sexta-feira, 22 de março de 2013

Ocupado, ocupado, ocupado. Mas qual é a recompensa?

"Nas economias mais frágeis da Europa - Irlanda, Espanha, Portugal e Grécia - os índices de desemprego continuam insistentemente altos, entre 15% e 25%. E, apesar de uma lenta e gradual recuperação, o desemprego nos EUA ainda está acima de 8%.
Mas para os afortunados que têm trabalho, especialmente os americanos, a principal queixa é que estão ocupados demais. 'Tornou-se a resposta padrão quando você pergunta a alguém como vai: 'Ocupado! Muito ocupado. Loucamente ocupado'', escreveu Tim Kreider no 'Times'. Toda essa atividade é autoimposta, diz ele; as pessoas trabalham muitas horas e lotam suas agendas fora do trabalho, depois empurram os filhos para participar de atividades extra-escolares e programas esportivos.
Kreider chama a si mesmo de 'a pessoa ambiciosa mais preguiçosa que conheço' e diz que essa indolência lhe cai bem. O tempo ocioso permite as conexões inesperadas e a inspiração que o fazem realizar o verdadeiro trabalho, escreve ele, como o momento do 'Eureka' de Arquimedes no banho ou da maçã de Newton. Mas os americanos estão programados para manter suas rodas girando e por isso Kreider culpa os puritanos: 'Os puritanos transformaram o trabalho em uma virtude, evidentemente esquecendo que Deus o inventou como um castigo'.
As conclusões de uma série de experimentos que foram publicadas no ano passado no 'Journal of Experimental Social Psychology' confirmaram essa ligação, quatro séculos depois que os austeros protestantes ingleses chegaram às praias do Novo Mundo, escreveu Matthew Hutson no 'Times'. (...) 'As atitudes protestantes sobre o trabalho podem influenciar como os americanos tratam seus colegas de trabalho', escreveu Hutson. 'Os protestantes - mas não os católicos - tornam-se menos sensíveis às emoções dos outros quando lembrados do trabalho, possivelmente indicando uma tendência a julgar a confraternização como improdutiva e antiprofissional.'
Mas a realidade é que, apesar de os americanos tenderem a admirar as pessoas que têm uma forte ética do trabalho, muitos são ambivalentes sobre o trabalho, e sua principal motivação para manter um emprego é o salário que paga as contas.
'A maioria das pessoas inevitavelmente vê o trabalho como um meio', escreveu Gary Gutting no 'Times'. 'É um modo de ganhar a vida, mas não uma vida.' A função do trabalho, diz Gutting, citando Aristóteles, 'é ter lazer, do qual depende a felicidade'. O segredo para gastar bem esse tempo de lazer, ainda segundo Aristóteles, 'é a atividade produtiva por si mesma'. Cabe a nós escolher a maneira de cumprir esse objetivo: chutando uma bola, balançando em uma rede ou desenhando. 'A questão é que se envolver nessas atividades - e compartilhá-las com outros - é o que faz uma boa vida', escreveu Gutting. "O lazer e não o trabalho, deve ser nosso objetivo principal.'
Kreider, que percebe futilidade nas atividades com que as pessoas enchem suas vidas, provavelmente concordaria. 'Ser atarefado serve como um tipo de tranquilizador existencial, uma proteção contra o vazio; obviamente sua vida não pode ser tola ou trivial ou insignificante quando se é tão ocupado', escreve ele. 'Não posso deixar de me perguntar se toda essa exaustão cômica não é uma maneira de encobrir o fato de que a maior parte do que fazemos não tem importância.'"
O texto acima é quase a íntegra de uma reportagem de Tom Brady, publicada no The New York Times e reproduzida na edição de 24 de setembro de 2012 do jornal Folha de S.Paulo. Em conformidade com a prática de sequenciar postagens que possuem afinidades, ele ficou guardado por seis meses para ser espalhado após Trabalhe menos. Espero que a leitura de “Ocupado, ocupado, ocupado. Mas qual é a recompensa?" seja capaz de provocar a vontade de refletir sobre a maneira como encaramos algo que cada vez mais ocupa a maior parte do tempo daqueles que ainda têm um emprego: o trabalho. Algumas das minhas reflexões são apresentadas abaixo.
