Creio que a defesa da
convivência entre pais e filhos como condição para o êxito da educação, tenha
sido a causa do oportuníssimo envio pelo Luciano Fabiano (um dos destinatários
dos meus e-mails) do ótimo texto de Márcia Neder intitulado Mãe
desnecessária. Márcia é psicanalista e pesquisadora da UFMS e da USP /
NUPPE, doutora em Psicologia Clínica e autora de Psicanálise e Educação –
Laços Refeitos e A arte de formar: o feminino, infantil e o
epistemológico. Verifiquei que o texto já foi divulgado pela internet,
portanto, pode já ser conhecido por alguns de vocês, mas por acreditar que não
o seja por todos, e que bons textos jamais sejam suficientemente divulgados,
optei por ajudar a espalhá-lo. Afinal, o título deste blog é Espalhando ideias.
Mãe desnecessária"A boa mãe é aquela que vai se tornando desnecessária com o passar do tempo. Várias vezes ouvi de um amigo psicanalista essa frase, e ela sempre me soou estranha. Até agora. Agora que minha filha adolescente, aos quase 18 anos, começa a dar voos-solo. Chegou a hora de reprimir de vez o impulso natural materno de querer colocar a cria embaixo da asa, protegida de todos os erros, tristezas e perigos. Uma batalha hercúlea, confesso. Quando começo a esmorecer na luta para controlar a super-mãe que todas temos dentro de nós, lembro logo da frase, hoje absolutamente clara. Se eu fiz o meu trabalho direito, tenho que me tornar desnecessária.Antes que alguma mãe apressada me acuse de desamor, explico o que significa isso. Ser 'desnecessária' é não deixar que o amor incondicional de mãe, que sempre existirá, provoque vício e dependência nos filhos, como uma droga, a ponto de eles não conseguirem ser autônomos, confiantes e independentes. Prontos para traçar seu rumo, fazer suas escolhas, superar suas frustrações e cometer os próprios erros também.
A cada fase da vida, vamos cortando e refazendo o cordão umbilical. A cada nova fase, uma nova perda é um novo ganho, para os dois lados, mãe e filho. Porque o amor é um processo de libertação permanente e esse vínculo não pára de se transformar ao longo da vida. Até o dia em que os filhos se tornam adultos, constituem a própria família recomeçam o ciclo. O que eles precisam é ter certeza de que estamos lá, firmes, na concordância ou na divergência, no sucesso ou no fracasso, com o peito aberto para o aconchego, o abraço apertado, o conforto nas horas difíceis.Pai e mãe - solidários - criam filhos para serem livres. Esse é o maior desafio e a principal missão. Ao aprendermos a ser 'desnecessários', nos transformamos em porto seguro para quando eles decidirem atracar."
A postagem anterior defende a necessidade da convivência entre pais e filhos como condição para o êxito do processo educacional. Esta apresenta um texto intitulado Mãe desnecessária. Ideias conflitantes? Não, ideias complementares, conforme será demonstrado no decorrer da postagem. A boa mãe é aquela que vai se tornando desnecessária
com o passar do tempo, é a frase que Márcia Neder ouvira várias vezes de um amigo psicanalista e sempre lhe soara estranho, mas que aos quase 18 anos da filha se tornara absolutamente clara. Se eu fiz o meu trabalho
direito, tenho que me tornar desnecessária, afirma ela.
E o que é fazer o seu trabalho direito? No meu entender, é fazer o que é defendido na postagem anterior: conviver com os filhos durante o processo educacional. E fazê-lo da forma descrita no texto de Márcia Neder: preservando o amor incondicional de mãe, mas sem provocar dependência nos filhos; entendendo o amor como um processo de libertação permanente que propicie aos filhos tornarem-se livres para viver sua vida de forma independente e confiante de ser capaz de traçar seu rumo, fazer suas escolhas, superar suas frustrações, cometer os próprios erros e ter coragem para assumi-los e corrigi-los.
No título, apenas a mãe é citada, mas o texto é encerrado citando também o pai. Pai e mãe - solidários - criam filhos para serem livres. (...) Ao aprendermos a ser 'desnecessários', nos transformamos em porto seguro para quando eles decidirem atracar. A geração de um novo ser resulta de participações feminina e masculina, portanto, parece-me que a educação de um filho seja tarefa para mãe e pai. Aliás, se todos entendessem isto não veríamos coisas como o recente episódio em que uma filha resolveu processar o pai por abandono afetivo. Por não ter cuidado dela direito, na infância e na adolescência. Ou, conforme a ideia defendida na postagem anterior, por não ter convivido com ela durante o período da vida em que a presença dos pais é necessária.
Abandono afetivo! Eis um grande mal desta
sociedade onde, em vez da saudável prática de irem se tornando desnecessários
com o passar do tempo, os pais, desde o início, parecem considerar sua presença
como algo desnecessário na vida dos filhos. Mas, assim como na Contabilidade,
tudo na vida tem uma contrapartida, e para a ausência de convivência durante o
processo educacional a contrapartida são filhos dependentes que se
tornam adultos inseguros, incapazes de caminhar pela vida com suas próprias
pernas, e que acabarão tendo de conviver com os pais por longo período na idade adulta.
O texto de Márcia Neder focaliza outro problema: a super-mãe que coloca a cria embaixo da asa, protege-a de
todos os erros, tristezas e perigos, cujo resultado acaba sendo o mesmo descrito no parágrafo acima. Ou seja, como qualquer coisa na vida, convivência entre pais e filhos requer a dose adequada; nem mais, nem menos. Mas, no meu entender, o problema maior nos dias de hoje é a insuficiência de convivência. Sergio Sinay, um reconhecido especialista e estudioso dos vínculos humanos, acaba de publicar um livro intitulado A sociedade dos filhos órfãos - Quando pais e mães abandonam suas responsabilidades.
Conforme dito acima, esta postagem e a
anterior contêm ideias complementares. Aprender a tornar-se 'desnecessários' é
a belíssima lição que Márcia Neder aprendeu com um amigo psicanalista e que
resolveu compartilhar. Perceber que tornar-se desnecessário depende de atuar
corretamente durante o período em que se é necessário (infância e adolescência)
é algo que pode ser aprendido com a postagem anterior. Reler as duas postagens
e refletir sobre o que nelas é dito torna-se necessário se quisermos que com o
passar do tempo nos tornemos desnecessários para aqueles que dependem de nós.
Afinal, embora alguns, equivocadamente, possam imaginar que sim, nenhum de
nós é eterno (nesta dimensão), não é mesmo?
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