quarta-feira, 30 de maio de 2012

Reflexões provocadas por "A educação e o significado da vida"

A educação e o significado da vida é uma publicação de 1957, mas, infelizmente, 55 anos depois muitas coisas nela citadas continuam ocorrendo. Continuamos como que fabricando, segundo um modelo, um tipo de ser humano cujo principal interesse é tornar-se pessoa importante, ou viver deleitavelmente e com o mínimo possível de reflexão. A educação convencional continua dificultando o pensar independente, induzindo o indivíduo a adaptar-se a um padrão, tornando-o subserviente, e ser diferente do grupo ou resistir ao ambiente, continua sendo raro e arriscado. Prosseguimos nos submetendo ao ambiente, abafando o descontentamento, pondo termo à espontaneidade e gerando o temor que impede a compreensão integral da vida. E deixando de possuir tal compreensão, continuamos vendo os nossos problemas individuais e coletivos crescerem, em profundidade e extensão, pois compreender a vida é compreender a nós mesmos; este é o princípio e o fim da educação, segundo Krishnamurti.
Mas algumas mudanças aconteceram e, no meu entender, a mais marcante foi a intensificação do uso da tecnologia. Ao possibilitar o desenvolvimento de algo denominado educação a distância, a tecnologia dominou a educação e levou os pais a confundir educação a distância com manter distância da educação. Então, por trabalharem em tempo integral eles optaram pela terceirização da educação. Aliás, falar em trabalhar chama atenção para mais uma intensificação em relação à época em que Krishnamurti publicou suas ideias: a educação é cada vez mais voltada apenas para uma alienante formação para o mercado de trabalho. E assim formadas (ou seria deformadas?) as pessoas passam a viver para trabalhar, em vez de trabalhar para viver. Não, isto não é um simples jogo de palavras, é uma verdadeira tragédia, pois afasta os pais daqueles com quem eles deveriam conviver com a intenção de educá-los, e até mesmo de educarem-se.
"Conta-se que Licurgo, célebre orador ateniense, fora, certa ocasião, convidado para falar sobre a Educação. Aceitou o convite, sob a condição de lhe concederem três meses de prazo. Findo esse tempo, apresentou-se perante numerosa e seleta assembléia, que aguardava, ávida de curiosidade, a palavra do consagrado tribuno.
Licurgo apareceu, então, trazendo consigo dois cães e duas lebres. Soltou o primeiro mastim e uma das lebres. A cena foi chocante e bárbara. O cão avança furioso sobre a lebre e a despedaça. Soltou, em seguida, o segundo cachorro e a outra lebre. Aquele pôs-se a brincar com esta amistosamente. Ambos os animais corriam de um para outro lado, encontrando-se aqui e acolá para se afagarem mutuamente.
Ergue-se, então, Licurgo na tribuna e conclui, dirigindo-se ao seleto auditório:
'Eis aí o que é a educação. O primeiro cão é da mesma raça e idade que o segundo. Foi tratado e alimentado em idênticas condições. A diferença entre eles, é que um foi educado, e o outro não'."
A passagem acima é do livro O Mestre na Educação de Pedro de Camargo. A diferença entre os cães é que um foi educado, e o outro não. O que foi educado aprendeu a conviver, e o outro não. Ensinar a conviver! Eis o que é a educação, pelo que entendi da lição de Licurgo. Não saber conviver, eis aí a causa de nossos problemas. Problemas que se agravam cada vez mais, pois convivemos cada vez menos. Não, conviver não é relacionar-se por redes sociais; não é olhar as pessoas através de uma câmera web; é olhar nos olhos, pois este é o modo de olhar capaz até de fazer um carcereiro libertar um prisioneiro que seria executado no dia seguinte, pelo simples motivo de estar de outro lado em uma guerra que não foi provocada por nenhum dos dois. O episódio é contado na postagem O coração tem razões... e quem não a leu deve fazê-lo, pois considero-a uma das melhores publicadas neste blog.
Aprender a conviver! Eis o resultado de uma educação correta. Intolerância, ódio e crescente violência! Eis as consequências do descaso com a educação; do desinteresse pelo convívio. É a falta de convivência que leva filhos a matar os pais, pais a matar os filhos e tantas pessoas a se destruir através do uso de drogas, pois a vida deixa de ter significado quando não se desenvolve a capacidade de conviver. A educação e o significado da vida, um texto de Krishnamurti, provocou estas reflexões; uma lição de Licurgo demonstrou que a educação possibilita o desenvolvimento de uma convivência harmoniosa; minhas reflexões me levam a concluir que a convivência harmoniosa dá significado à vida. Isto faz sentido para vocês?

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