Em conformidade com a ideia de
sequenciar postagens que tenham alguma afinidade, segue uma que focaliza a
questão da criminalidade. Ela apresenta um texto do livro Novos Rumos para a Educação, de Huberto Rohden, editado
pela livraria Freitas Bastos, em junho de 1960. Lido
isto, vocês poderão pensar algo mais ou menos assim: normal ele nunca
deve ter sido, mas agora parece que pirou de vez, pois, em 2012, recorre a Novos Rumos para a Educação publicados em 1960; no milênio passado! Então, para evitar
que pensamentos como esse se consolidem, o melhor a fazer é começar a
dar as devidas explicações. Apesar de transcorridos 52 anos, o
texto é de uma atualidade impressionante, pois focaliza algo pelo qual nada do que foi feito após a sua
publicação surtiu efeito: a questão da criminalidade. Meio século se passou, Huberto
Rohden desencarnou, a livraria Freitas Bastos acabou, pelos Novos Rumos para a Educação não se trilhou e a questão da criminalidade só aumentou. Portanto, creio que ainda seja válido refletir sobre as ideias contidas no texto apresentado abaixo. Leiam e confiram.
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Tenho diante de mim o livro "Daemon-Stadt"
(cidade-demônio) do Dr. Kurt Gauger, médico, psiquiatra e filósofo
germânico, obra em que o autor, à luz de abundantes fatos recentes,
estuda o
alarmante problema da criminalidade juvenil, e até infantil, na Alemanha
e em
outros países, no período que seguiu às duas guerras mundiais. Chega à
conclusão de que a presente geração, produto de gerações anteriores e
herdeira
de ideologias funestas, perdeu a noção da responsabilidade ética, porque
perdeu
a noção de ser parte integrante do grande TODO, seja o TODO imediato da
humanidade, seja o TODO longínquo do Universo como tal. Uma criança de
12 anos
mata seu pai com um tiro de revólver; interrogada pelo motivo do crime,
responde cinicamente: "Matei porque quis". Não tem o menor remorso do
seu ato,
diz, porque toda pessoa tem o direito de fazer aquilo que acha
interessante.
Em última análise, quem perde a
visão de um TODO maior de quem ele faz parte e que tem de respeitar, perde
necessariamente a noção da ética, da obrigação, do dever moral, porque a noção
de ética se baseia na consciência de que eu sou parte de um TODO, e que esta
parte tem certas obrigações naturais e indeclináveis para com o TODO, que tem
direitos reais sobre mim.
Como se vê, o problema da criminalidade afeta o problema
da ética, e este radica no problema da metafísica, a questão da íntima natureza
humana. "Que é o homem? Donde vem? Para onde vai? Por que está aqui na
Terra?" - Não é possível dar base sólida a ética sem responder,
satisfatoriamente, a essas perguntas fundamentais da vida.
Necessitamos, não só de
professores eruditos para instruir os seus alunos - necessitamos, sobretudo, de
mestres de caráter que, com a sua própria vida e vivência, deem a seus
discípulos o exemplo da dignidade do homem.
No citado livro "Daemon-Stadt", págs. 122-124,
reproduz o Dr. Kurt Gauger a impressionante carta de um jovem
delinquente que, à sombra da penitenciária, escreve uma espécie de exame
de consciência para os "homens honestos" do mundo. (os negritos são meus). Diz o jovem
delinquente:
"Porque vós sois fracos no
bem, por isto nos destes o nome de fortes no mal - e com isto condenais uma
geração contra a qual pecastes - porque sois fracos.
Nós vos concedemos dois decênios
para nos fazerdes fortes - fortes no amor, fortes na boa vontade - vós, porém,
nos fizestes fortes no mal, porque sois fracos no bem.
Não nos indicastes caminho algum
que tivesse sentido, porque vós mesmos ignorais esse caminho e vos descuidastes
de procurá-lo - porque sois fracos. Vosso vacilante "não" assumia
atitude incerta diante das coisas proibidas; nós demos uns gritos - e vós
retirastes o vosso 'não' e dissestes 'sim', a fim de
poupardes os vossos nervos fracos. E a isto chamastes "amor".
Porque sois fracos, por isto
comprastes de nós o vosso sossego. - Quando nós éramos pequenos, nos dáveis
dinheiro para irmos ao cinema ou comprarmos sorvete; com isto prestastes um
serviço não a nós, mas sim à vossa comodidade - porque sois fracos. Fracos no
amor, fracos na paciência, fracos na esperança, fracos na fé.
Nós somos fortes no mal - mas as nossas almas têm apenas
metade da nossa idade.
Nós fazemos barulho para que não
tenhamos de chorar por todas aquelas coisas que deixastes de nos ensinar.
Sabemos ler e contar; sabemos quantos estames há nesta ou naquela flor, sabemos
como vivem as raposas e conhecemos a estrutura de um pé de capim - aprendemos a
ficar quietos nos bancos de escola e apontar o dedo, a fim de contarmos coisas
sobre raposas e rosas silvestres - mas não nos ensinastes como enfrentarmos a
vida.
Estaríamos até dispostos a crer em
Deus, num Deus infinitamente forte que tudo compreendesse e de nós esperasse
que fôssemos bons - mas não nos mostrastes um só homem que fosse bom pelo fato
de crer em Deus. Ganhastes muito dinheiro com serviços religiosos e murmurastes
orações segundo a velha rotina.
Sr. Policial! Põe de parte o teu
cassetete e tua pistola! Dize-nos antes o que nos interessa saber: - é verdade
que amas a ordem pública a que serves? Ou não será que amas o direito que tens
ao teu ordenado e à tua aposentadoria?
Sr. Ministro! Mostra-nos se és forte como homem! Quantas
obras boas praticas tu, como cristão, às ocultas?
Será que nós não somos as
caricaturas da vossa existência toda feita de mentiras?
Nós somos desordeiros públicos e
fazemos muito barulho - vós, porém, lutais às ocultas, um contra o outro;
estrangulai-vos comercialmente e armais intrigas para conquistardes posições
mais rendosas.
Em vez de nos ameaçardes com
bastões de borracha, colocai-nos face a face com homens de verdade, que nos
mostrem qual é o caminho certo, não com palavras, mas com a sua vida.
Mas ai! Que vós sois fracos no
bem! Os que são fortes no bem vão para a mata-virgem e curam os negros da
África (1) - porque eles vos desprezam, assim como nós vos desprezamos. Porque
vós sois fracos no bem - e nós somos fortes no mal.
Mamãe, vamos rezar! Porque esses
homens fracos estão armados de pistolas!"
Como
invalidar esse tremendo exame de consciência que um criminoso institui
com os "homens honestos" da sociedade, os que são "fracos no bem"?
Certamente não com velhas teorias papiráceas, mas com uma nova realidade vital...
(1) Alusão a Albert Schweitzer.
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