Gostei demais do artigo de Ruth de Aquino (publicado na revista Época de 16 de abril), mas discordo do título dado por ela. No meu entender, não existe mau líder. O que existe é o mau uso da palavra líder. Se ser líder é ter a capacidade de inspirar pessoas, não existe bom nem mau líder. Ser líder é algo hamletiano: "Ser ou não ser, eis a questão!". Ou o indivíduo tem a capacidade de inspirar pessoas e é líder ou não a tem e não é. Portanto, esqueçamos definitivamente essa história de bom ou mau líder.
Talvez por uma questão de ostentação, no teatro corporativo a palavra líder é cada vez mais usada em substituição a outras que definem melhor os papéis desempenhados pela legião de atores que adora ser chamada de "líder". Chefe, coordenador e gerente são algumas das denominações erroneamente substituídas por líder. Ruth de Aquino usa líder no título, mas em vários trechos de seu artigo aparece a palavra chefe. Líder e chefe são figuras, simplesmente, antagônicas. Enquanto líder é alguém que inspira, é admirado e seguido espontaneamente, chefe é alguém que ordena, geralmente é detestado e é obedecido por medo de possíveis represálias. Creio que nunca seja demais repetir que no teatro corporativo vigora uma famosa regra: Manda quem pode e obedece quem tem juízo.
Portanto, quem manda é chefe, pois quem é líder inspira, estamos entendidos? Aliás, em termos de inspiração, pode-se dizer o seguinte: líderes inspiram confiança em quem estiver abaixo deles; chefes inspiram confiança em superiores hierárquicos, principalmente naqueles que os colocaram no cargo. E para inspirar tal confiança, muitas vezes agem conforme descrito no artigo de Ruth de Aquino: "Passam a vida adulando superiores e infernizando a vida de quem está abaixo na hierarquia."
O artigo de Ruth faz várias referências a uma pesquisa publicada na semana anterior pelo jornal O Globo e nesta postagem opino sobre algumas delas. Segundo Ruth, a pesquisa reforça o que já sabemos: "As três principais qualidades de um líder são: inspirar outras pessoas, ter ética e ser capaz de tomar decisões". "Um líder é reconhecido pela forma como age, não pelo que fala", diz um consultor citado na pesquisa. "Um chefe é reconhecido pelo que fala, não pela forma como age", digo eu. Até porque a maioria é adepta de um lema idiota: Faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço.
Outra coisa interessante no artigo de Ruth de Aquino é uma afirmação de um sócio diretor citado na reportagem: "Não adianta achar que promover alguém a cargo de gestão fará dele líder". Ela me faz lembrar a seguinte frase de Laurence J. Peter, educador norte-americano: "Entrar numa igreja não o torna cristão, assim como entrar numa garagem não o transforma num carro". Faço o seguinte acréscimo à frase de Peter: "Assim como entrar num recinto reservado para um gestor não o transforma num líder".
Ruth diz que "há muitos chefes que se consideram deuses, donos da verdade suprema, superiores a todos que os cercam - e deixam isso claro para seus subordinados, com agressões verbais, manipulações psicológicas ou ironias demolidoras". E ao dizer isto me faz lembrar um superintendente que criou um período de duas horas em um determinado dia da semana para que os subordinados pudessem conversar com ele. Após algumas conversas, aquele horário passou a ser conhecido pelo nome de uma famosa música de Gilberto Gil: "Se eu quiser falar com Deus". O superintendente ouvia a todos, mas a razão estava sempre com ele.
"Quando admiramos e respeitamos nossos chefes, trabalhamos mais e melhor, por vontade própria" é mais uma afirmação que me traz uma lembrança interessante. São de Antoine de Saint-Exupéry as seguintes palavras: "Se quiseres construir um navio, não reúna pessoas para elaborar planos, distribuir tarefas, buscar ferramentas, cortar madeira, mas desperta nelas o desejo de buscar a amplidão dos mares. Então, elas construirão o navio por si". O que Saint-Exupéry recomenda não fazer são tarefas de um chefe e o que ele sugere é agir como um líder, perceberam?
Quanto à afirmação de que "nem todos os líderes 'nascem prontos' e que liderança também se aprende" tenho a seguinte opinião: líderes desenvolvem a si próprios à medida que vão vivendo e se interessando, verdadeiramente, em contribuir para a melhoria do ambiente em que vivem, ou melhor, em que convivem.
"Para um subordinado inteligente, é mole sacar o líder 'artificial ou ambíguo'", diz um consultor citado na reportagem sobre a pesquisa. Para um subordinado inteligente, é mole sacar que não há líderes, e sim chefes, digo eu. O que não é mole para um subordinado inteligente é passar a sua vida profissional vendo surgir a cada dia mais líderes que nada lideram. Atuei durante toda a minha vida profissional em uma atividade que requer trabalho em equipe - o desenvolvimento de sistemas de informações - e, obviamente, alguém que coordene a equipe. Mas em vez de coordenador o que as equipes tinham era um líder de projeto. Tinham, ou seja, no passado, pois a cada dia que passa desenvolver sistemas envolve uma quantidade maior de líderes: líder de projeto, líder de produto, líder funcional, líder de upgrade, líder de etc.
Certa vez (ou seria errada vez?), fui envolvido em um trabalho intitulado Projeto Migração Técnica ERP 6.0, que tinha um líder de upgrade. Mas esse ninguém suportou e teve o seu título alterado para ponto focal. Bem, depois de um ponto focal, creio que reste apenas colocar um ponto final nesta postagem, pois ler sobre invencionices precisa ter limites. Portanto, paremos por aqui, pois de ponto focal para ponto fecal a distância é curtíssima.
Considero o texto de Ruth de Aquino excelente, mas, no meu entender o título mais adequado para ele é "O pseudo líder". Alguém discorda?
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