domingo, 7 de setembro de 2025

Amar enquanto é tempo

As ideias a serem espalhadas por esta postagem foram encontradas em um magnífico texto da doutora Ana Claudia Quintana Arantes publicado na edição 281 da revista Vida Simples, referente a julho de 2025. No "rodapé" do texto, a doutora é apresentada assim: "Ana Claudia Quintana Arantes é médica formada pela USP, especialista em geriatria e gerontologia, cuidados paliativos e psicologia do luto, além de escritora. @anaclaudiaquintanaarantes"
A relação de livros de sua autoria é apresentada a seguir.
- A morte é um dia que vale a pena viver - E um excelente motivo para se buscar um novo olhar para a vida (2019)
- Histórias lindas de morrer (2020)
- Pra vida toda valer a pena viver - Pequeno manual para envelhecer com alegria (2021)
- Cuidar até o fim - Como trazer paz para a morte (2024) 
- Onde fica o céu? (2025) .. Livro infantil para a faixa etária 5-8 anos
Feito esse preâmbulo, segue o referido texto.

Amar enquanto é tempo
Quando a morte de um ente querido chegar, que a gente não precise carregar o peso do que ficou por dizer, por fazer, por sentir
FALAR DA MORTE AINDA ASSUSTA. Mas percebo que o que realmente amedronta não é o fim do outro - é o abismo que se abre dentro de nós quando ele se vai. O que nos paralisa não é a despedida em si, mas a perda daquela testemunha do nosso amor.
Quando alguém que amamos morre, é como se perdêssemos não só a pessoa, mas também a parte de nós que só existia em relação a ela. O jeito que ela nos olhava, nos chamava, o lugar que ela ocupava em nossa rotina, em nossos silêncios, em nossos sonhos - tudo isso desaparece. E, junto com essa lacuna, vem uma pergunta que rasga por dentro: quem sou eu agora, sem essa pessoa para reconhecer o amor que eu sentia?
É por isso que a morte do outro nos fere como se fosse a nossa. Porque ela desmonta aquilo que acreditávamos ser sólido: o nosso papel na vida do outro, o afeto que nos definia, os planos que nos ancoravam. E então começamos um luto que não é apenas pela ausência do outro, mas pela ausência de nós mesmos tal como éramos com aquela pessoa. É um luto que revela a dor de um amor sem endereço.
Também percebo que o que mais machuca não é o fim em si. É o que não foi vivido. É o beijo que não demos, o abraço que não oferecemos, a palavra que engolimos. É o silêncio onde deveria ter havido presença. Mas, quando uma relação é vivida com inteireza, quando há verdade, afeto, presença, escuta e entrega, o fim não vem carregado de arrependimento. Ele vem com tristeza, sim. Mas é uma tristeza limpa, sem resíduos. Livre de dívidas emocionais.
Não podemos perder a oportunidade de amar enquanto é tempo. Porque o que fere não é a ausência do futuro, mas o vazio de um presente não vivido. O luto, quando vivido com presença e coragem, não é apenas dor, ele é também uma jornada de reencontro com o amor que permanece. Porque o amor não morre. O corpo se vai, mas o vínculo não. Ele muda de forma, de linguagem, de tempo. Passa a morar na memória, no gesto repetido, na música que toca de repente, no jeito de cortar uma fruta, de dobrar uma roupa, de olhar o mundo com os olhos que herdamos.
A gente aprende a amar no invisível. Aprende a reconhecer a presença na ausência, a escutar o silêncio como resposta. A saudade vira altar; a lembrança, oração. O que nos cura não é o tempo - é o amor que seguimos cultivando, mesmo depois do fim. É ele que nos permite lembrar com gratidão em vez de apenas com dor. É ele que faz da morte uma travessia, não uma interrupção.
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Diante da necessidade que vejo de refletir sobre o que se lê no instigante texto da doutora Ana Claudia espalhado por esta postagem, pensei em dar a ela o seguinte título: "Ler e refletir enquanto é tempo". Tendo usado como título da postagem o próprio título do texto nela reproduzido, o que pensei em usar como título é agora usado como recomendação pós leitura do instigante texto: "Ler e refletir enquanto é tempo".

