terça-feira, 3 de abril de 2012

Os dois tipos de consultores

A primeira vez que ouvi falar em consultoria foi, em meados da década de 1980 (faz tempo, hein!), em um módulo de um programa denominado CASI - Curso Avançado de Sistemas de Informações. Após aplicar um questionário com perguntas do tipo "como você agiria em determinada situação?", cujas respostas recebiam pontuações, o instrutor solicitou que quem tivesse obtido mais do que um determinado número de pontos levantasse o braço. Dos quinze participantes da turma, quatorze o levantaram. Mas quem seria o estranho ser que manteve o braço abaixado? Aquele que ao aposentar-se criaria um blog intitulado Espalhando ideias.
Confesso que, ao ver todos os demais com o braço levantado, cheguei a pensar em também levantar o meu, pois assumir-se como diferente perante uma maioria é algo bastante difícil. E quatorze em quinze é algo que pode ser classificado como uma daquelas maiorias esmagadoras. Mas, felizmente, tive coragem suficiente para manter o braço abaixado. Então, o instrutor explicou que analistas de sistemas de informações podem ser chamados de consultores e que como tal os quatorze que levantaram o braço tinham características de consultor diretivo enquanto aquele único diferente tinha características de consultor não diretivo. A seguir ele explicou o que vem a ser cada um deles.
Em linhas gerais, consultor diretivo é aquele que fornece uma "solução" pronta, pois julga que conhece o problema do usuário, e este tem que se submeter a sua solução. Consultor não diretivo é aquele que ajuda o usuário a identificar o verdadeiro problema e juntamente com ele encontra a solução. Os quinze participantes foram divididos em grupos de três nos quais um voluntário deveria apresentar um problema a ser solucionado pelos outros dois. Um atuando como consultor diretivo e outro como não diretivo. Como na turma havia apenas um com características de consultor não diretivo quatro com características diretivas tiveram que deixá-las de lado e atuar como não diretivos.
Encerrado o exercício cada "dono" de problema foi chamado para responder sobre qual dos tipos de consultoria fora mais efetivo para solucioná-lo. A resposta foi unânime: todos preferiram a consultoria não diretiva. Ou seja, as pessoas preferiram participar da busca da solução para o seu problema. Então, o instrutor disse que, em termos de consultoria, o futuro seria não diretivo. O tempo passou a tendência não foi confirmada e o que ocorreu foi a vitória do lado negro da força: do tipo de consultoria que os "donos" dos problemas daquele exercício realizado no curso consideraram o pior para solucioná-los. Em tempo: O conceito de não diretividade é de autoria de Carl Rogers (1902-1987), um famoso psicólogo norte-americano.
A vitória do lado obscuro da força deve-se a crescente abundância de executivos inseguros e despreparados para o desempenho de suas funções. São eles que propiciam as condições para a proliferação de vendedores de soluções a cata de problemas; de soluções universais para problemas particulares. Foram esses executivos que propiciaram o surgimento e a expansão da fabulosa indústria das "melhores práticas" (embasadas não sei em que!) e dos "pacotes" de software, nos quais os clientes passaram a ser embrulhados. Segundo o Aurélio, pacote tem o seguinte sentido figurado: logro, embuste, engano. Ir no pacote é uma gíria que significa ser enganado, deixar-se lograr. Considero tais significados, simplesmente, perfeitos para o assunto em questão.
Creio que o que foi dito até aqui seja suficiente para explicar a minha aversão por consultorias, mas, diferentemente do que ocorrera no episódio do levantamento de braços, em relação a esta aversão eu não estou sozinho. E para respaldar esta afirmação, seguem algumas opiniões que selecionei da minha coleção de opiniões sobre consultorias.
São de uma reportagem de Cláudia Vassalo publicada na edição de 2 de dezembro de 1998 da revista Exame com o título "Quem precisa de consultor?" as seguintes opiniões: "Gestões fracas tendem a ser viciadas em consultoria. Seus executivos não conseguem fazer nada sem ter o aval de uma delas nas mãos. Fazem isso por inépcia ou como forma de proteção. Erros acontecem? Ora, a culpa foi do consultor." / “Ninguém, nenhum consultor com seu diploma de MBA, sabe mais sobre uma corporação do que seus executivos." / "Uma empresa cujos executivos abdicam de suas responsabilidades não precisa de consultores. Precisa de novos executivos."
Arthur Martinez, presidente da SEARS, diz o seguinte: "Existem pessoas que se sentam numa cadeira e dizem à McKinsey ou à Coopers Lybrand: 'Venha me ajudar a decidir o que eu devo fazer com essa companhia'. Eu acho que isso é uma espécie de falência pessoal." Pedro Gomes Filho, diretor de recursos administrativos da subsidiária brasileira da 3M, tem a seguinte opinião: "O consultor pode trazer consigo uma coleção de benchmarks e conceitos impressionantes de administração. Tudo isso é ótimo. Mas a solução do seu problema está dentro da sua empresa."
Mas, no meu entender, a melhor opinião é a de João Lima, diretor de recursos humanos do grupo gaúcho Gerdau: "As melhores histórias de consultorias são aquelas em que os executivos nunca abrem mão do controle. Nelas, o consultor não se apodera da operação. Sua maior missão é fazer a organização pensar, discutir e achar a melhor solução possível. Sabe quando tivemos sucesso com consultores? Foi quando nos sentimos donos da solução e o consultor foi apenas um instrumento para ajudar a chegarmos a ela". Alguém deixou de ver nas palavras de João Lima que só houve sucesso quando a consultoria foi não diretiva?
Mas embora o sucesso só exista quando a consultoria for não diretiva, o fato é que, como já foi dito acima, a vitória coube ao lado negro da força, ao que traz o insucesso. E tal vitória abarrotou o teatro corporativo de consultores diretivos atuando em uma atividade essencialmente não diretiva: o desenvolvimento de sistemas de informações. A consequência imediata é a abundância de fracassos em tal atividade. Mas esses profissionais, especialistas em fornecimento de coisas "prontas", não se abalam e com a maior desfaçatez proferem uma frase "pronta" que trazem sempre na ponta da língua: "Não deu certo porque o usuário não sabe o que quer". Trabalhei durante 3,5 décadas como analista de sistemas e jamais recorri a esta frase. Verdadeiros analistas de sistemas sabem que cabe a eles descobrir o verdadeiro problema dos usuários e juntamente com eles encontrar a solução. Pseudo analistas de sistemas pretensiosamente julgam saber qual é o problema dos usuários, vendem-lhes pseudo soluções prontas e estão sempre prontos a lhes atribuir a culpa pelo insucesso das maravilhosas "soluções" que lhes venderam.
"O usuário não sabe o que quer". Que frase infeliz! O usuário (aquele que efetivamente coloca a mão na massa) sempre sabe o que quer, pois o que ele quer é a solução para os seus problemas. Se nessa história há alguém que não sabe algo esse alguém são os executivos que, geralmente, não sabem escolher o tipo de consultoria que deve ser contratado. Sendo assim, eles optam por uma consultoria diretiva e introduzem em Tróia, digo, na empresa, um verdadeiro presente de grego: as "melhores práticas" e os "pacotes" de software. Escolhem errado porque não são os executivos, e sim os "executados", que sofrerão com o uso das práticas e dos pacotes contratados. E porque os métodos de venda talvez não sejam os mais decentes.
Em uma reportagem de capa publicada na edição de 15 de julho de 1998 da revista Exame com o título O fenômeno SAP - Por que as empresas brasileiras estão fascinadas pelo colosso alemão do software, são atribuídas ao "fenomenal" vendedor que "ilustra" aquela reportagem as seguintes palavras: "Não vendo porque sou bonito. Tenho um produtaço. Vender para uma pessoa só é mole. Basta convidar para jantar e dar um porre. Mas já demorei três anos para vender a uma única empresa". Quantos porres devem ter sido dados, hein! Que depoimento! Um consultor confessando qual é a sua melhor prática para vender um pacote! Mostrando que melhores práticas devem ser vistas como algo classificado do ponto de vista do vendedor, e não do comprador. Para terminar, deixo aqui uma recomendação: Se você for responsável pela contratação de consultorias e / ou pela compra de pacotes de software - ou se algum dia vier a ser - jamais aceite convites para jantar feitos por consultores; e se aceitar, não beba.
Alguém concorda que houve uma "overdose" de postagens sobre o teatro corporativo e que seja hora de mudar de assunto? Respondam, pois para mim a participação do usuário é fundamental. Afinal, naqueles quinze eu era o único consultor não diretivo.

