segunda-feira, 13 de junho de 2011

O ex-comunista

Esta postagem apresenta um excelente texto publicado na coluna intitulada Última Palavra da revista Isto É, na edição de 25 de maio de 2011. O autor é o cantor e compositor Zeca Baleiro.
O ex-comunista
São os pobres que fazem a roda do capital girar. Onde há pobreza há desejo. Onde há desejo há consumo
“- O mundo precisa dos pobres. Demorei a entender isso, mas agora sei: o mundo sem pobres é inconcebível.
Aquela frase dita assim, de chofre, no meio de uma conversa informal, me chocou, confesso.
- Por muito tempo algumas pessoas lutaram pelo fim da pobreza. Eu próprio fui um deles. Mas agora entendo que a pobreza é necessária ao equilíbrio do planeta - ele continuou.
- Equilíbrio? Como assim?
- Imagine um mundo só de ricos... Um mundo em que ninguém precise de nada, que seja autossuficiente e abastado...
- Hmmm...
- Viu? Você nem consegue imaginar, porque é mesmo impossível. São esses pobres que sustentam o capitalismo, não os ricos. São os pobres que fazem a roda do capital girar. Onde há pobreza há desejo. Onde há desejo há consumo. Se as pessoas consomem, a roda da economia gira, entende?
Eu permanecia mudo. Embora reconhecesse que havia algo de tecnicamente correto naquele raciocínio, sua fala me soava demasiadamente cínica. Prosseguiu em sua teoria.
- Quem são os maiores vendedores de discos?
- Os artistas populares, imagino – falei.
- Pois é, artistas populares, aqueles que são ouvidos pelos pobres, certo?
- Acho que sim.
- Quais as lojas com maior receita? As lojas que vendem artigos populares, certo?
- Acho que sim também, não sei...
- Eu sei, vai por mim. Melhor ter um boteco em Pirituba do que uma loja de chapéus de grife no shopping Iguatemi. O custo / benefício é mais vantajoso.
- Nunca parei pra pensar nisso.
- Rico não consome porque tem um desejo genuíno ou uma necessidade vital. Rico consome pelo glamour, porque quer ser visto com o barco, o carro novo, a casa projetada pelo arquiteto hype... Pobre não. Pobre faz seu ‘puxadinho’, ergue sua laje e fica feliz da vida, porque ainda que se orgulhe em mostrar pro vizinho, não o fez só por isso. Fez porque tinha a real necessidade daquilo. E quem precisa fazer faz. Quem precisa comprar compra.
- Mas o capital está nas mãos dos ricos.
- Sim, mas foi ganho à custa de pobres, não de outros ricos.
- Sim, mas há serviços que pobres não consomem, apenas ricos.
- Sim, há. Mas nenhuma fortuna é erguida sem a participação dos pobres.
- Como assim?
- Ta vendo aquele condomínio de luxo? Imagina quantos pobres trabalharam para erguê-lo? E quantos outros agora trabalham para mantê-lo funcionando?
- Não sei.
- Muitos, acredite. Ta vendo aquele shopping acolá? Entre e faça uma enquete. Aposto que há mais pobres circulando por lá do que ricos.
- Mas...
- Acredite no que tô falando. Dinheiro para o rico é esporte. Para o pobre é paixão.”
Por acreditar que na vida tudo está ligado (embora nem sempre as ligações sejam percebidas) habituei-me a procurar ligações entre o que leio, ouço ou escrevo. Como quem procura algumas vezes acha, encontrei no texto de Zeca Baleiro uma ideia que me fez lembrar de outra contida em uma passagem do livro Transformando Pensamentos Em Ação, de Arnold Fox e Barry Fox. Trata-se de um fato muito interessante que publicarei nas duas próximas postagens. A ideia que provocou a lembrança aparece grifada no trecho abaixo:

Eu permanecia mudo. Embora reconhecesse que havia algo de tecnicamente correto naquele raciocínio, sua fala me soava demasiadamente cínica.

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