Conforme prometido na postagem anterior, segue um texto que
considero bastante propício para reflexões sobre o que seja vencer na
vida e ser bem-sucedido. O texto é do livro Confissões de um homem
sincero –
A Glória e a
Miséria dos Relacionamentos de Fabio Hernandez.
Velhos amigos
Éramos inseparáveis na escola de
jornalismo. Ele, um obcecado por fazer tudo o melhor possível; eu, com a
tranqüilidade preguiçosa de alunos sem grande ambição. Paulo e Fabio. Em comum
algumas coisas, como a paixão pelo Corinthians, os romances de Graham Greene e
os solos de guitarra suavemente minimalistas de George Harrison. O tempo se
incumbiria de dar a nós dois o destino que cada um começou a construir lá para
trás.
Paulo é o que comumente se define um jornalista de sucesso. Primeiro repórter, depois editor, depois diretor de revista.
Minha carreira foi menos variada. Primeiro um escritor barato, depois um
escritor barato. Sempre um escritor barato.
A vida nos afastou. (A vida sempre afasta os amigos da juventude.
A vida é cruel como um cossaco russo nesse trabalho de afastamento dos amigos.)
Ficamos anos sem nos ver. Deixei pelo telefone, duas ou três vezes, recado com
sua secretária. Não recebi retorno. Entendi: pessoas em alta posição nunca têm tempo para nada, ao contrário de vagabundos como eu, para os quais os minutos
fluem vagarosos como a água de um riacho. Até que um dia nos encontramos por
acaso numa fila de cinema. Tínhamos ambos ido ver A Mulher do Lado, de
Truffaut. (Não pus, por engano, esse filme perturbador na lista de nossas
paixões comuns. Agora corrijo o erro). Como falávamos desse filme em nossos dias
de jovens, como elucubrávamos, como discutíamos cada cena.
Ver meu
amigo bem-sucedido na fila de A Mulher do Lado me levou imediatamente a
uma constatação. Sim, ele vestia um blazer que me pareceu Armani, e imagino que
fosse Rolex o relógio que tinha no pulso esquerdo. Mas, na alma, não mudara
tanto assim. Estávamos ambos sozinhos. A Mulher do Lado era e é um filme
sagrado para nós. E filmes sagrados, dizíamos ele e eu em nossos dias de
jovens, exigem que você os veja sozinho. Para se concentrar inteiramente. No
máximo, a companhia de um saco de pipocas. Nada mais.
Parecia
piada
Combinamos
tomar um lanche na saída. Nada muito demorado. No dia seguinte, meu amigo tinha
uma reunião bem cedo. Fomos ao Hamburguinho, outra de nossas obsessões comuns
que me esqueci de listar. Miramos em silêncio respeitoso o quadro Boulevard
of Broken Dreams, sobre o qual tanto falávamos lá para trás. Na melancólica
lanchonete retratada no quadro parecíamos reencontrar um pouco da juventude
para sempre perdida. “Sempre invejei você”, Paulo me disse.
Pensei que
fosse piada. “Invejou o quê? Minha desimportância? Desde quando escritores
fracassados despertam inveja? Eu imaginava uma estante repleta de livros
escritos por mim. Um novo Dostoievski. Um novo Fitzgerald. E acabei como um
colunista de assuntos sentimentais. Com dinheiro contado para comer este
sanduíche”. Ele suspirou. “Você não foi apanhado pela gaiola em que me meti. Você é dono de você. Há muito tempo eu deixei de ser dono de
mim. É o preço que
ambiciosos como eu pagam”.
Eu disse:
“E quem não paga? Só não paga quem não pode”. Ele deu uma risada irônica. E
olhou para algum lugar que era bem longe dali. “Meu pai. Meu pai não pagou”. O
pai morto era uma dor constante para meu amigo. “Foi o maior homem que conheci.
O maior jornalista. Fui bem mais longe na carreira que ele. Muitas vezes me
perguntei por quê. Outro dia finalmente entendi. Fui adiante não porque fosse melhor que
ele, mas porque sou pior. Eu paguei o
preço que meu pai recusou pagar”.
Era hora de
ir embora. Antes de nos despedirmos, para talvez nunca mais nos encontrarmos.
Paulo me disse: “Leio você, sabe? Acho que me realizei em você. Um escritor barato.
Era isso que eu queria ser. Barato e livre. Mas não tive a coragem de recusar o que as
pessoas chamam de sucesso”. E então
meu amigo foi em seu carro importado rumo a sua cobertura, a seu sucesso
dolorido e a seu sentimento de orfandade e desamparo. Eu apanhei um táxi no
ponto e no trajeto pensei que o sucesso é mesmo uma coisa muito engraçada.
*************
Fabio Hernandez acha que o sucesso é uma coisa
muito engraçada. Eu o acho uma coisa muito intrigante. E vocês o que acham? Vejo
muito sentido no texto de Fabio Hernandez e na próxima postagem publicarei as minhas reflexões provocadas por ele. Aguardo as de vocês que poderão ser publicadas
usando o recurso do comentário, enviadas por e-mail para
lendoeopinando@gmail.com, e até provocar postagens.
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