domingo, 27 de novembro de 2011

O peso da servidão (I)

Após a fábula do lobo-traficante na sociedade dos cordeiros, segue uma fábula do educador francês Célestin Freinet (1896 – 1966) protagonizada por ovelhas e carneiros. É um momento animal neste blog e que não deixa de ser interessante. Vejam o que respondeu Chuck Jones (cartunista autor do Pernalonga e de outros clássicos do desenho animado americano) ao ser perguntado por que desenhava bichos em vez de gente: “É mais fácil humanizar animais do que humanizar humanos”. Diante do que costumamos ver, é um ponto de vista a ser considerado.
Encontrei a fábula no livro Expansão Criativa, de Emerli Schlögl, onde é apresentada abaixo da seguinte recomendação: “Para refletir (para o professor)”. Mas, no meu entender, ela também é bastante adequada para reflexões por parte de gerentes, chefes, pais e quaisquer pessoas cujo “papel a desempenhar” envolva interação com “subordinados”.
O peso da servidão
“Dizem que as nossas ovelhas são estúpidas. Nós é que as tornamos estúpidas, ao encerrá-las em estábulos acanhados, sem ar e sem luz, onde não têm outro recurso senão baterem com as patas no chão, balindo sempre até aparecer o pastor ou o açougueiro.
E nós as tornamos estúpidas também quando, em plena montanha e sob a ameaça do chicote e dos cães, as obrigamos a seguir passivamente, pelo atalho tortuoso, os passos da ovelha dianteira, que por sua vez segue o carneiro de longos chifres, que também não sabe para onde leva o rebanho, mas que se orgulha de ser carneiro.
Nós as tornamos estúpidas porque reprimimos brutalmente todas as tentativas de emancipação, todas as veleidades dos jovens carneiros de fazer as suas experiências fora dos caminhos batidos, perdendo-se nas matas, demorando-se entre as rochas, mesmo se conseguirem colher apenas arranhões e ranger de dentes.
Mas nós temos desculpa. O nosso fim não é educar nossas ovelhas nem torná-las inteligentes, mas somente treiná-las para suportar, aceitar e até desejar a lei do rebanho e da servidão - aquele que dá boa carne e grandes benefícios.
Infelizmente, porém, ainda ouço crianças balbuciando em cantochão – ia dizer balindo -, por trás das portas fechadas das suas escolas-estábulo, mesmo que sejam luxuosas: vejo-as bater os pés como as nossas ovelhas, à entrada e à saída e nada falta, nem os carneiros, nem os pastores autoritários, nem os regulamentos tão severos quanto os nossos chicotes e os nossos cães. Vejo-as virar, todas ao mesmo tempo, as mesmas páginas, repetir as mesmas palavras, fazer os mesmos sinais... E mais tarde, você se admirará ao vê-las oferecer miseravelmente os braços à exploração e o corpo ao sofrimento e à guerra, como as ovelhas se oferecem ao matadouro.
É a servidão que nos torna fracos; é a experiência vivida, mesmo perigosamente, que forma homens capazes de trabalhar e viver como homens.
Não aceite a volta à servidão escolar. Faça por merecer a liberdade!”
A fábula de Célestin Freinet possibilita a percepção de que, desde o período escolar, essa espécie que é a única potencialmente dotada da capacidade de questionar é desestimulada quanto ao desenvolvimento de tal aptidão. Obrigadas a seguir passivamente, pelo atalho tortuoso, os passos da ovelha dianteira, que por sua vez segue o carneiro de longos chifres, que também não sabe para onde leva o rebanho, mas que se orgulha de ser carneiro, a capacidade de questionar das ovelhas tende a atrofiar-se.

  Continua na próxima quarta-feira
 

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