Sinto-me muito a
vontade para refletir sobre a tecnologia está nos transformando em animais, pois, assim como o professor Frank
Partnoy, sou um procrastinador responsável. Aliás, neste mundo onde a crescente
e alucinante velocidade oferecida pela tecnologia leva à prática de um
imediatismo inconsequente, creio que para ser responsável é imprescindível ser procrastinador.
Afinal, como conseguir realizar algo que preste sem refletir sobre as
consequências daquilo que se pretende fazer? E como conseguir refletir sendo
imediatista?
No desktop que eu usava na estação de trabalho
da empresa havia um "imã de geladeira" contendo uma frase que, no meu entender,
pode ser considerada o lema da procrastinação
responsável: "Não deixe para amanhã o que pode fazer depois de amanhã". Adiar o que pode ser adiado é conseguir mais tempo
para refletir sobre o que deve ser
feito e, consequentemente, chegar à verdadeira solução do problema, e não a uma
pseudosolução. Ao ler a frase escrita naquele imã todos achavam graça, mas
para mim ela é mais do que uma mera frase engraçada, é algo que eu pratico. Foi
praticando-a que consegui (durante as 3,5 décadas em que atuei como analista de
sistemas) reconhecimento dos usuários por bons serviços a eles prestados. Algo
que jamais será conseguido por quem trabalhar da forma mostrada em um episódio
que presenciei, já no final da minha carreira profissional, e que relato a
seguir.
"Durante uma reunião com os profissionais alocados no setor onde eu trabalhava, ouvi de um deles a seguinte 'pérola': 'O problema ainda não estava entendido, mas como, pelo cronograma, já deveríamos estar desenvolvendo a solução, partimos para a solução.'"
Ou seja, mais importante que apresentar uma
solução certa em uma data "errada" era apresentar uma solução errada (sic) em
uma certa data. Em vez da procrastinação responsável fora praticada outra
coisa: a precipitação irresponsável. Parece-me óbvio que partindo de um problema
que não tenha sido entendido seja impossível propor algo que possa solucionar o
problema. É da prática da precipitação irresponsável que surge algo tão comum no teatro
corporativo: o retrabalho. É impressionante a quantidade de trabalhos que
precisam ser refeitos devido à pseudosoluções.
Falar em precipitação irresponsável sem citar
outro exemplo desta nefasta prática seria uma injustiça com algo tão praticado
no teatro corporativo. Refiro-me ao hábito de, precipitadamente, estabelecer
um prazo para desenvolver algo que ainda não se sabe o que seja. O que dizer da
prática de estabelecer um prazo para realizar um trabalho ou uma tarefa a
partir de um simples título? No meu entender, trata-se de estupidez pura e
aplicada, mas no teatro corporativo isso é algo muito apreciado e que parece
que jamais deixará de sê-lo. Afinal, como disse Einstein, "Existem apenas
duas coisas infinitas - o Universo e a estupidez humana. E não tenho tanta
certeza quanto ao Universo." É óbvio que como procrastinador responsável jamais
concordei com tal prática e, consequentemente, durante a minha longa trajetória
profissional, me desgastei bastante quando solicitado a estabelecer prazos. É
extremamente desgastante a relação entre praticantes da procrastinação
responsável e da precipitação irresponsável.
Até aqui esta postagem focalizou a
procrastinação responsável apenas no ambiente de trabalho (onde passamos a
maior e, infelizmente, a melhor parte da vida), mas ela é fundamental
em todos os aspectos da vida. Afinal, viver significa enfrentar problemas,
fazer escolhas e tomar decisões, não é mesmo? Sendo assim, é imprescindível
encontrar algo que nos ofereça vantagens na hora de tomar decisões. Ao ser perguntado sobre quais são as
vantagens de tomar decisões de maneira mais lenta, Frank Partnoy
respondeu assim:
"Você tem mais tempo para analisar, para reunir informações e para esperar mais desdobramentos da situação. Se você souber aguardar, o problema pode se transformar, ou mesmo desaparecer. Se você se adiantar, não dá a oportunidade para isso acontecer."
