sexta-feira, 27 de julho de 2012

Que Teeeeeédio

E por que sentir isso é bom
"O escritor e consultor Clay Shirky lembra-se de longos momentos de enfado na juventude, até que a internet chegou e pôde entretê-lo, por exemplo, às 4 horas da madrugada. Ele diz ter exultado, mas, com o tempo, percebeu que perdera algo: o alto valor do tédio. Entediar-se, diz Shirky, permite fazer um diagnóstico sobre o fosso entre o que você almeja e sua atual situação. Mas entediar-se na era digital pode ser um ato de disciplina: hoje ficarei olhando pela janela durante algum tempo. Assim como parar e ler um livro, pois o que era um hábito comum hoje exige um certo esforço.
Em seu blog, Nicholas Carr somou-se à defesa do tédio. Fugimos dele porque significa a falta de estímulos motivadores, mas é justamente a dor provocada por essa sensação que nos impele a agir, abrindo caminhos para novas descobertas, afirma. A internet e todos os gadgets digitais viraram uma forma de contornar a dor do tédio, preenchendo cada minuto com chats, fóruns, tweets, downloads e notícias, mas ao mesmo tempo bloqueiam qualquer ação para superar o fosso. Isso pode ser perigoso para todos, sobretudo para as crianças, que, na ausência do impulso do tédio, talvez nunca descubram o que é mais importante para suas vidas. Porque o tédio permanente é tão ruim quanto a permanente falta de tédio."
O texto acima é a íntegra de um artigo publicado na edição de junho de 2012 da revista Época Negócios em uma seção intitulada Inteligência. A pergunta abaixo é de uma entrevista com Michael Rich, professor do Centro de Mídia e Saúde Infantil da Universidade Harvard, publicada na edição de 23 de abril de 2012 do jornal Folha de S.Paulo.
- Em sua palestra, o sr. disse que os pais não deixam que as crianças fiquem entediadas, e que isso é ruim. Por quê?
- O cérebro humano busca novidades, sentir e experimentar novas coisas. O problema é que, se formos constantemente estimulados pela televisão, pelos videogames e pela internet, nunca aprendemos a ser reflexivos, criativos, a buscar a novidade dentro de nós. É preciso tédio para chegar lá. Sair de casa também funciona. A natureza é um grande estimulante.
"Em seu blog, Nicholas Carr somou-se à defesa do tédio" feita pelo escritor e consultor Clay Shirky e, em sua palestra, o professor Michael Rich é mais um a somar-se a ela. Será que não está na hora de reduzirmos a quantidade de pedidos de adições em redes sociais e também nos somarmos à defesa do tédio? Creio que o prosseguimento da leitura os ajude a responder esta pergunta.
"'Entediar-se, diz Shirky, permite fazer um diagnóstico sobre o fosso entre o que você almeja e sua atual situação'. (...) 'Fugimos dele porque significa a falta de estímulos motivadores, mas é justamente a dor provocada por essa sensação que nos impele a agir, abrindo caminhos para novas descobertas', afirma Nicholas Carr. 'A internet e todos os gadgets digitais viraram uma forma de contornar a dor do tédio, preenchendo cada minuto com chats, fóruns, tweets, downloads e notícias, mas ao mesmo tempo bloqueiam qualquer ação para superar o fosso', complementa Carr. (...) 'O problema é que, se formos constantemente estimulados pela televisão, pelos videogames e pela internet, nunca aprendemos a ser reflexivos, criativos, a buscar a novidade dentro de nós. É preciso tédio para chegar lá', afirma Michael Rich, o terceiro defensor do tédio apresentado nesta postagem."
"A insatisfação é o primeiro passo para o progresso de um homem ou de uma nação", afirmava Oscar Wilde, no século XIX. "É preciso tédio para chegar lá", afirma Michael Rich, no século atual. Para chegar à insatisfação. Insatisfação que fará com que nos sintamos incomodados com esta situação que não nos convém, mas que o ritmo frenético em que vivemos impede de percebê-la como algo nocivo. Sentir-se incomodado! É disto que precisamos. Sabem por quê? Porque sempre foram e sempre serão os incomodados que mudaram e que mudarão o mundo para melhor. A maioria, que é formada por acomodados, vive em função da seguinte frase criada por algum deles: "Os incomodados que se mudem". São acomodados e equivocados, pois a frase correta é: "Os incomodados é que mudam". E para sentir-se incomodado o impulso do tédio é imprescindível.
"'Após ter exultado com o fato de a internet poder entretê-lo, por exemplo, às 4 horas da madrugada, com o tempo Shirky percebeu que perdera algo: o alto valor do tédio'. (...) 'O problema é que, se formos constantemente estimulados pela internet, nunca aprendemos a ser reflexivos', afirma Rich. (...) 'A internet e todos os gadgets digitais viraram uma forma de contornar a dor do tédio, (...) e isso pode ser perigoso para todos, sobretudo para as crianças, que, na ausência do impulso do tédio', talvez nunca descubram o que é mais importante para suas vidas, afirma Carr."
E nunca descobrir o que é mais importante para suas vidas talvez seja algo grave demais para ser negligenciado por seres pertencentes àquela que se julga a espécie inteligente do Universo. A postagem anterior focaliza a sedução exercida por determinado tipo de palavras e esta focaliza outra sedução: a exercida pela crescente quantidade de produtos e serviços que ao tomar todo o nosso tempo impede que nos dediquemos àquilo que deve nos interessar. Vocês não acham que pessoas, realmente, inteligentes devem ter cuidado com seduções? Não, não respondam de imediato. Antes de responder, procurem entediar-se um pouco olhando pela janela durante algum tempo, conforme sugere Shirky, ou saindo para apreciar a natureza, como sugere Rich. Reflitam sobre o que leram nesta postagem e só então respondam. Se não quiserem compartilhar suas reflexões respondam, pelo menos, para vocês mesmos, mas não deixem de responder.
Na esperança de que esta postagem tenha lhes despertado o interesse pelo tédio, termino-a com a mesma afirmação que encerra o texto apresentado em seu início, pois, no meu entender, afirmar que a permanente falta de tédio é tão ruim quanto o tédio permanente não é um mero jogo de palavras, e sim algo cuja aceitação é imprescindível para conseguir "descobrir o que é mais importante para nossas vidas".

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