terça-feira, 31 de julho de 2012

A conquista da quietude (I)

Depois de tomar conhecimento (na postagem anterior) da descoberta do escritor e consultor Clay Shirky quanto ao "alto valor do tédio", creio que este seja um bom momento para ler um excelente artigo da jornalista Dorrit Harazim, publicado na edição de 8 de janeiro de 2012, em sua coluna no jornal O Globo. Em conformidade com o limite que estabeleci com a finalidade de não afugentar aqueles que têm pouco fôlego para leitura, o texto foi dividido em duas partes.
A conquista da quietude
Não é de hoje que profissionais de áreas criativas tentam conciliar a sedutora tirania da era digital com pelo menos um nanossegundo de tempo, espaço e silêncio para pensar.
Três anos atrás, nos Estados Unidos, um doutorando da Universidade da Carolina do Norte inventou um programa que permite ao usuário bloquear o acesso de seu computador à internet por um período de até oito horas. O marketing do software, espertamente batizado de Freedom (liberdade), tinha alvo certo. "Freedom te liberta das distrações, te devolve o tempo [de que você precisa] para escrever, analisar, criar", proclamava o anúncio.
Ao contrário de outros programas de desintoxicação digital - um dos mais úteis congela a tela em intervalos variáveis para induzir o usuário a levantar e dar uma relaxada -, o Freedom interrompe a conectividade com a internet de maneira xiita. Não basta um clique para desfazer o apagão. É necessário desligar e religar o computador, o que equivale a uma eternidade para quem está trabalhando.
Pois ninguém menos do que Nick Horny, Nora Ephron, Zadie Smith e Naomi Klein, para citar alguns escritores da safra de talentos da atualidade, aderiram com entusiasmo à ferramenta. E derramam-se em elogios à reconquista da liberdade de criar.
Em apenas uma geração, o estado de exaltação diante do inebriante ganho de tempo e expansão do conhecimento proporcionado pela era digital começa a ser mitigado por quem se sente sufocado ou distraído pelas demandas ininterruptas da conectividade. Segundo pesquisa recente, quem envereda pela pantagruélica massa de páginas da internet, dedica, em média, não mais de dez segundos a cada uma que acessa.
Em recente ensaio sobre a urgência de uma desaceleração em benefício de se ter mais tempo e espaço para pensar, o escritor e ensaísta britânico Pico Iyer observa que a revolução da informação veio sem manual de instrução. E portanto ainda não sabemos fazer uso adequado dessa ferramenta que alterou o ritmo de nossas vidas. Iyer aproveita para recorrer a Blaise Pascal, que atribuía todos os problemas do ser humano à nossa incapacidade de ficarmos sozinhos e calados num quarto. "Distração é a única coisa que nos consola de nossas misérias, embora seja ela a maior de nossas misérias", filosofou o pensador francês já no século 17.
Para procurar um tipo de felicidade "que não depende do que está acontecendo", Pico Iyer deixou a vida hiperconectada de Manhattan e mudou-se para o Japão. Ali concluiu seu livro mais recente, "The Man Within My Head", que chega às livrarias americanas esta semana, acessando a internet somente após concluir seu período diário de criação literária. Versão moderna da técnica usada por Victor Hugo no século 19. O autor de clássicos como "Os miseráveis" e "Nossa Senhora de Paris" tinha por hábito escrever nu; cabia a seu mordomo esconder as vestimentas do patrão para impedi-lo de sair às ruas antes de concluído o tempo que ele se alocara para escrever.
Continua na próxima quinta-feira

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