quarta-feira, 23 de março de 2011

A inflação da sexualidade

Não, esta postagem não focaliza o aumento no preço de serviços sexuais. Conforme adiantado na postagem anterior, esta apresenta mais uma das consequências da sede de sentido e não foi incluída no post homônimo apenas porque julguei conveniente divulgar na íntegra o texto publicado no livro Sede de Sentido.

Desta vez fui além da trilogia e produzi uma minissérie. Será que ainda escreverei uma novela? Aos que se impressionam com o comprimento de textos, aqui vai uma observação, visando estimulá-los a ler este. Ele ficou mais longo devido à centralização que o blog faz quando se deseja destacar algo copiado de alguma fonte. Em documento do Word o texto ocupa menos de uma página e meia. Espero que estas preliminares tenham lhes aumentado o desejo de lê-lo e que a leitura lhes proporcione prazer ... e alguma reflexão.

A inflação da sexualidade

“Além dos fenômenos já citados de depressão, agressão e adicção, poderíamos ainda estabelecer um quarto: a inflação, a inflação da sexualidade. O instinto sexual hipertrofia-se facilmente, tendendo a ocupar o espaço deixado pelo vácuo existencial.

Como todas as inflações, também a inflação sexual anda de braço dado com uma desvalorização: hoje em dia, a sexualidade vai se desvalorizando na mesma medida em que vai desumanizando. Ouso afirmar que a sexualidade humana é sempre mais do que mera sexualidade, pois é o veículo, a encarnação, a expressão física de relações metassexuais entre determinadas pessoas. É o meio de expressão do amor, se quisermos exprimi-lo nesses termos, e é somente na medida em que é veículo desse amor que se torna verdadeiramente humana. Mais ainda: é somente então que pode realmente contribuir para a felicidade e para a paz do indivíduo.

Há já muito tempo que estas afirmações são fatos empiricamente comprovados, mas também elas são tabu. Uma importante revista americana, Pisicologia hoje, verificou, após uma pesquisa de opinião entre 20.000 dos seus leitores, que a imensa maioria deles indicava como principal meio de maximizar o prazer derivado do sexo uma relação de amor entre o casal. Não é verdade que, no fundo, são paupérrimas as pessoas que, levadas pela doutrinação reinante, pensam que o amor não existe, que tudo é sexo? Ou, nas palavras de Freud, que o amor não passa de sexualidade reprimida?

Quanto mais valor o homem e a mulher atribuem ao prazer, quanto mais veneram a vontade de prazer, ou quanto mais diretamente procuram o prazer – a mulher o orgasmo, o homem a potência -, nessa mesma medida tornam-se frígidos e impotentes. Estou inteiramente convencido – e aliás poderia prová-lo com facilidade – de que 90 a 95% de todas as anormalidades de potência ou de orgasmo se devem à hiperintenção e à hiper-reflexão do desejo sexual.

Costumo dizer aos meus estudantes: quanto mais caçamos o desejo, mais o afugentamos. Aliás, cada um de nós sabe que, quanto maior a crispação com que se procura a felicidade, mais ela se esconde.

Modernamente, podemos acrescentar à hiperintenção dois outros elementos geradores de problemas neste campo: a pressão exercida pelo ambiente social e os grupos de pressão. A ‘pressão exercida pelo ambiente social’ a que o indivíduo pertence, consiste na excessiva importância atribuída hoje em dia ao desempenho, também no âmbito sexual: ‘Você tem que ser potente’, ‘precisa ter tantos orgasmos por dia’ etc. A pessoa sente-se praticamente compelida a ter relações sexuais, porque isso conta muito para ser reconhecida e valorizada entre os seus colegas.

A este ‘princípio do desempenho’, que por si só já deforma a sexualidade dos jovens que a ele se submetem, acrescenta-se ainda o efeito dos ‘grupos de pressão’: a indústria do sexo, a indústria da ‘libertação sexual’ e do ‘esclarecimento’ – a dança ao redor do porco dourado. Este é o grande negócio. Lança-se mão dos ‘quinta-colunas’: professores, colegas, médicos – ‘você precisa estudar manuais sobre técnicas sexuais’, ‘você precisa andar informado’, ‘você precisa libertar-se de preconceitos’...

Os promotores dessa indústria defendem-se, como é óbvio, contra toda e qualquer ingerência nos seus negócios. São campeões da democracia, lutam pela liberdade de imprensa e são contrários a qualquer tipo de censura, mas, no fundo, o que querem é a liberdade de fazer dinheiro, de comerciar à custa dos outros, e para este fim, o comércio é disfarçado de ‘arte’, de ‘educação’, de ‘esclarecimento’.

Por outro lado, sempre me intrigou muito que a juventude atual, que com tanta razão se revolta contra todo o tipo de hipocrisias no campo sexual, coopere tão facilmente com semelhante hipocrisia dos negociantes e até transija tão docilmente com essa submissão servil aos interesses capitalistas.

O comportamento amadorístico neste campo – a arte pela arte -, o sexo praticado por divertimento, sem a menor referência à relação entre pessoas que se esconde por trás dele, é classificado pela escola psicanalítica como uma ‘regressão’. O curioso é que sejam justamente as pessoas que se consideram mais progressistas as que glorificam uma atitude regressiva...”

É realmente intrigante! Este ser autodenominado racional é a cada dia mais paradoxal!

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