Um comentário:

Amarin disse...

Fala Guedes,

É bom tê-lo de volta, e obrigado pelo notável comentário!

Já quanto ao seu post, nada posso dizer além do que o tema tratado não me é interessante, salvo para os trechos em que você felizmente classificou como "teatro corporativo" que ao meu ver isso bem revela esta parte capitalista da atualidade, isto é, as companhias que só visam o lucro acima de qualquer coisa, ou seja, segundo a ideia corporativista, nunca foi e nunca será o objetivo intrínseco das empresas satisfazer o cliente e sobretudo cooperar com o mundo, muito pelo contrário os seus negócios, que neste caso são os softwares, poderiam muito bem ser outra coisa como a indústria do tabaco ou a do álcool, enfim, desde que lhe gerem lucros, além do mais, aquilo que antes mencionei sobre "cooperar", me causa até gargalhadas, visto que são justamente as indústrias as maiores poluidoras do mundo. É uma série de fatores que se voltam contra as companhias, sem exceção, como também o caso do desemprego, que tais empresas demitem no momento que bem entenderem, sem o mínimo respeito ao trabalhador que muitas vezes dedica-se com afinco à sua função, e mesmo assim não é reconhecido.

Por fim, danem-se as porcas e capitalistas companhias, bem como seus respectivos executivos!

Espero que não se sinta ofendido, pois meu intento é tecer uma crítica construtiva contra capitalismo que se esconde por detrás das chamadas empresas.

No mais, um grande abraço a você e volte sempre!

Anselmo.