terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

A tecnologia está nos transformando em animais (final)

Continuação de sábado
Isto é - Há uma dica para quem fica desconfortável com a ansiedade?
Partnoy - Nesses casos é preciso praticar a redução de velocidade. Talvez seja o momento de iniciarmos outra mudança cultural, de dar um passo atrás e abraçar a lentidão. Eu conversei com muitos empresários e políticos para escrever meu livro, e descobri que os profissionais mais talentosos sentem-se confortáveis em esperar o tempo certo para tomar a melhor decisão. Nem tudo precisa ser feito instantaneamente. Se nós resolvermos responder imediatamente a cada e-mail que recebemos, nosso dia será todo tomado por essa tarefa.
Isto é - E quais as vantagens de tomar decisões de maneira mais lenta?
Partnoy - Você tem mais tempo para analisar, para reunir informações e para esperar mais desdobramentos da situação. Se você souber aguardar, o problema pode se transformar, ou mesmo desaparecer. Se você se adiantar, não dá a oportunidade para isso acontecer. Além disso, nos momentos que antecedem o prazo final para uma ação, você fica mais focado, mais concentrado.
Isto é - O sr. pode fornecer exemplos práticos disso?
Partnoy – Minha filha faz teatro, e o grupo dela gosta de se preparar e fazer alterações no texto no último instante antes de entrar no palco. Sob essa pressão, a performance é melhor. Outra situação: um repórter que vai entregar uma matéria daqui a dois meses tem muito tempo para fazer entrevistas e reunir dados. Mas, se ele começasse a escrever o texto amanhã, muita informação ficaria de fora.
Isto é – A procrastinação pode ser benéfica para jornalistas?
Partnoy – Sim. Eu entrevistei Steve Kroft, apresentador do programa "60 Minutes", e fiquei impressionado como ele e os produtores esperam até o último minuto para elaborar as perguntas aos entrevistados. Até para mim pareceu uma situação tensa e cheia de ansiedade, mas ele parece muito confortável. Ele pensa sobre o assunto, conversa com a equipe e apenas momentos antes da gravação escreve as perguntas.
Isto é - E esse é um método que poderia ser adotado pelos seus leitores?
Partnoy – O que eu espero é que o livro ensine aos leitores um sistema em duas etapas. A primeira é identificar o último momento possível ao qual elas podem aguardar para iniciar uma tarefa qualquer. A segunda é controlar a ansiedade até a chegada desse instante. Eu conversei com um correspondente do "New York Times". Todos os dias ele tinha que enviar uma matéria. Ele me disse que levava cerca de uma hora para escrever. Então ele passava todo o tempo disponível até 60 minutos antes do prazo final ao telefone, conversando com fontes. Ele acabou se tornando muito bom em contornar a ansiedade. Isso é uma arte, e é por isso que o subtítulo do livro é "a arte e a ciência do adiamento". Cada um tem de calcular o tempo disponível para diferentes tarefas.
Isto é – Hoje, com toda essa necessidade de urgência, as pessoas mais analíticas e que demoram mais para reagir não são vistas como preguiçosas?
Partnoy – Depende da quantidade de poder que elas detêm. Tem uma frase muito comum no mundo empresarial que é a seguinte: "Se você pedir alguma coisa para o chefe e quiser uma resposta imediata, a resposta será sempre 'não'". Ou seja, os líderes, como os diretores-executivos de empresas, podem se dar ao luxo de levar mais tempo para pensar antes de tomar uma decisão. Já os funcionários da base mais lentos são vistos sim como ineficientes. O desafio é descobrir como ser mais devagar sem ser visto como "mole". Conforme você sobe na carreira, adquire a habilidade de adiar. Algumas pessoas têm dificuldade em fazer isso, estão sempre correndo. Para essas é difícil ascender na empresa, porque não conseguem desenvolver estratégia e planejamento.
Isto é – Então a lentidão pode ser benéfica para a carreira?
Partnoy – A verdade é que a procrastinação é uma condição humana universal. Nós sempre temos muitas coisas para fazer e sempre estamos adiando alguma tarefa. Temos que aprender a lidar com essa realidade, e não combatê-la. É por isso que é bom convencer as pessoas a trocar o termo procrastinação por "gestão do adiamento". Eu participei de reuniões no Google e propus a criação de uma ferramenta para incentivar a "cultura da demora" e restringir as demandas por respostas imediatas. Seria uma espécie de "créditos de e-mail". Por exemplo, usando esse aplicativo, um chefe teria direito de exigir um retorno urgente para um número limitado de mensagens por dia. A percepção geral é a de que os e-mails têm de ser respondidos instantaneamente. Geralmente isso é um desastre. Quantas vezes você já escreveu com raiva ou apressadamente?
Isto é – Mas, em algumas situações, as reações imediatas são necessárias...
Partnoy – Sim, mas mesmo as respostas rápidas podem ser um pouco atrasadas. Se os médicos em um pronto-socorro puderem tirar alguns segundos ou minutos extras para fazer uma pergunta a mais ao paciente ou examiná-lo melhor, isso é positivo. Os bombeiros se saem melhor se levarem alguns segundos a mais para analisar a situação. Quanto mais especializados nos tornamos em um assunto, maior é o nosso excesso de confiança, e daí é mais fácil cometermos erros. Não é sempre que precisamos ser lentos. O ponto é identificar qual é o seu "universo de tempo" e maximizá-lo coletando informações e refletindo sobre elas.

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"Pregar que as pessoas deem um passo para trás e 'abracem a lentidão', aproveitando melhor o tempo para pensar antes de agir" (conforme defende o professor Frank Partnoy) parece algo deveras fantasioso em um mundo que a tecnologia torna cada vez mais frenético, não é mesmo? Falar em fantasioso leva-me a encerrar esta postagem desejando que todos (de acordo com suas preferências) consigam tirar o melhor proveito do período carnavalesco e retornem a este blog após o Carnaval para ler mais uma postagem do tipo Reflexões provocadas por "...". Até depois do Carnaval!

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