sábado, 28 de abril de 2012

Nem viver, nem existir

A postagem de 9 de abril contém no título a seguinte pergunta: "Você vive ou existe?". No blog, ninguém a respondeu, mas por e-mail recebi cinco respostas que podem ser resumidas assim: três elogiando o texto, uma dizendo “respondendo a sua pergunta eu digo que: VIVO!!!!!”, uma dizendo “continue enviando o alimento para nossas almas!”, uma assinada com “Alexandre, um inexistente” e uma (a última recebida) contendo uma afirmação instigante que me levou a redigir esta postagem que deveria ter sido publicada no dia 16. O adiamento foi causado pela leitura, no dia 15, de um artigo de Ruth de Aquino publicado na edição de 16 de abril (sic) da revista Época. Por considerar que ele focaliza algo que tem muito a ver com esta postagem, optei por publicá-la depois dele. A resposta instigante que recebi é a seguinte:
"Guedes, eu não tenho Facebook, Twitter e agregados, no entanto não estou vivendo, nem fico ligada em internet 24 horas, mas o trabalho não me deixa viver".
A pergunta foi “Você vive ou existe?”, mas ao respondê-la a ex-colega de trabalho e eterna amiga acrescentou uma terceira possibilidade ao afirmar que nem existe (não tem Facebook, Twitter e agregados), nem vive, pois o trabalho não a deixa viver. Sua resposta poderia ter sido dada por muitas outras pessoas, pois é crescente a quantidade de indivíduos que em vez de trabalhar para viver, vive para trabalhar. E para que tal aconteça alguns dos maiores responsáveis são, exatamente, aqueles que foram alvo do artigo de Ruth de Aquino: os maus líderes, ou pior, aqueles que nada têm de líder, pois são apenas chefes.
Com a finalidade de impressionar superiores hierárquicos, mostrando que conseguem explorar ao máximo a força de trabalho (adoro esta expressão!), os chefes costumam infernizar a vida de quem está abaixo na hierarquia. E agindo assim colocam os subordinados na situação descrita na resposta que recebi. E para conseguir seu intento eles contam cada vez mais com uma poderosa aliada: a tecnologia da "conexão". Ao possibilitar a conexão de todos com todos durante todo o tempo, a tecnologia mantém os subordinados na alça de mira dos chefes durante 24 horas por dia e sabe Deus quantas à noite. E podendo ser contatado a qualquer hora, um profissional jamais terá um minuto de sossego para viver em paz.
Mas se há chefes que levam os subordinados a viver para trabalhar, há também os profissionais que agem assim por conta própria. São aqueles que por acreditar que tempo é dinheiro vendem todo o seu tempo para acumular o máximo de dinheiro. E ao agir assim ficam cheios de dinheiro e vazios de tempo. O pior é que são esses os que, equivocadamente, são considerados os que vencem na vida. É muito estranho! Como considerar como vencedores na vida indivíduos que, efetivamente, não vivem, pois dedicam toda a sua vida ao trabalho? Aliás, se quisermos olhar a vida como um jogo (no qual se pode vencer ou perder), creio que o resultado que deveria ser considerado mais conveniente seja o empate. Nem trabalhar demais, nem de menos; nem ser um escravo, nem passar pela vida como um turista.
E falar em turista me faz lembrar o seguinte. Ao chegar a um hotel, o hóspede recebe uma ficha na qual entre outras coisas ele informa o motivo da viagem. Motivo que é escolhido entre quatro opções oferecidas: turismo, negócio, convenção e outros. Considerando a vida como o que ocorre enquanto estamos hospedados neste planeta, quero fazer aqui uma analogia. Qual é o motivo da nossa viagem até ele? No meu entender, a resposta correta envolve dois dos motivos citados acima: negócio e outros.
Negócio no sentido de negação do ócio e de envolvimento em alguma atividade capaz de produzir algo útil para o todo do qual cada um de nós é uma parte. Outros no sentido de não ocupar todo o tempo apenas com trabalho, mas destinar parte dele para fazer inúmeras outras coisas, entre elas aprender a trabalhar melhor para conseguir trabalhar menos. Trabalhar demais é, justamente, a maior causa da necessidade de se trabalhar cada vez mais. É por trabalhar, exaustivamente, durante horas e horas seguidas, fazendo coisas das quais não se gosta que mais dejetos são produzidos, mais trabalhos precisam ser refeitos e menos tempo se tem para fazer qualquer outra coisa que não seja trabalhar.
Infelizmente, esta que se julga a espécie inteligente do Universo não consegue perceber tais coisas. E quando o suposto ser inteligente vira chefe a dificuldade de tais percepções costuma ficar ainda maior, pois ele passa a desenvolver um estranhíssimo tipo de inteligência que o impede de enxergar as coisas mais óbvias e o faz ver apenas o que os seus superiores hierárquicos querem que ele veja. Tão estranho que até hoje Howard Gardner, o criador da Teoria das Inteligências Múltiplas, não conseguiu incluir tal inteligência entre elas. Ele que, inicialmente, enxergara sete inteligências (Lógico-matemática, Linguística, Musical, Espacial, Corporal-cinestésica, Intrapessoal e Interpessoal), posteriormente, enxergou mais duas (Naturalista e Existencial), mas a Gerencial ele parece nunca ter visto. Mas que ela existe, existe, e uma das provas de sua existência é a sua maléfica consequência citada na resposta que recebi e que provocou esta postagem.
Não, por mais que tentem nos convencer do contrário, ninguém veio a este mundo para trabalhar tanto a ponto de não lhe restar tempo algum para viver. Portanto, não acreditem em tal coisa e jamais desistam de viver.
A próxima postagem apresenta um texto que possibilita refletir sobre algo que foi dito, de passagem, nesta postagem: quem são os que vencem na vida.

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