamente avaliado em termos de 'mais', 'melhor' ou 'melhorado'. Tentamos resolver problemas com soluções que são apenas versões melhoradas daquilo que já não funcionou. Teimosamente, tentamos adiar o dia em que teremos de descartar uma ideia. E uma versão melhorada de algo que não funciona é como transformar em conversível um calhambeque fora de moda.
Temos uma estrutura mental direcionada para produtos e aperfeiçoamento ou renovação de produtos. O que nos falta é uma linguagem de soluções que coloque o conceito de desempenho acima do conceito de produto.
Respostas do tipo 'mais' não descrevem o desempenho que requeremos de uma pessoa ou de um produto para solucionar um problema. O importante não é ter mais escolas, mas aprender; não é ter mais policiais, mas segurança; não é ter auto-estradas, mas mobilidade; não é inventar signos, mas comunicar. O importante é o desempenho, não o produto.
(...) Desempenho é essencial. O que precisamos é de uma linguagem que nos dê o poder e a capacidade de demandar aprendizado, segurança, mobilidade e comunicação. O que possuímos é um vocabulário estimulador de soluções paliativas que nos desviam dos problemas reais. Precisamos de um vocabulário que nos permita compreender os problemas essenciais e nos leve a formular perguntas capazes de produzir respostas que funcionem."
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E ao ler que o importante é o desempenho, não o produto, o método das recordações sucessivas me faz lembrar a seguinte passagem do livro A Quinta Disciplina, de Peter M. Senge, intitulada Quanto mais você insiste, mais o sistema resiste.
"Em a Revolução dos Bichos, de George Orwell, o cavalo Boxer tinha sempre a mesma resposta para qualquer dificuldade: 'Trabalharei com mais afinco', dizia ele. A princípio, sua boa vontade foi um incentivo para todos os outros, mas aos poucos, seu esforço começou a ter um retorno negativo. Quanto mais ele trabalhava, mais trabalho havia a fazer. O que ele não sabia era que os porcos que administravam a fazenda estavam se aproveitando dele. O fato era que seu empenho impedia que os outros animais vissem o que os porcos estavam fazendo. O raciocínio sistêmico tem um nome para este fenômeno: 'feedback de compensação', ou seja, intervenções bem intencionadas que geram respostas do sistema que anulam os benefícios da intervenção. Todos nós sabemos o que é enfrentar um feedback de compensação – quanto mais força você faz, mais o sistema resiste.
Como indivíduos e organizações, nós não só somos atraídos para o feedback de compensação, como muitas vezes glorificamos o sofrimento que nos causa. Quando nossos esforços iniciais não produzem resultados duradouros, nós insistimos com mais empenho – crentes como o cavalo Boxer, de que nosso esforço superará todos os obstáculos, e sem conseguir enxergar que estamos contribuindo para os obstáculos."
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Trabalhar com mais afinco não implica em ter melhor desempenho, e, na maioria das vezes, o que faz é "mascarar" as práticas com as quais os porcos, digo, os administradores da fazenda aproveitam-se dos "colaboradores". A postagem Não é dedicação, é ineficiência (20.03.2012) é uma boa sugestão de leitura capaz de provocar reflexões sobre Trabalhar com mais afinco.
Precisamos de um vocabulário que nos permita compreender os problemas essenciais e nos leve a formular perguntas capazes de produzir respostas que funcionem, afirma Richard Saul Wurman e toca em um de nossos grandes problemas. Em uma sociedade onde acredita-se que o importante seja dar as respostas certas as pessoas ou não sabem como fazer as perguntas certas ou não entendem o valor de fazê-las. Sendo assim tornam-se incapazes de descobrir qual seja o verdadeiro problema e consequentemente de encontrar a verdadeira solução. Ao formulamos apenas perguntas que produzem respostas que conduzem a soluções "mais", agimos como o cavalo Boxer e "burramente" deixamos de perceber que, na imensa maioria dos casos, soluções "mais" nada mais são do que paliativos cujo principal efeito é nos desviar da solução do problema. E aos nos desviarmos da solução a consequência natural é nos encaminharmos ao encontro de mais problemas.
O artigo (Para fazer mais, é preciso fazer menos) que provocou esta postagem foi publicado recentemente (18.03.2013), mas o livro de Richard Saul Wurman (Ansiedade de Informação) de onde copiei o primeiro dos dois textos apresentados acima é de 1989. O segundo foi copiado de A Quinta Disciplina, de Peter M. Senge, publicado em 1990, mas produzido com inspiração em um livro de 1945 (A Revolução dos Bichos, de George Orwell). O tempo passa o homem não corrige seus equívocos, teima em continuar agindo de modo prejudicial a si mesmo como espécie e baseado em algo que até hoje eu não sei o que seja considera-se integrante da espécie inteligente do Universo.
Fiquemos por aqui, pois escrever mais implicaria em diminuir a probabilidade de as pessoas lerem a postagem e consequentemente lhes tirar a oportunidade de refletir sobre a inconveniência da aplicação de soluções (?) do tipo "mais".

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