"Os puritanos transformaram o trabalho em uma virtude, evidentemente esquecendo que Deus o inventou como um castigo", escreve Tim Kreider, e provoca controvérsias. "Toda ocupação útil é trabalho" é uma frase presente em uma resposta apresentada em O Livro dos Espíritos. E por ocupação útil eu entendo qualquer atividade que propicie ao ser humano desenvolver a inteligência e a solidariedade, condições necessárias para que se torne apto para cooperar na construção de um mundo melhor.
Portanto, não creio que o trabalho tenha sido inventado por Deus como um castigo, e sim que sua finalidade tenha sido interpretada de forma equivocada. Para evitar mais equívocos e por crer que tudo o que se fale sobre alguma coisa precise considerar o que se entende por tal coisa, inseri na postagem o conceito de trabalho apresentado em O Livro dos Espíritos e com o qual eu concordo.
Kreider, "percebe futilidade nas atividades com que as pessoas enchem suas vidas" e escreve: "Não posso deixar de me perguntar se toda essa exaustão cômica não é uma maneira de encobrir o fato de que a maior parte do que fazemos não tem importância.". "Toda ocupação útil é trabalho", diz O Livro dos Espíritos. Atividades fúteis e ocupações úteis, expressões cuja qualificação difere apenas por uma letra, mas cuja prática causa uma diferença colossal entre as consequências por elas provocadas.
Concordo com Kreider quando diz: "Ser atarefado serve como um tipo de tranquilizador existencial, uma proteção contra o vazio; obviamente sua vida não pode ser tola ou trivial ou insignificante quando se é tão ocupado". "Não posso deixar de me perguntar se toda essa exaustão cômica não é uma maneira de encobrir o fato de que a maior parte do que fazemos não tem importância.". Resumindo: ser atarefado fazendo coisas cuja maior parte não tem importância. Importância (no meu entender) no sentido de mudar alguma coisa para melhor, pois para a enorme maioria dos profissionais "a principal motivação para manter um emprego é o salário que paga as contas".
O título da reportagem que provocou esta postagem traz uma questão que provoca muitas reflexões. "Ocupado, ocupado, ocupado. Mas qual será a recompensa?". Depende. Depende do que consideremos que seja trabalho. Se considerarmos que sejam "as atividades fúteis com que as pessoas enchem suas vidas", pois "a maior parte do que fazem não tem importância", a recompensa será algo terrível. Se considerarmos que seja "toda ocupação útil" a recompensa será algo maravilhoso, pois sendo assim deixa de existir diferença entre trabalho e lazer, e eu explico.
Para quem realize algo provido de sentido a atividade deixa de ser trabalho e passa a ser lazer. E qualquer lazer que seja capaz de nos tornar seres melhores e aptos a cooperar na melhoria do mundo em que vivemos pode ser considerada uma ocupação útil, e, consequentemente, um trabalho. Sim, igual a tudo na vida atividades de lazer podem ser algo útil ou fútil. Infelizmente, no estágio evolutivo em que se encontra a maioria dos habitantes deste planeta o lazer fútil ainda é o mais praticado.
Persistir ocupados com loucas atividades manter-nos-á (como é dito na reportagem) "loucamente ocupados". Mas a partir do momento em que a tal da espécie inteligente do Universo passar a ocupar-se apenas com atividades úteis e benéficas para a sociedade passaremos a estar "conscientemente ocupados". Ou seja, a recompensa (boa ou ruim) por qualquer coisa que se faça dependerá sempre do tipo de atividades com as quais se esteja ocupado.
E para terminar esta postagem onde tanto se fala em trabalho, recorro às seguintes palavras de Gibran Khalil Gibran: "... a vida é de fato escuridão, exceto lá onde houver impulso; e todo impulso é cego, exceto onde houver sabedoria; e toda sabedoria é vã, exceto onde há trabalho; e todo trabalho é vazio, exceto onde há amor; e quando você trabalha com amor, você se liga com você mesmo, com o outro, e com Deus.(1)".......(1) Cabe ao leitor defini-lo.

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