segunda-feira, 1 de setembro de 2025

Reflexões provocadas por "Quando você cala, alguém floresce"

Ao encerrar seu instigante texto com "... deixar o amor falar - e ressoar -, sem dizer uma só palavra", Jacqueline Pereira levou-me a encerrar a postagem anterior, na qual ele é reproduzido, "sem dizer uma só palavra", após a reprodução. Sendo assim, ficaram para esta postagem as palavras que não foram ditas na anterior.  
"Quem escuta não tem missão de resolver, tem missão de acolher. Porque há dores que não pedem solução, pedem apenas espaço para respirar.", diz Jacqueline Pereira.
Sim, "há dores (e também problemas) que não pedem solução, pedem apenas espaço para respirar", pois, a partir do momento em que conseguem respirar, as dores (e também os problemas) encontram a solução.
Ao dizer que "Quem escuta não tem missão de resolver, tem missão de acolher", Jacqueline faz-me lembrar do conceito de "não diretividade", desenvolvido por Carl Rogers (1902-1987), um conhecido psicólogo norte-americano. Segundo tal conceito, há problemas cuja solução não ocorre oferecendo ao atingido pelo problema a "solução pronta", e sim a cooperação para, junto com ele, encontrar a solução. A postagem intitulada "Os dois tipos de consultores", publicada em 03 de abril de 2012 (faz tempo, hein!), focaliza a "não diretividade" e a "diretividade", como formas de se lidar com problemas.

A atuação como Analista de Sistemas durante 3,5 décadas, tornou-me um entusiasta pela "não diretividade", pois sistemas de informação, que realmente solucionem o problema dos usuários, jamais poderão ser a eles oferecidos como uma "solução pronta", e sim desenvolvidos juntamente por analistas e usuários.

"E o mais surpreendente é que, ao escutarmos o outro com profundidade, algo em nós também se amansa e se transforma. É como se a alma, ao servir de abrigo, também fosse curada."
Extraído do instigante texto de Jacqueline Pereira, o parágrafo acima, faz-me, imediatamente, lembrar de um antigo provérbio chinês que diz: "Um pouco de perfume sempre fica nas mãos de quem oferece flores". Em outras palavras: algum benefício sempre fica conosco quando nos dispomos a beneficiar alguém. Sim, como diz Jacqueline, eis algo "surpreendente"; algo do qual, passada a surpresa, jamais deveríamos esquecer.
"Aprender a ouvir é um dos exercícios mais bonitos - e mais desafiadores - que a vida nos propõe. Isso porque escutar de verdade exige inteireza, e inteireza é mais do que atenção: é presença inteira, é deixar de ser o centro por alguns instantes para que o outro possa existir em nós." 
"Mas como aprender a escutar? Primeiro, é preciso desacelerar. Escutar não combina com urgência, com afobação. Depois, aprender a esvaziar-se. Tirar do caminho os próprios julgamentos, opiniões e respostas prontas. Estar ali, inteiro, para o outro. E, acima de tudo, cultivar o silêncio interno, aquele que não se apressa em responder, mas se abre para compreender."
Sim, como diz Jacqueline, "Aprender a ouvir é um dos exercícios mais desafiadores que a vida nos propõe.". Até porque, ainda usando palavras dela, é algo, simplesmente, contraditório, nesta insana sociedade (sic) na qual sobrevivemos. Afinal, se "escutar de verdade exige inteireza, e inteireza é mais do que atenção: é presença inteira, é deixar de ser o centro por alguns instantes para que o outro possa existir em nós.", escutar é algo que, simplesmente, "não combina com urgência, com afobação", duas coisas que, a cada dia que passa, estão mais presentes nas ações praticadas, pela maioria dos integrantes de uma pretensa espécie inteligente do Universo.
Dentre as inúmeras coisas interessantes existentes no instigante texto de Jacqueline, destaco o fato de ao mesmo tempo em que ela considera que "Aprender a ouvir é um dos exercícios mais desafiadores que a vida nos propõe.", ela propõe uma "receita" a ser usada na prática do desafiador exercício.
"Primeiro, é preciso desacelerar. Depois, aprender a esvaziar-se. Tirar do caminho os próprios julgamentos, opiniões e respostas prontas. Estar ali, inteiro, para o outro. E, acima de tudo, cultivar o silêncio interno, aquele que não se apressa em responder, mas se abre para compreender."
Afinal, ainda segundo Jacqueline Pereira:
"Escutar é uma forma de amor. Quando calamos para que o outro fale, estamos dizendo: 'Você importa, sua história merece lugar, seus sentimentos são válidos'. Sócrates dizia: 'Fala, para que eu possa te ver'. E talvez não haja forma mais bonita de ver alguém do que escutando com o coração."

