Episódios como o ocorrido em um cinema em Denver, antes do início de uma sessão de estreia do filme Batman - O Cavaleiro das Trevas Ressurge, apesar de tão comuns naquele país de mentalidade bélica, costumam provocar diversas opiniões sobre a personalidade de seus autores e sobre o que os teria levado a protagonizá-los. Em relação a tal episódio, das várias opiniões publicadas, creio que uma das mais interessantes seja o artigo de Frei Betto, publicado na edição de 29 de julho de 2012 do jornal O Globo, intitulado Venci o Batman!. Quem não o leu pode fazê-lo agora e verificar se o que nele é dito faz sentido. Para mim faz bastante.
Venci o Batman!
Meu nome é James Holmes, mas podem me chamar de O Coringa. Tenho 24 anos. Sou o Cavaleiro que Ressurge das Trevas. Quando menos se esperava, a plateia atenta às aventuras de Batman viu irromper, na escuridão, a cena real de sangue e ódio. Eu, O Coringa, faço a diferença.
Meu avô morreu no Vietnã. Era especialista em enterrar minas nas trilhas dos arrozais por onde trafegavam camponeses. Graças à habilidade de meu avô, mais de 500 vietnamitas tiveram seus corpos destroçados por minas. Há uma foto, no arsenal do meu pai, na qual se veem pedaços do corpo de um vietnamita voando pelos ares.
Meu avô teve azar. Ao se agachar numa estrada para cavar o chão e enterrar uma mina, caiu numa armadilha de espetos de bambu. Um buraco de dois metros de altura. Seu corpo foi resgatado por nossos helicópteros. Meu pai contou 18 perfurações. Meu avô mereceu honras militares no enterro em Denver.
Meu pai lutou no Iraque contra os terroristas. Teve a sorte de regressar vivo. Trouxe um verdadeiro arsenal de guerra, dando início à sua espantosa coleção de armas. Todas legais, como outras 242 milhões que circulam pelos EUA.
Desde criança aprendi que um verdadeiro ianque não teme matar. E sabe dar o tiro certo. Na infância, eu me divertia com videogames de jogos bélicos. Cheguei a vencer o campeonato de eliminação sumária de bonequinhos virtuais. Derrubei 42 em menos de um minuto.
Meu irmão se encontra no Afeganistão. Fiquei muito frustrado por não ter sido o escolhido. Tentei negociar com a Marinha e ir no lugar dele. Seria uma curtição matar terroristas e seus cúmplices talibãs.
Quando contei ao meu professor que pertencia a uma família de guerreiros, e que matar uma pessoa com certeza daria mais prazer que sexo, ele sugeriu fazer terapia. Fiz melhor: fui estudar neurociência para entender a mente humana. Buscar respostas a perguntas que ainda me inquietam. Por que há quem se sinta culpado por matar uma pessoa, enquanto políticos, como o presidente Truman, que atirou bombas atômicas sobre Hiroshima e Nagasaki, morrem com a consciência tranquila?
Meu nome é James, como James Bond. Dei-me licença para matar. Mas não sou assassino. Assassinato é quando se mata um ou dois. Chacina, meia dúzia. Extermínio, dezenas. Massacre, centenas. Guerra, milhares.
Sou um exterminador do presente. Meu sonho é a guerra. É legal, faz dos matadores heróis, move a indústria. A guerra, o mais genuíno produto de exportação made in USA, é protegida por solenes convenções.
Vivo num país livre, onde se compram armas como pães. Não tive dificuldade de obter dois revólveres Glock calibre 40; a espingarda Remington 870; o fuzil Smith & Wesson AR-15; e ainda 16 mil cartuchos, adquiridos pela internet.
As doze pessoas que exterminei no cinema não foram suficientes para saciar a minha fome de prazer. Porém, estou certo: naquela noite, eu desafiei e venci o Batman!
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Desde criança ele aprendeu que um verdadeiro ianque não teme matar. Na infância, ele se divertia com videogames de jogos bélicos. O avô matava camponeses no Vietnã, o pai matava terroristas no Iraque, o irmão mata terroristas no Afeganistão. Ficou muito frustrado por não ter sido o escolhido. Tentou negociar com a
Marinha e ir no lugar dele. Seria uma curtição matar terroristas e seus
cúmplices talibãs.
Quando
contou ao seu professor que pertencia a uma família de guerreiros, e que
matar uma pessoa com certeza daria mais prazer que sexo, ele lhe sugeriu
que fizesse terapia. Fez melhor: foi estudar neurociência para entender a
mente humana. Buscar respostas a perguntas que ainda o inquietam.
Foi estudar neurociência para entender a mente humana. Buscar respostas a
perguntas que ainda o inquietam. Ou seja, foi em busca da quietude (assunto das
três postagens anteriores), mas, pelo resultado obtido, creio que ele tenha
feito as perguntas erradas. Infelizmente, aprende-se muitas coisas erradas e
deixa-se de aprender uma que é fundamental na vida: fazer as perguntas certas. O
que se aprende é a dar as respostas certas. E
em um país cujo mais genuíno produto de exportação é a guerra, para a maioria de
sua população, e até mesmo de seus admiradores, a resposta certa costuma ser
a violência. Qual foi a resposta imediata da população do Colorado (Estado onde ocorreu a
tragédia) após o massacre? Aumentar em 43% a compra de armas. Portanto, o recente
episódio não deve ser considerado o último do gênero, pois outros ainda virão.
O Cavaleiro das Trevas ainda ressurgirá muitas vezes!
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