quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Sem atuar sobre as causas reais é impossível acabar com os efeitos

A vontade de escrever sobre este tema surgiu ao ler, em um dos trechos do livro de Fernando Portela citados na postagem anterior, a expressão causas reais. Identificar as causas reais e atuar sobre elas são condições imprescindíveis para solucionar qualquer problema e eliminar seus efeitos. E é, justamente, por contrariar tal afirmação, e viver segundo a “filosofia” do faz de conta, que esta sociedade se vê, cada vez mais, diante de tantos problemas “insolúveis”. Mas por que será que ela age assim? Em minha opinião, por comodismo.
Por comodismo, as pessoas adotam a prática de terceirizar qualquer coisa que as incomode. Desde tarefas que lhes cabem em suas atividades profissionais (a avalanche de contratação de consultores está aí para comprovar) até ações para acabar com os males que as atingem. E agindo assim criam mais um problema, pois sem a atuação efetiva dos prejudicados (que, admitindo ou não, contribuem para que ele exista) problema algum pode ser solucionado.
Por comodismo, as pessoas omitem-se da responsabilidade de atuar sobre as causas reais dos problemas que as atingem e, irracionalmente, pretendem solucioná-los por intermédio de ações nitidamente ineficazes. É este o caso do tráfico de drogas. Em vez de atuar efetivamente no desenvolvimento de uma sociedade que torne difícil alguém poder alegar que consome drogas para fugir de uma realidade que não lhe agrada, as pessoas preferem iludir-se com a ideia de que a prisão de “famosos” traficantes acabará com o tráfico de drogas.
Creio que o que foi dito até aqui seja suficiente para explicar porque esta sociedade não consegue acabar com o tráfico de drogas: Ela insiste em ignorar as causas reais. Quais são elas? Em Drogados da Vida, o escritor e jornalista Fernando Portela faz o seu diagnóstico:
“Este livro não fala de traficantes e tiroteios, mas das crises da instituição familiar, da falta de perspectiva de toda uma juventude, do consumismo, da desumanização das cidades... as causas reais que levam ao consumo do tóxico.”
E em um artigo publicado em 16.07.1997, no extinto jornal Tribuna da Imprensa, Frei Betto também faz o seu:
“Entra-se na droga pela carência de amor e só a presença de amor faz sair. Desamado o jovem não vê como aplacar o vazio do espírito senão tentando escapar da realidade que o assusta. Muitas vezes, a família, perplexa, pergunta-se num esforço de autojustificação: "Onde falhamos, se lhe demos tudo? Deram-lhe conforto, escola, bens, exceto atenção, diálogo e afeto. Propiciaram-lhe até viagens à Disney, menos a emoção de sentir-se querido e valorizado.
Só amor arranca o viciado do fundo do poço. Porém, não é fácil amar sem recompensa imediata de sentir-se amado. Em geral, amamos a quem nos ama. É uma troca.
Só é capaz de amar quem está disposto a abrir mão de seu ego e de seu espaço. Sem envergonhar-se socialmente de dar afeto àquele que se esforça por recuperar-se.
A vida humana é semelhante às plantas: fenece quando não recebe água e sol, afeto e esperança. Ora, ainda que haja amor, o que esperar de uma geração sem utopias, projetos históricos, ideais coletivos? Na falta de aspirações legítimas, aspira-se de outro modo...
Uma cultura que exclui o altruísmo e propõe como paradigmas homens e mulheres que, transformados em mercadorias, são embalados em dinheiro, permissividade sexual ou violência, que tipo de valores pode internalizar nos mais jovens?
O verdadeiro problema não são as drogas. É esse modelo de sociedade que induz muitos a buscarem na química o que não encontram na mente e no espírito.”
Sim, o verdadeiro problema não são as drogas, e sim a insistência em não querer admitir as causas reais que levam as pessoas a tornarem-se dependentes delas. E é por não admiti-las que, em vez de atuar no sentido de melhorar a realidade que os assusta, muitos tentam dela escapar buscando na química o que não encontram na mente e no espírito. E nessa tentativa tornam a realidade pior ainda, pois passam a, quimicamente, danificar não só o corpo, mas também a mente e o espírito.
Na sexta postagem deste blog (Consequências do desconhecimento do raciocínio sistêmico) eu citei a seguinte estória.
“Era uma vez um mercador de tapetes que viu que seu mais belo tapete tinha um calombo no centro. Ele pisou no calombo a fim de achatá-lo – e conseguiu. Mas o calombo reapareceu em outro lugar. O mercador pisou-o mais uma vez, e o calombo desapareceu – apenas por um momento, pois logo reapareceu em outro lugar. O mercador continuou a pular sobre o tapete, pisoteando-o com raiva, até que finalmente levantou a ponta do tapete e viu uma cobra sair debaixo dele.
Nós, muitas vezes, não atinamos com as causas dos nossos problemas quando, na verdade, bastaria olharmos para as soluções que demos a outros problemas no passado.”
Enquanto o mercador não levantou a ponta do tapete e, literalmente, descobriu a causa (a cobra), o efeito (o calombo) não foi eliminado. A estória é apresentada em um capítulo intitulado Os problemas de hoje provêm das ‘soluções’ de ontem. Interessante o título, não? Somos mestres na adoção de pseudo-soluções!
Portanto, ou entendemos que sem atuar sobre as causas reais é impossível acabar com os efeitos ou passaremos pela vida pisando em calombos que reaparecerão em outro lugar e / ou em outro tempo. Infelizmente, é assim que age a sociedade dos cordeiros em relação ao tráfico de drogas. Pisa em calombos (as prisões de “famosos” traficantes) e jamais levanta o tapete sob o qual esconde as piores práticas usadas na educação dos cordeirinhos. E pensar que há quem denomine esta espécie de homo sapiens! Será que ela não está mais para homo stupidus? O que vocês acham?

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