domingo, 24 de agosto de 2025

Quando você cala, alguém floresce

O simples fato de serem dotados de dois ouvidos e apenas uma boca, deveria tornar óbvia - aos integrantes de uma pretensa espécie inteligente do universo - a proporção adequada ao uso dos referidos órgãos: ouvir mais e falar menos. O problema é que a incapacidade de percepção de obviedades parece-me ser um dos graves defeitos apresentados pela maioria dos integrantes da referida espécie.
A edição 280 da revista Vida Simples, referente a junho de 2025, traz, em uma coluna intitulada Gente de Verdade, um instigante texto que, lido por mim, imediatamente, provocou-me o desejo de espalhá-lo por meio deste blog. Intitulado "Quando você cala, alguém floresce", o texto é de autoria de Jacqueline Pereira. No "rodapé" da coluna, Jacqueline é apresentada assim: "Jacqueline Pereira tem fé no ser humano. Idealizadora do projeto Gente de Verdade, ela também é especialista em pessoas, terapeuta holística, palestrante e condutora de imersões espirituais. Escreve todos os meses neste espaço. @gente.deverdade". Feito esse preâmbulo, segue o referido texto.
Quando você cala, alguém floresce
Rubem Alves, educador e escritor, dizia que "todo mundo quer aprender a falar, mas ninguém quer aprender a ouvir". Confesso: por muito tempo, fui assim. Ouvia com pressa, na verdade mal ouvia. Já estava preparando minha resposta enquanto o outro ainda se derramava. Eu não escutava, eu me adiantava. E, sem perceber, roubava o espaço sagrado onde a alma do outro poderia florescer.
Aprender a ouvir é um dos exercícios mais bonitos - e mais desafiadores - que a vida nos propõe. Isso porque escutar de verdade exige inteireza, e inteireza é mais do que atenção: é presença inteira, é deixar de ser o centro por alguns instantes para que o outro possa existir em nós.
O silêncio necessário à escuta não é apenas o da boca. É o silêncio do ego. Aquele ego que tem pressa, que quer intervir, responder, aconselhar, opinar, resolver, dar a última palavra. Mas quem escuta não tem missão de resolver, tem missão de acolher. Porque há dores que não pedem solução, pedem apenas espaço para respirar.
Escutar é uma forma de amor. Quando calamos para que o outro fale, estamos dizendo: "Você importa, sua história merece lugar, seus sentimentos são válidos". Sócrates dizia: "Fala, para que eu possa te ver". E talvez não haja forma mais bonita de ver alguém do que escutando com o coração.
A escuta verdadeira cura, aproxima, pacifica. Ela desarma mágoas, desfaz mal-entendidos, evita rupturas. E o mais surpreendente é que, ao escutarmos o outro com profundidade, algo em nós também se amansa e se transforma. É como se a alma, ao servir de abrigo, também fosse curada.
Rubem Alves, poeta do cotidiano, compara o exercício da "escutatória" ao mergulho marítimo. "No fundo do mar a boca fica fechada. Somos todos olhos e ouvidos. Aí, livres dos ruídos do falatório e dos saberes da filosofia, ouvimos a melodia que não havia... Que de tão linda nos faz chorar. Para mim, Deus é isto: a beleza que se ouve no silêncio. Daí a importância de saber ouvir os outros".
Mas como aprender a escutar? Primeiro, é preciso desacelerar. Escutar não combina com urgência, com afobação. Depois, aprender a esvaziar-se. Tirar do caminho os próprios julgamentos, opiniões e respostas prontas. Estar ali, inteiro, para o outro. E, acima de tudo, cultivar o silêncio interno, aquele que não se apressa em responder, mas se abre para compreender.
Ouvir com inteireza é oferecer ao outro a chance de florescer - e, nesse florescer, a gente também se transforma. Porque há uma beleza profunda e silenciosa em escutar: a beleza de deixar o amor falar - e ressoar -, sem dizer uma só palavra.

segunda-feira, 18 de agosto de 2025

Reflexões provocadas por "Dia dos Pais: quem 'diploma' o pai?"

