terça-feira, 5 de março de 2013

Disposição para mudar o amanhã

"Ainda existe o que vê o fogo e corre para apagar, o que se importa com o caído na calçada sem lar, sem camisa, no frio, inclinado a morrer. (...) No dia a dia, as pessoas têm na mente que a militância é uma coisa que não podem exercer, mas vejo pessoas carregando uma embalagem para jogar no lixo, passando por um asfalto completamente sujo, e mesmo assim tentando encontrar um lixo para jogar. No cotidiano se faz a ação revolucionária, vivemos sem artistas no clipe, sem milionários como vizinhos, mas ainda há caráter e respeito por perto, basta querer ver. (parágrafo composto por trechos de Mudar o amanhã, de Ferréz)"
Ainda existe e ainda há são expressões indicativas de que embora seja diminuta a quantidade de certo tipo de pessoas e de ações ela ainda existe, ou seja, não é nula. E falar em ainda existe me faz lembrar a sugestão para verificarmos se somos "in" ou "a" (proposta na postagem anterior), pois, embora a maioria seja composta de acomodados, felizmente, ainda existem incomodados que se dispõem a atuar com a finalidade de mudar o amanhã. Incomodados que apesar de alguns momentos de desânimo perseveram em seu intento.
E falar em momentos de desânimo me faz lembrar uma postagem intitulada Um dia com alguma dignidade, publicada em 1º de julho de 2012. A intenção era ajudar a propagar uma convocação feita pelo Facebook para um protesto intitulado Um dia sem shopping!, marcado para o sábado seguinte (7 de julho). O protesto era pelos preços cobrados pelo estacionamento. É da referida postagem o seguinte parágrafo.
"Falei com a minha filha sobre a convocação para o protesto e ouvi dela a opinião de que tal iniciativa será um fracasso, pois as pessoas são incapazes de deixar de ir aos shoppings. É triste ouvir isto. É triste saber que vivemos em uma sociedade onde não se acredita que as pessoas sejam capazes de qualquer esforço em prol de si mesmas."
Então, recebi por e-mail o seguinte comentário: "Amigo Guedes, belas palavras, nobre objetivo. Mas é muito triste ter que concordar com sua filha. Uma sociedade que leva milhões às ruas em paradas gay, e milhares em passeatas contra corrupção já provou ser uma sociedade de eunucos." Seguem alguns trechos da resposta a tal comentário.
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Amigo ......,
Concordo que seja muito triste ter que concordar com a opinião da minha filha sobre o protesto proposto. Aliás, é muito triste ter que concordar com muitas coisas que acontecem ao nosso redor.
(...) E ao falar em mosca azul me faz lembrar um livro de Frei Betto intitulado A Mosca Azul que ganhei de presente da Nívia, uma ex-colega de trabalho e eterna amiga. Pessoas inteligentes presenteiam amigos com bons livros. Lembrei de tal livro pela citação da mosca azul e também pelo seu desânimo quanto ao protesto proposto. Também tenho meus momentos de desânimo e quando eles ocorrem procuro lembrar algumas passagens do livro de Frei Betto.
"Às vezes também tenho vontade de mandar tudo às favas. Pensa que não me invadem esse sentimento de frustração, essa amargura oca, essa acidez na boca da alma? Sim, tem hora em que me canso de carregar ladeira acima essa esperança esburacada. Tem hora em que me sinto Prometeu acorrentado, mas sem revolta, agradecido por ter as mãos atadas. E a única coisa que me passa pela cabeça é embriagar-me de alienação e ficar na varanda, contemplando silenciosamente a cidade lá embaixo, miríades de cristais reluzindo impessoais, anônimos, indiferentes ao meu estupor.
É muito frustrante semear esperanças. São grãos miúdos, delicados, quase invisíveis, ora plantados no caminho acidentado, ora num coração angustiado, sempre no terreno árido da pobreza insolente. E depois vem o árduo trabalho de regar todos os dias, ver emergir o primeiro broto, um fiapo de verde aflorando sobre a terra negra, e a gente é tomado por esse sentimento feminino do querer cuidar e começa então a acreditar que a primavera existe.
A esperança é um pássaro em voo permanente. Segue adiante e acima de nossos olhos, flutua sob o céu azul, não se lhe opõe nenhuma barreira. É assim em tudo aquilo que se nutre de esperança: o amor, a educação de um filho, o sonho de um mundo melhor.
A esperança é uma fênix. Sempre a renascer das cinzas."
É por concordar com Frei Betto que continuo fazendo coisas das quais a grande maioria já desistiu. Não nasci no Brasil – fui trazido para cá com dois anos de idade – mas posso repetir aquele bordão "Eu sou brasileiro e não desisto nunca" com mais convicção do que a maioria dos que aqui nasceram.
(...) Para conseguir qualquer coisa que preste é preciso acreditar que seja possível e colaborar para que tal aconteça. E persistir, pois nada de bom se consegue de imediato. (...)
Abraços,
Guedes
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Sim, para conseguir qualquer coisa que preste é preciso acreditar que ela seja possível, e ao fazer tal afirmação recorro ao seguinte parágrafo copiado do livro Poder Sem Limites, de Anthony Robbins, com o qual concordo plenamente e sobre o qual os convido a refletir.
"O que uma pessoa acredita, o que pensa ser possível ou impossível, determina o que pode, ou não, fazer. Há uma velha frase que diz: 'Quer você acredite que pode fazer uma coisa, ou acredite que não pode, você está certo'. De uma certa forma é verdade, pois quando você não acredita que possa fazer alguma coisa, está mandando mensagens coerentes ao seu sistema nervoso, que limitam ou eliminam sua capcidade de conseguir aquele mesmo resultado. Se, por outro lado, estiver consistentemente enviando congruentes mensagens ao seu sistema nervoso que dizem que pode fazer alguma coisa, ele então avisa seu cerébro para produzir o resultado que deseja e isso abre a possibilidade para que aconteça."
Resumo da ópera, ou melhor, da postagem: Se, realmente, quisermos que algum dia este mundo torne-se um lugar onde se poderá viver melhor do que se vive hoje é imprescindível nos incorporarmos ao grupo dos que ainda se dispõem a mudar o amanhã. Aos que duvidarem da possibilidade de tal mudança, sugiro colocar em prática o que é dito no parágrafo anterior. Aos que pensarem em desistir, devido à ocorrência de muito prováveis momentos de desânimo, recomendo fazer das palavras de Frei Betto uma espécie de tônico capaz de revigorá-los em tais momentos. A todos, proponho refletir sobre as seguintes palavras de Bertolt Brecht.
"Há homens que lutam um dia. E são bons.
Há homens que lutam muitos dias. E são melhores.
Há os que lutam anos. E são excelentes.
Mas há os que lutam toda a vida. E estes são os imprescindíveis."
Tornarmo-nos imprescindíveis talvez seja pedir demais, mas será que não somos capazes de pelo menos lutar por um dia? Pela adesão à convocação para um protesto como aquele proposto por Um dia sem shopping!, parece-me que não, mas saber que até Frei Betto passa por momentos de desânimo e que ainda existem, e existirão sempre, pessoas capazes de lutar por um mundo melhor faz com que eu persista no intento de espalhar ideias que eu considere capazes de despertar a disposição para mudar o amanhã. E saber que várias pessoas se dispuseram a ler esta postagem (que talvez seja a mais longa deste blog) poderá ser visto como um bom sinal.

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