sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Então um dos juízes da cidade acercou-se e disse: "Fala-nos do crime e do castigo."

A recente onda de violência que ocorre em São Paulo despertou minha vontade de espalhar mais uma passagem do maravilhoso livro O Profeta, de Gibran Khalil Gibran. Ele narra o dia em que um profeta retorna à ilha onde nascera, depois de ter passado doze anos em uma cidade. Diante da partida do profeta, as pessoas pedem que ele lhes deixe algo de sua sabedoria e de sua compreensão. A primeira solicitação é para que ele fale do amor. Seguem-se pedidos para falar de matrimônio, filhos, dádiva, comer e beber, trabalho, alegria e tristeza, habitações, roupas, compras e vendas. Então, um dos juízes da cidade acercou-se e disse: "Fala-nos do crime e do castigo." E das palavras do profeta (para diminuir o texto e aumentar a probabilidade de ele ser lido) eu selecionei os trechos abaixo.
"Frequentemente tenho-vos ouvido falar daquele que comete uma ação má como se não fosse dos vossos, mas um estranho entre vós e um intruso em vosso mundo.
Mas eu vos digo: da mesma maneira que o santo e o justo não podem elevar-se acima do que há de mais elevado em vós,
Assim o perverso e o fraco não podem descer abaixo do que há de mais baixo em vós.
E da mesma forma que nenhuma folha amarelece senão com o silencioso assentimento da árvore inteira,
Assim o malfeitor não pode praticar seus delitos sem a secreta concordância de todos vós.
Como uma procissão, vós avançais, juntos, para vosso Eu-divino.
Vós sois o caminho e os que caminham.
E quando um dentre vós tropeça, ele cai pelos que caminham atrás dele, alertando-os contra a pedra traiçoeira.
Sim, e ele cai pelos que caminham adiante dele, que, embora tenham o pé mais ligeiro e mais seguro, não removeram a pedra traiçoeira.
E ouvi também isto, embora a palavra pese rudemente sobre vossos corações:
O assassinado é censurável por seu próprio assassínio.
E o roubado não está isento de culpa por ter sido roubado.
E o justo não é inocente das ações do iníquo.
Sim, o agressor é, muitas vezes, a vítima do agredido.
E mais comumente ainda, o condenado carrega o fardo para o inocente e o irreprochável.
Vós não podeis separar justo do injusto e o bom do malvado,
Porque ambos caminham juntos diante da face do sol, exatamente como os fios branco e negro são tecidos juntos.
E quando o fio negro se rompe, o tecelão verifica todo o tecido e examina também o tear.
Se um dentre vós põe em julgamento a esposa infiel,
Que pese também na balança o coração de seu marido e lhe meça a alma com cuidado.
E aquele que deseja fustigar o ofensor, que examine a alma do ofendido.
E se um dentre vós pretende punir em nome da retidão e derrubar a árvore do mal, que observe as raízes da árvore;
E, na verdade, verá as raízes do bem e do mal, do frutífero e do estéril, entrelaçadas no coração silencioso da terra."
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E da mesma forma que nenhuma folha amarelece senão com o silencioso assentimento da árvore inteira, assim o malfeitor não pode praticar seus delitos sem a secreta concordância de todos vós. Simplesmente perfeito, não?
E quando o fio negro se rompe, o tecelão verifica todo o tecido e examina também o tear. Afinal, os fios branco e negro são tecidos juntos, não é mesmo? O bem e o mal são produzidos pela mesma sociedade. Sendo assim, acabar com a violência é algo impossível sem verificar todo o tecido e examinar também o tear; a sociedade. Sem revisar o comportamento de todos os seus integrantes (com a finalidade de corrigir ações equivocadas e de abandonar lamentáveis omissões) a violência só tende a recrudescer.
E se um dentre vós pretende punir em nome da retidão e derrubar a árvore do mal, que observe as raízes da árvore; e, na verdade, verá as raízes do bem e do mal, do frutífero e do estéril, entrelaçadas no coração silencioso da terra. Entrelaçadas no coração silencioso da sociedade.
E quando um dentre vós tropeça, ele cai pelos que caminham atrás dele, alertando-os contra a pedra traiçoeira. Sim, e ele cai pelos que caminham adiante dele, que, embora tenham o pé mais ligeiro e mais seguro, não removeram a pedra traiçoeira. Infelizmente, vivemos em uma sociedade onde os que têm o pé mais ligeiro e mais seguro, não removem a pedra traiçoeira, pois são indiferentes ao que possa acontecer aos que venham atrás. E falar em indiferença me faz lembrar Marthin Luther King: "O que me assusta não são as ações e os gritos das pessoas más, mas a indiferença e o silêncio das pessoas boas". E que talvez não sejam tão boas quanto imaginam que sejam.
Embora tais palavras pesem rudemente sobre vossos corações, se conseguirdes ouvir a vossa consciência acabareis por concordar que sejam verdadeiras. Para quem - em seu perfil no blog - diz que é "alguém que acredita que a qualidade de uma sociedade é resultado das ações de todos os seus componentes", tais palavras são simplesmente perfeitas. Portanto, faz sentido interpretar a onda de violência que ocorre em São Paulo (e em outros lugares deste planeta) à luz das palavras de Gibran Khalil Gibran? No meu entender, sim. E no de vocês?

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