Datado com 1º de junho de 1982 (faz tempo, hein!), ainda tenho comigo um Certificado de Presença no qual a Escola de Pais – Rio certifica que minha esposa e eu participamos do "1º Ciclo da Escola de Pais", realizado durante o 1º semestre daquele ano, no colégio onde nossos filhos (uma menina com 4 anos e um menino com três) estavam matriculados. Composto de reuniões semanais, realizadas em um determinado dia da semana, durante dez noites consecutivas, o ciclo propiciou-me a oportunidade de tomar conhecimento da existência de um texto sobre filhos que considero o melhor que li sobre o tema. Indagando sobre de onde ele fora extraído, ouvi que tinha sido de um livro intitulado "O Profeta", de autoria de Gibran Khalil Gibran. Comprei o livro e de lá para cá não tenho a menor ideia de quantas vezes o reli, e de quantos exemplares já ofertei às pessoas com quem sobre ele falei e que por ele se interessaram. "O Profeta" é, simplesmente, um dos melhores livros que já li. A leitura do extraordinário texto do pediatra Roberto Cooper, reproduzido na postagem anterior, fez-me lembrar do texto de Gibran, e estas reflexões levam-me a elaborar algumas relações entre os dois textos.
"Filhos não seguem o plano que traçamos para eles. Começam a se "rebelar" quando nascem e demonstram que possuem existência própria. [...] Crescem, revelando seus desejos e vontades. Sempre em busca de sua identidade, se rebelam aqui e acolá. Aderem a modas que não entendemos ou aprovamos. Escolhem profissão, amigos e parceiros."
O trecho, imediatamente, acima é do texto de Cooper; o, imediatamente, abaixo é do texto de Gibran.
"E uma mulher que carregava o filho nos braços disse: 'Fala-nos dos Filhos'.
E ele disse:
'Vossos filhos não são vossos filhos.
São os filhos e as filhas da ânsia da vida por si mesma.
Vêm através de vós, mas não de vós.
E embora vivam convosco, não vos pertencem.
Podeis outorgar-lhes vosso amor, mas não vossos pensamentos,
Porque eles têm seus próprios pensamentos.
Podeis abrigar seus corpos, mas não suas almas;
Pois suas almas moram na mansão do amanhã, que vós não podeis visitar nem mesmo em sonho.
Podeis esforçar-vos por ser como eles, mas não procureis fazê-los como vós,
Porque a vida não anda para trás e não se demora com os dias passados.'"
Considerando o que diz Cooper - "filhos demonstram que possuem existência própria" -, parece-me óbvio o que diz Gibran - "eles têm seus próprios pensamentos". Sendo assim, segundo Gibran, "podemos outorgar-lhes nosso amor, mas não nossos pensamentos".
"Crescem, revelando seus desejos e vontades. Sempre em busca de sua identidade.", diz Cooper. E ao sempre buscar sua identidade, no meu entender, eles validam a recomendação dada por Gibran aos pais: "não procureis fazê-los como vós".
"Nosso amor, contato físico, criatividade, curiosidade e respeito pela individualidade é que nos tornam pais. E foram eles que nos ensinaram isso tudo! Mais do que tudo, filhos nos ensinam, desde pequenos, que pai não é que fazemos e sim o que somos. [...] O aprendizado contínuo é o do respeito às diferenças. Mais do que isso, a celebração da individualidade."
"O aprendizado contínuo é o do respeito às diferenças. Mais do que isso, a celebração da individualidade", diz Cooper. Será que o aprendizado contínuo e a celebração da individualidade têm alguma relação com, em algum dia, conseguir aprender o seguinte ensinamento de Gibran: "vossos filhos vêm através de vós, mas não de vós"?
"E embora vivam convosco, não vos pertencem", eis uma afirmação de Gibran que a maioria dos pais me parece não conseguir entender.
"O que me ocorreu foi que não sou pai sozinho. Isto é, só sou pai porque a Carolina é minha filha. Isso é uma obviedade, mas que nos faz pensar, uma vez mais, que o ser humano só tem existência a partir do outro. [...] Todos os pais só o são por conta dos filhos."
E ao dizer - "Todos os pais só o são por conta dos filhos. Isso é uma obviedade, mas que nos faz pensar, uma vez mais, que o ser humano só tem existência a partir do outro." -, Cooper leva-me a encerrar estas reflexões reproduzindo o trecho final do magnífico texto de Gibran no qual, figuradamente, ele explica o que são pais e filhos.
"Vós sois os arcos dos quais vossos filhos são arremessados como flechas vivas.
O Arqueiro mira o alvo na senda do infinito e vos estica com toda a Sua força para que Suas flechas se projetem, rápidas e para longe.
Que vosso encurvamento na mão do Arqueiro seja vossa alegria:
Pois assim como Ele ama a flecha que voa, ama também o arco que permanece estável."
A postagem publicada em 07 de junho de 2012 é intitulada "E uma mulher que carregava o filho nos braços disse: 'Fala-nos dos Filhos'".

