quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Para a nova sociedade dos que se arriscam

Regressão de memória é uma coisa que eu nunca fiz, mas buscar na memória algo que ouvi, li ou escrevi em algum lugar do passado (o blog está em um momento cinema), e que tenha relação com o que eu estiver escrevendo, é uma coisa que faço frequentemente e com muita facilidade. Ao escrever sobre utopias me veio à lembrança algo que li em uma revista intitulada Mandala que é distribuída em algumas lojas e restaurantes especializados em produtos naturais. O texto foi publicado na edição de janeiro de 2008, na coluna Filosofando assinada pelo filósofo Marcelo Marques, é intitulado Para a nova sociedade dos que se arriscam e tem muito a ver com coisas que foram ditas na postagem anterior. Dito isto, só me resta solicitar que vocês se arrisquem a lê-lo.
Para a nova sociedade dos que se arriscam
(e dos que não se arriscam, mas ao menos apóiam quem o faz)
“Em uma cena do filme ‘Clube da Luta’, o personagem Tyler Durden, vivido por Brad Pitt, ameaça matar o vendedor de um pequeno mercado caso ele não começasse a lutar por seus sonhos a partir daquele momento. Com uma arma apontada para a sua cabeça, o desesperado vendedor é indagado sobre o que realmente gostaria de estar fazendo em sua vida. Ao confessar seu desejo de ser veterinário e que havia abandonado o curso universitário, recebe como ordem que retorne à faculdade no dia seguinte e termine o curso. Caso contrário, estaria morto.
Esse filme me faz pensar sobre o nosso modo acomodado de viver, e também sobre como construímos e mantemos uma sociedade apática, onde o meio externo determina praticamente todos os rumos que seguimos. São fatores como o mercado, a tradição, a família, a opinião alheia, que definem regularmente nossas escolhas. É claro que vão dizer que o brasileiro é batalhador, sofredor, e que não desiste nunca. Mas se pensarmos bem, essa batalha em que lutamos bravamente não passa de uma necessidade pela sobrevivência. Na maioria dos casos, não se trata de uma luta pela realização de escolhas autênticas. Tal como o vendedor representado na cena do filme, muitas vezes cedemos às pressões externas, abandonando as coisas que realmente nos importam, em função de algo mais imediato e cômodo. Sim, cômodo. A nossa cultura não inspira ninguém a correr atrás da realização de seus sonhos. O discurso até existe, mas na prática somos sempre incitados a não arriscar muito, a não dar o sangue por causa alguma, a não abandonar a vidinha cotidiana em prol de uma escolha autêntica doa a quem doer. Essas mensagens de comodismo são afirmadas desde o boca-a-boca até a grande mídia.
Se você ainda discorda desse fato, preste atenção às reportagens dos jornais sobre violência. Todas elas propõem que o cidadão se proteja, se esconda, que não reaja, que se submeta. Mesmo quando o caso retratado é o de uma senhora que atira no bandido que tentava roubar sua a sua bolsa, ou da mulher que lutou e dominou um assaltante até que a polícia chegasse para prendê-lo, pode-se ler sempre ao final uma indicação de que tais atitudes não devem ser adotadas, que são muito perigosas.
Não defendo, é claro, que todos se tornem kamikazes. Por outro lado, não reconhecer o gesto de bravura presente em situações como estas é ajudar a cultivar a fraqueza e a covardia em nossa sociedade. Se não somos suficientemente fortes para nos arriscar por uma causa ou pelo próximo, podemos ao menos começar a construir uma sociedade mais vibrante. Comecemos valorizando os atos de força, de coragem e de bravura nos casos isolados como o de alguém que larga uma situação confortável para buscar um tipo de vida totalmente diferente, daquele que arrisca sua estabilidade por um ideal, ou daquele que, por impulso, luta por justiça e reage a uma injúria. Afinal, se alguém arrisca sua própria vida por algo deste tipo, certamente, possui motivos para isso. Provavelmente, são motivos mais intensos e gratificantes do que os desenvolvidos friamente pela razão.
Hoje, o exemplo de ser humano é o daquele que segue o protocolo,
 que desenvolve uma carreira sem romper qualquer padrão,
 sem desafiar e sem desafiar-se.
Outras culturas já manifestaram formas diferentes de encarar a vida. Na Grécia Antiga, as pessoas eram incitadas a se manifestar, principalmente nas questões políticas. O estado não admitia que seus interesses recebessem a indiferença dos homens; o filósofo, o homem culto, não tinha o direito de viver isolado. (...) Numa época em que as discórdias eram frequentes, a lei ateniense não permitia que o cidadão ficasse neutro; devia combater por um ou por outro partido; a lei aplicava uma pena severa, a perda do direito à cidadania, a quem quisesse continuar alheio às facções e se mostrar calmo’ (1).
Já na Idade Moderna dos idos séculos XVIII e XIX, ideais românticos inspiravam a valorização da virtude e do heroísmo. Hoje, o exemplo de ser humano é o daquele que segue o protocolo, que desenvolve uma carreira sem romper qualquer padrão, sem desafiar e sem desafiar-se. Será preciso uma ameaça de morte, como a da cena citada no início deste artigo, para que cada pessoa perceba a verdade óbvia de que a vida mais recompensadora é a que se vive com intensidade, ainda que seja mais arriscada e concentre maior quantidade de sofrimento?
(1) Trecho retirado do livro ‘A Cidade Antiga’, de Fustel de Coulanges. Editora Ediouro.”

2 comentários:

Amarin disse...

Olá Guedes!

Mais uma vez obrigado pela visita!

Quanto à sua exegese, muito boa por sinal! Concordo completamente, e gostaria de destacar a máxima: "Não há vitória sem sofrimento." Que é uma síntese que diz tudo.

Agora, foi muito bom seu post sobre sociedade. A linha que segue é de uma reflexão básica, que qualquer pessoa têm claras condições de perceber que está em um meio socialmente correto, ditados por esta sociedade mentirosa, que por ser tão enganadora, menti para si mesmo.

P.S: Perguntei-lhe antes sobre seu perfil, pois tenho grande interesse em tratar sobre alguns assuntos pessoalmente!

De qualquer modo meu endereço é: anselmo_marinho@msn.com

Se caso possuir msn, agradeço se me adicionar!

Um grande abraço e até mais...

Guedes disse...

Guedes disse...

Olá Anselmo!

Sim, a linha que sigo em minhas postagens é de uma reflexão básica que qualquer pessoa tem claras condições de perceber e, consequentemente, sentir-se estimulada a realizar suas próprias reflexões. Se o estímulo levar a pessoa a compartilhar suas reflexões o resultado será ainda melhor.

P.S:

Devido a algumas pessoas, inclusive você, terem “reclamado” que o meu perfil é muito sucinto, estou “caprichando” na elaboração de um perfil com mais informações. Aguarde.

Vários posts do seu blog têm afinidade com o que escrevo no meu. Portanto, também creio que será interessante conversarmos.

Não tenho msn e o meu endereço é: lendoeopinando@gmail.com.

Um grande abraço e até mais...
Guedes