Que bela resposta! Conseguir aguardar até o último
momento para resolver um problema já me livrou de muitos deles. Inúmeras vezes
as circunstâncias mudam e o problema resolve-se por si mesmo, desde que lhe
demos tempo para tal.
"A verdade é que a procrastinação é uma condição humana universal. (...) No Egito e na Roma antigos, a procrastinação era vista como sinal de sabedoria. Os líderes e anciões eram pessoas que não reagiam imediatamente. Eles refletiam sobre os problemas. Essa é a diferença entre humanos e animais. A coisa mais humana que podemos fazer é pensar. (...) Refletir é o talento que nos separa dos animais."
No Egito e na Roma antigos, a procrastinação era
vista como sinal de sabedoria, mas o tempo passou, e "o comportamento de adiar
foi rotulado como maligno". "A tecnologia piorou o nosso senso de pressa. Hoje
as pessoas esperam uma resposta imediata para tudo com a internet, redes
sociais como o Twitter, etc", diz Partnoy. E amanhã as pessoas almejarão receber
uma resposta antes de fazer a pergunta. É a pressa levada ao extremo superior e
a humanidade levada ao extremo inferior, pois impedidos de refletir estamos nos desumanizando, nos transformando em
animais. Afinal, "a capacidade de refletir é a diferença entre humanos e
animais. A coisa mais humana que podemos fazer é pensar", diz Partnoy.
Concordo com Partnoy quando diz que as ferramentas disponibilizadas pela
tecnologia são fantásticas, mas também perigosas. A maneira como as estamos
usando anulam aquilo que nos distingue dos animais: a capacidade de refletir
sobre os problemas. Contribuindo para anular tal capacidade a tecnologia está nos transformando em animais. É para neutralizar isto que Partnoy defende a
prática da procrastinação responsável e a intenção das três últimas postagens é colaborar
com a difusão de tal prática.
No segundo parágrafo desta postagem eu disse que
a frase "Não deixe para amanhã o que pode
fazer depois de amanhã", pode ser considerada o lema da procrastinação
responsável. Mas na linha dessa frase existe uma mais famosa que virou um ditado
popular: "Não deixe para amanhã o que pode
fazer hoje." Mais famosa, porém equivocada, mas que pode ser corrigida com a
simples troca de uma palavra. Troque-se "pode" por "deve" e ela torna-se um
lema complementar para a procrastinação responsável: "Não deixe para amanhã o
que deve fazer hoje". Creio que este
lema complementar tenha tudo a ver com a penúltima frase da entrevista de
Partnoy: "Não é sempre que precisamos ser lentos". Ou seja, em relação ao que
se deve fazer hoje, não precisamos
ser lentos, ou melhor, não devemos
ser lentos.
Recebi apenas um comentário (enviado por
e-mail) sobre as duas últimas postagens. E nele, pelo meu entendimento, quem o
enviou parece-me não ter percebido que o que Partnoy defende não é simplesmente
a procrastinação, e sim a procrastinação responsável. Como muitas outras
coisas, procrastinação pode ser algo bom ou ruim conforme o uso que lhe dermos,
ou o momento em que a usarmos.
Para encerrar esta já longa postagem,
resumirei em duas frases o que penso sobre procrastinação. Antes de encontrar a
solução para um problema ou de tomar uma decisão, procrastinar, com a
finalidade de obter mais informações que possam ajudar a entender melhor o
problema ou de aguardar eventuais mudanças de circunstâncias que o transformem ou até
mesmo o eliminem, será sempre um procedimento responsável e elogiável. Depois
de tomada a decisão, dependendo de qual tenha sido ela, procrastinar poderá ser
um procedimento irresponsável e lamentável.
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