domingo, 10 de agosto de 2025

Dia dos Pais: quem "diploma" o pai?

Enxergando-o como uma data comercial, ao longo dos quatorze anos de existência deste blog, apenas uma vez publiquei uma postagem alusiva ao Dia dos Pais. "De pai para filho e filha", eis o título da postagem publicada em 14 de agosto de 2022. Postagem em que é reproduzido um tocante texto que, confirmando uma afirmação repetida várias vezes pelo narrador da saga de Joseph Climber - "a vida é uma caixinha de surpresas", sabe-se lá porquê, encontrei, em 13 de janeiro de 2022, em uma postagem homônima, publicada em um blog intitulado Piano Branco – Um blog sobre música e sentimento (combinação que considero perfeita).
"Três anos depois, em janeiro de 2025, em mais uma abertura da caixinha de surpresas, em um livro lançado em 2024 com um instigante título: "A Bula de Cada Criança - O olhar humanista de um pediatra sobre como cuidar dos filhos sem receita pronta", de autoria de Roberto Cooper, surgiu diante de mim um texto que eu não deveria deixar de espalhar neste Dia dos Pais de 2025."
Dia dos Pais: quem "diploma" o pai?
Acordei pensando no Dia dos Pais. Claro que sei que é uma data comercial, cujo objetivo é ajudar o comércio, tão sofrido, a vender um pouco mais. Nesse sentido, é uma data que nos afasta do afeto e da emoção, na medida em que transforma um produto (o presente) em símbolo de carinho. Reforça o paradigma da sociedade de consumo de que ter algo é o que nos faz ser alguém. Ou que nossas emoções precisam de um objeto para se manifestar. Tudo precisa ter uma concretude, uma forma, um tamanho, para existir. Carinho é um vento, sem forma, sem peso, sem visibilidade, mas com muita presença. Mas isso é outra conversa e não é por aí que eu gostaria de ir. 
O que me ocorreu foi que não sou pai sozinho. Isto é, só sou pai porque a Carolina é minha filha. Isso é uma obviedade, mas que nos faz pensar, uma vez mais, que o ser humano só tem existência a partir do outro. Claro que não falo da existência biológica pura. Esta, a rigor, poderia existir no isolamento total, ainda que questionássemos se há isolamento total possível e, em havendo, se seria compatível com a vida.
Na vida cotidiana, temos inúmeros estímulos que nos remetem a um individualismo de performance. A ideia do indivíduo campeão. A vida não é assim e, quando temos a oportunidade de nos lembrarmos disso, é bom pararmos para refletir um pouco. Lembrar que só sou pai porque a Carolina existe é uma das oportunidades. Todos os pais só o são por conta dos filhos. Portanto, quem nos dá o "diploma" de pais são nossos filhos.
Talvez estejam se perguntando: qual a importância disso? Onde esse pediatra e pai quer chegar? Quero chegar no ponto onde, se fomos diplomados por nossos filhos, estes, se formos atentos, certamente seguem nos ensinando, como em um processo de educação continuada. Carolina me ensinou e continua me ensinando coisas maravilhosas que, talvez, façam parte do ensino que seus filhos ainda lhes oferecem.
Amor e afeto
