segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Reflexões sobre a nova sociedade dos que se arriscam


Começo esta postagem repetindo algo que foi dito no início da anterior: o texto do filósofo Marcelo Marques me veio à lembrança enquanto eu escrevia sobre utopias. Bons textos propiciam reflexões e o de Marcelo é, em minha opinião, um ótimo texto. E a primeira reflexão me faz perceber que arriscar-se inclui tentar realizar tarefas que são apregoadas como irrealizáveis. Ou seja, arriscar-se inclui dispor-se a realizar tarefas que são rotuladas de utopias.

Marcelo diz que construímos e mantemos uma sociedade apática e que apesar de dizer que o brasileiro é batalhador e que não desiste nunca, se pensarmos bem, essa batalha que lutamos bravamente não passa de uma necessidade pela sobrevivência e não uma luta pela realização de escolhas autênticas. (...) A nossa cultura não inspira ninguém a correr atrás da realização de seus sonhos. O discurso até existe, mas na prática somos sempre incitados a não arriscar muito, a não dar o sangue por causa alguma (...).

Necessidade pela sobrevivência talvez seja a justificativa mais usada para a maioria das coisas que fazemos na vida. Ela me faz lembrar de duas frases trocadas por personagens em uma antiga charge de Millor Fernandes.
- Às vezes, para sobreviver, a gente tem que fazer certas coisas.
- Mas, depois de fazer certas coisas, pra que sobreviver?
E me faz lembrar também de algo que li em um artigo de Fritz Utzeri, publicado no caderno Ideias do extinto Jornal do Brasil, em 02.02.2003, cujo título é O soldado sem culpa.
“A infame desculpa nazista de Nuremberg, ‘Eu só estava cumprindo ordens’, mostra até onde o ser humano pode chegar quando sua consciência é neutralizada.”
A opção por não arriscar-se torna as pessoas indiferentes e neutras diante de coisas que acontecem ao seu redor e contra as quais deveriam indignar-se. Através de um trecho retirado do livro A Cidade Antiga, de Fustel de Coulanges, Marcelo Marques mostra que na Grécia Antiga a indiferença e a neutralidade, principalmente em questões políticas, eram punidas pela lei.
“O estado não admitia que seus interesses recebessem a indiferença dos homens; (...) a lei ateniense não permitia que o cidadão ficasse neutro; devia combater por ou por outro partido; a lei aplicava uma pena severa, a perda do direito à cidadania, a quem quisesse ficar alheio às facções e se mostrar calmo.”
Nossa! Quanta diferença entre a Grécia Antiga e o Brasil Atua! Aqui, tudo o que o estado quer é que seus interesses (que são os de quem faz parte do governo e dos lobistas a quem eles devem favores) recebam a indiferença dos cidadãos (sic), pois tal comportamento facilita manobras que visem atender compromissos assumidos durante a campanha eleitoral.

Ainda sobre neutralidade, quero acrescentar aqui duas citações:
“No inferno, os lugares mais quentes são reservados àqueles que escolheram a neutralidade em tempo de crise.” (Dante Alighieri)
"Há coisas que se enfrentam na vida diante das quais permanecer neutro é repugnante." (Luis Gusmán, escritor argentino)
Optar pela neutralidade é uma forma de evitar todo e qualquer risco decorrente da atitude de assumir uma posição diante de situações que afetarão a vida de outras pessoas, principalmente de forma prejudicial. É imitar o covarde e repugnante gesto de Pilatos. Para ficar bem com a maioria, não arriscar-se a perder seu cargo nem o prestígio com seus superiores hierárquicos, ele abdicou de sua própria opinião, assumiu uma posição de neutralidade e não se importou com a condenação de alguém que considerava inocente. E agindo assim ele fez escola, pois o mundo está repleto de Pilatos. Para evitar correr riscos, a maioria não se importa com o que de ruim possa acontecer aos outros. Mas se agindo assim é possível evitar riscos imediatos, o mesmo não se pode dizer em relação a evitar ser apanhado pela Lei Natural do Retorno. Creio que o texto de Bertolt Brecht apresentado a seguir seja uma ótima interpretação dessa lei que atua sobre a neutralidade e a indiferença.
“Primeiro levaram os negros, mas não me importei com isso, pois eu não era negro.
Em seguida levaram alguns operários, mas não me importei com isso, pois eu também não era operário.
Depois prenderam os miseráveis, mas não me importei com isso, porque eu não sou miserável.
Depois agarraram uns desempregados, mas como tenho meu emprego, também não me importei.
Agora estão me levando, mas já é tarde.
Como eu não me importei com ninguém, ninguém se importa comigo.”
Dentre vários textos interessantes defendendo a necessidade de assumir riscos selecionei um atribuído a Sêneca.
“Rir é correr o risco de parecer tolo.
Chorar é correr o risco de parecer sentimental.
Estender a mão é correr o risco de se envolver.
Expor seus sentimentos é correr o risco de mostrar seu verdadeiro eu.
Defender seus sonhos e ideias diante da multidão é correr o risco de perder as pessoas.
Amar é correr o risco de não ser correspondido.
Viver é correr o risco de morrer.
Confiar é correr o risco de se decepcionar.
Tentar é correr o risco de fracassar.
Mas devemos correr os riscos, porque o maior perigo é não arriscar nada.
Há pessoas que não correm nenhum risco, não fazem nada, não têm nada e não são nada.
Elas podem até evitar sofrimentos e desilusões, mas elas não conseguem nada, não sentem nada, não mudam, não crescem, não amam, não vivem.
Acorrentadas por suas atitudes, elas viram escravas, privam-se de sua liberdade.
Somente a pessoa que corre riscos é livre!”
O final do texto acima me faz lembrar de três afirmações feitas na trilogia O Senhor dos Anéis.
- Não há liberdade sem sacrifício.
- Não há vitória sem sofrimento.
- Não há triunfo sem perda.
Será possível obter essas três coisas sem correr riscos? Creio que não. Portanto, correr ou não correr riscos, talvez seja a questão.

Este post ficou longo e, consequentemente, eu corro o risco de que as pessoas não leiam o que escrevi. Mas se nem este risco eu me dispuser a correr, como poderei almejar correr riscos maiores?

3 comentários:

Ivan Maia disse...

Guedes, como sempre seus posts inspiram muita reflexão.
Por favor, continue esse belo trabalho.
Muito obrigado.

Amarin disse...

Olá Guedes!

Quanto à sua exegese, digo-lhe que é exatamente isto que eu quis dizer: Na vida existe uma medida exata para tudo. Por exemplo: até quando deve chegar nossa humildade, generosidade, paciência e etc... Afinal, tudo têm limites, a questão é: Como medi-los? Bem, vamos viver para aprender!

Um grande abraço!

Guedes disse...

Ivan Maia,

É sempre bom saber que algo que fazemos pensando no bem maior encontra receptividade.
Obrigado a você por dar atenção ao que tenho publicado.

Abraços,
Guedes