O nascimento de um filho dispara, de forma incontrolável, uma emoção inédita, ímpar. Para homens, criados em uma cultura com alguma restrição quanto à manifestação de emoções, o nascimento de um filho é uma janela que se abre em nossas vidas. Não dá para fingir que não está acontecendo nada. A emoção está ali, pulsando. É uma libertação de um preconceito tolo (qual preconceito não seria tolo?) que nos é dada pelos nossos filhos.
Estabelecer contato físico
Alguns homens foram criados em famílias em que o contato físico era o normal. Outros cresceram com um limite bem definido para o corpo. Um filho rompe essas barreiras. Quando pegamos um bebê no colo e o embalamos, o colocamos próximo até embolá-lo em brincadeiras, fazemos cócegas e gargalhamos junto com ele, nos tornamos menos assustados com o contato físico. Filhos nos ensinam que temos uma psiquê onde as emoções flutuam, mas é no corpo que elas se expressam e se realizam.
Desenvolver a criatividade
Filhos querem ouvir histórias, narrativas que, quanto mais fantásticas, mais encantam. Com nossos filhos, nos desligamos de uma lógica cartesiana, racional, e entramos no mundo do fantástico. Viajamos junto com eles revivendo o prazer da fantasia. Aprendemos que a vida não é só uma trilha coerente, exata, precisa, demonstrável.
Aprofundar a curiosidade
O que é um trovão? Por que chove? De onde vem o sal do mar? Filhos fazem perguntas simples, impossíveis de serem respondidas sem que voltemos aos livros (ou ao Google). Exigem um exercício de aprendizado. Com nossos filhos, exercitamos a humildade do não saber e sentimos prazer de aprender.
Manter viva a criança em nós
Aprendemos com nossos filhos que temos todas as idades ao mesmo tempo e podemos nos deliciar com isso. Rastejar de quatro pronunciando palavras incompreensíveis (adabadu, blu blau) ou ainda fazendo perguntas de forma bem lenta: quem é a queridinha do papai? Cadê a gostosura do papai? Podemos nos fantasiar, usar peruca, maquiagem. Ficamos escondidos atrás de árvores e corremos até o pique. Brincamos de amarelinha, jogo da memória e casinha. Assistimos a filmes infantojuvenis e secamos as lágrimas no escurinho o cinema. Filhos nos lembram que ser criança é muito bom.
Respeitar as diferenças
Filhos não seguem o plano que traçamos para eles. Começam a se "rebelar" quando nascem e demonstram que possuem existência própria. Não se comportam como os livros diziam, muito menos os cursos de como ser pais. Choram de madrugada, mamam demais, mamam de menos. Um dia de um jeito, outro de outro. Crescem, revelando seus desejos e vontades. Sempre em busca de sua identidade, se rebelam aqui e acolá. Aderem a modas que não entendemos ou aprovamos. Escolhem profissão, amigos e parceiros. O aprendizado contínuo é o do respeito às diferenças. Mais do que isso, a celebração da individualidade.
Mais do que tudo, filhos nos ensinam, desde pequenos, que pai não é que fazemos e sim o que somos. Nosso amor, contato físico, criatividade, curiosidade e respeito pela individualidade é que nos tornam pais. E foram eles que nos ensinaram isso tudo!
No Dia dos Pais, celebremos o quanto nossa vida ficou mais afetiva, amorosa, alegre e divertida, com o nosso "diploma" que nossos filhos nos deram.
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No Dia dos Pais, além da celebração sugerida por esse pediatra e pai, façamos também algumas reflexões a partir do que lemos em seu extraordinário texto.